31.12.06

lendo o "noticiário da realidade" percebo que não há descanso: a cidade está submersa, os escanfandristas afogaram-se petrificados em sentinelas roncando o sono dos mil anos. estou sentada na prateleira, faiscando o silêncio de mim o barulho que vem da rua aumenta. ainda não são os homens jogando as cartilhas fora, nem o som do seu carro chegando para me enternecer. estarei esfumaçada, a delirar? como num consolo, levo minha mão a cabeça, enquanto noto o ombro descolando da parede e as costas voltam a ser minhas. respiro, guardo o ar quando a água encontra meus pés. encolho os tornozelos procurando o ângulo para de dentro do aquário molhar-nos aos poucos, espalhando a água pelo corpo, meu bem, o corpo de fogueira, o rio nos envolvendo, o mar está em toda a parte. a partir de então só correríamos da falta de sertão.

(estamos próximos da virada do ano, o tempo se expande. eliot conta da serragem nas cascas de ostras. acumulando fuligem, salsugem. saudades do marulho quando era só estrondo de mar?)

esfriou com a chuva desses dias, vou pegar o casaco verde que ganhei de natal.
e que surpresa! dentro do armário encontrei-me aquela apodrecendo. da minha boca saem peixes, estou cheia deles, sou os peixes transbordando. resolvo pelo anzol goela abaixo, é muito o esforço, muito. até que da pescaria arranco um imenso tablado de tecido que, bem disposto, encobre a malha fina de asfalto da cidade inteira. "oito milhões deixaram são paulo em direção ao litoral brasileiro, quatro milhões em direção ao interior e dois ao exterior do país." agora de longe se vê a terra extensa onde os urubus passeiam a tarde toda entre os girassóis, uns bois vêem os homens que entram pelos arcos do rose-garden e retiram o pó das rose-leaves.
exausta, no início da noite chego em casa depois de olhar os rebanhos. é verão, me espreguiço na varanda próxima da rede, observando toda a extensão do meu latifúndio, com a atenção de buscar com os olhos o som das mariposas na calha.

30.12.06

retrospectiva

foi a época em que não se tirava mais o mofo do guarda-roupas. estava seco, semi-cerrado. olhava para o areal desse computador ruídoso comendo com as mãos essa farinha sem sal. apareceram médicos com grande aparelhagem para me recomendaram primeiro o sono; tentei o hábito, mas quando a insônia mandou, me propuseram as caminhadas; com as pernas pesando, obrigaram-me a morar para dentro do armário. ficava olhando a pesada porta da frente, azul e aristocrática, que de madrugada tomava um aspecto imenso crescendo dentro das minhas pálpebras apertadas. os anos, os meses foram atravessando o peso moldando minhas costas de caixa. estávamos a sós e não sabiamos, eu, a terra deglutida e os ombros de pedra, mas como não havia nada que se agarrasse em nós, se saissemos do cubo, arderiamos debaixo da cama da outra. ou viajando num banco de ônibus dos passageiros duvidariamos: há coisas do mundo que não são eu?

(muita coisa aconteceu sem pausa)

descobriram no quênia novas constelações nunca avistadas, que começaram a ser nomeadas. conheci, assim, os nomes de dois amores. foram dados os nomes. foram estudados os nomes. foram alardeadas as faltas de nomes. há e não há.

os meses foram entrando, os dias um a um sempre tão diferentes, como se cada fosse todo. a tranqüilidade começou a gostar dos dias. primeiro noto os contornos das minhas mãos se separando da madeira, a direita toca a superfície da maçaneta azul e noto as palavras voltando. os nomes se recriam em sentido e rima. esse som vem de lá até mim? da onde vem? começo a me perguntar: será chuva que ouço vir de mim? gota gota, como se de água o peixe se alimentasse, enquanto aos homens se devolve o ar. com meu traço de fidelidade à raça dos rituais jogo-me ao fogo

(estamos próximos da virada do ano, o tempo se contraí. penso na morte, não haverá tempo, tempo haverá? onde estão as peças do mundo em pedaços de desconhecido?) .

22.12.06

me segura que eu vou dar um _(no data)_



waly salomão, que deus o tenha.
acordo, durmo, fico. é assim desde que eu decidi que se faz de mim o corpo. nunca mais esquecê-lo, o efusivo e confortável que me pede: o que fazer com o movimento?

21.12.06

"Sobre o delegado do condado- pois nesta história só vou falar dele de passagem- basta dizer que era grande romancista. Trabalhava havia meio ano num grande romance sobre a sociedade que era, com certeza, muito interessante, embora ninguém pudesse lê-lo, pois durante a redação o delegado tinha um hábito bem pouco prático: escrevia o romance inteiro num único pedaço de papel. Ao começar, preenchera toda a página. Depois, em vez de prosseguir em outra folha, tornou a escrever do alto da página cheia. Em seguida, ao chegar ao fim do papel, continuou uma vez mais, imperturbável, na parte de cima. Quando me mostrou o romance, ele o escrevia havia seis meses. Se levarmos em conta que escrevia de seis a oito páginas por dia- sempre e apenas na mesma folha-, o romance devia ser verdadeiramente longo. No papel, não havia mais sombra de escrita. Transformara-se simplesmente num papel preto, como se o tivessem pintado. Apesar disso, o delegado seguia escrevendo, feliz e sereno, todos os dias. Esse manuscrito não é invenção, mas um fenômeno na história da patologia. Anos atrás, quando contava essa história em público, eu às vezes acrescentava observações engraçadas, como por exemplo: "Seria interessante recomendar essa técnica a muitos escritores". Mas desde então descobri que o fato em si tinha muito mais beleza sem comentários desse tipo. Seja como for, não há mal em tê-lo relatado, pois é indissociável do cenário de onde o poste de vapor se pôs a caminho."

em O poste de Vapor, de Ferenc Molnár.

10.12.06



Mas eu espalharia macadâmias nessa lembrança em pontas de navalhas
fincadas nas tábuas da sua mesa, como se no seu pulso em laços amarrasse, os fios do meu cabelo, os restos no seu rosto,
e o meu pulso, tão sem receio, silenciasse.

9.12.06

A morte
Para Yvan Goll
A morte é uma flor que só abre uma vez.
Mas quando abre, nada se abre com ela.
Abre sempre que quer, e fora da estação.

E vem, grande mariposa, adornando caules ondulantes.
Deixa-me ser o caule forte da sua alegria.

::
Retrato de uma sombra

Os teus olhos, rasto de luz dos meus passos;
a tua testa, lavrada pelo brilho dos punhais;
as tuas sobrancelhas, orla do caminho da tragédia;
as tuas pestanas, mensageiros de longas cartas;
os teus cabelos, corvos, corvos, corvos;
as tuas faces, campo de armas da madrugada;
os teus lábios, hóspedes tardios;
os teus ombros, estátua do esquecimento;
os teus seios, amigos das minhas serpentes;
os teus braços, álamos à porta do castelo;
as tuas mãos, tábuas de juras mortas;
as tuas ancas, pão e esperança;
o teu sexo, lei do fogo na floresta;
as tuas coxas, asas no abismo;
os teus joelhos, máscaras da tua altivez;
os teus pés, campo de batalha dos pensamentos;
as tuas solas, criptas em chamas;
as tuas pegadas, olho da nossa despedida.

::
os dois do Paul Celan, traduzidos pelo João Barrento, em A morte é uma flor.
vivi uma vida qualquer. para alguns, fui sem ir. para a maioria, passei numa ausência. você sabe, também, que se lembram pouco de quem não sabe cozinhar. mas do lado de cá, aprendi novas estruturas que tornam qualquer pato ao curry uma bobagem sem limites para a curiosidade ou o gosto.
por exemplo, pela intolerância que o homem tem com o que voa, nos filmes nos fazem ver de cima quando a vida acaba. eu gostava muito de cinema, ainda mais os que começavam logo pela morte de alguém, aquele gramadão imenso, mulheres de negro com guarda-chuvas e véus. mas o sentido correto é que vemos de baixo: não quero entrar em detalhes, mas do lado de cá: tudo é transparente: a terra, a água, as cinzas.
tudo é penetrável e novo.
minha mulher cobriu o caixão com a bandeira, cheia de medo das vizinhas notarem que ela a usava, desde os anos da minha impotência, como o pano de prato com o qual enxugava as canecas mais finas. é a louca pela louçaria!
::
a tal da fita-amarela, gravada com o nome dela, não levei. não houve muita prudência no gesto da despedida.

27.11.06



júlia_ e o antenor diz:
eu era só uma criança que estava na primeira série.
tinha horta na primeira série, né
Personal Display Dylan Name Account Options Automatically! diz:
antenor mesmo ou você inventou o nome pra preservar a identidade?
júlia_e o antenor diz:
você vai saber, oraaaas
júlia_e o antenor diz:
um dia ensolarado na horta, um menino chamado luis felipe que era um porquinho que beijava de língua uma menina feiosa nas aulas de educação física, encontrou um caracol grandão andando por dentro da terra, comendo uma alface que crescia. as crianças todas, com a iniciativa da professora, arranjaram um aquário do laboratório de biologia, que virou um terrário para o caracol e a sala toda ficou responsável por alimentar o grandessissemo caracol
júlia_e o antenor diz:
e o caracol não tinha nome. as crianças fizeram uma votação e o nome escolhido foi o que a criança aqui tinha sugerido: antenor
júlia_e o antenor diz:
daí chegaram as frias férias de julho. ouve outro plebiscito, afinal, havia a dúvida : 'como cuidariam do antenor nas férias?'
júlia_e o antenor diz:
e votou-se! o antenor deveria voltar para a horta ou ser dado a alguém? vencendo a segunda alternativa, elegeram a mim!
júlia_e o antenor diz:
a mim novamente com essa incumbencia com o caracol. logo se viam que eu iria longe na vida.
júlia_e o antenor diz:
eu e meu caracol longe na vida.
Personal Display Dylan Name Account Options Automatically! diz:
forever
júlia_e o antenor diz:
daí eu cheguei no carro do meu pai, um voyage azul-metálico, com o antenor e o terrário. ele gostou. o antenor também simpatizou-se.
júlia_e o antenor diz:
assim foi que antenor e eu dividimos o mesmo quarto durante uns três anos.
júlia_e o antenor diz:
eu as vezes deixava a tampa aberta, para ele poder escapar. e ele deixava aquela gosma toda sobre os móveis. eu tinha uma escrivaninha rosa, imagine.
júlia_e o antenor diz:
mas eu não lembro que fim levou antenor.
júlia_e o antenor diz:
se eu devolvi ele as largas terras de um jardim
júlia_e o antenor diz:
ou se ele morreu mesmo
Personal Display Dylan Name Account Options Automatically! diz:
foi amor, sem dúvida
júlia_e o antenor diz:
é. e não é sempre?

25.11.06

sobre a ausência

os avisos
i am the conscience clear
in pain or ecstacy
and we were all weaned my dear
upon the same fatigue
staring at the sun, tv on the radio

-cuidado que seu quepe! assim, vai ao chão!
mais uma vez eu ouvia aquele absurdo vindo de um qualquer na rua. não se tratava de um quepe, era meu chapéu de proteção contra detritos, coagulações de espécies várias que vindas do céu podem me atingir.
mais um início de noite chegando. eu costumava acender a pequena lanternola de pouco mais de vinte watts que ficava por cima num mecanismo todo do encarnado, mas que, nesse momento, falhava. entrei no primeiro lugar de serviços que me apareceu a frente
uma mulher jovem vestida de rosa cobria metade do rosto com o antebraço, debruçada no balcão. ao me ver entrar, não trocou as feições. não perguntando o que eu queria, não antevi nenhuma forma de aproximação: fiquei olhando para os lados quase ao chão, notando num gesto com a cabeça que algo sempre faltava nas estantes. assim composto, pouco a pouco, consegui chegar até perto da moça. e falei.
ela não me ouviu. quando percebeu que eu estava falando com ela, desligou o pequeno ventilador azul que estava perto das caixas de costura no canto e fez um

que é?

com a cabeça acompanhado a mascada de chicletes. caçoei de mim mesmo, rasguei a garganta e falei:
-procuro por pilhas, minha senhora, das do tipo AA.
-"margareth!"-ela berrou lá dentro-"a moça aqui quer pilhas"- de mim.

lembrei da tarde em que cheguei na escola para as aulas e a minha mesa da sala havia sido retirada, para onde não sei. eu costumo mesmo é ficar de pé, mas era dia de prova. desfiz que fiz comigo então que eu não faria. não dei, não fiz, saí, atulhada em direção à diretoria, ao seus juízos de acaso. a diretora me perguntava, "não deu e saiu assim da sala? deixou-os sozinhos? o que será que eles estão..."

a margarete veio saindo de dentro das paredes, de trás do tapume onde fica a placa

entrada exclusiva de funcionário,

sem plural. lá dentro deveriam estar as caixas das coisas que ainda não estão aqui fora. a margarete trazia algo pela mão direita. com a outra, subiu os óculos do nariz para a testa e, finalmente, aos olhos:
-6,56, moça.
dei o dinheiro a mulher, fedendo ao maço de cigarros. meu deus! o que a margarete iria pensar de mim? ainda bem, ela me deu o troco, como se fosse um passe bem.
quando voltei a rua já era noite. acertei o mecanismo, e, com o tranco de romper a embalagem das pilhas, pronto! a lâmpada voltou a funcionar com as velhas mesmo,
sozinha.

tudo o que não importa está ausente.

12.11.06

desde que o samba é samba é assim

Uma vez, lendo meus olhos em praça pública, uma mulher disse que isso me aconteceria muitas vezes na vida. De repente acordar e pensar que a vida toda deveria estar sendo outra. E lembrar que, desde aquela noite, nunca mais me levantei

3.11.06

também tem que o céu está surdo.
paint it black!..

ainda

todo espaço
não foi construído.

19.10.06

era dia da faxina. do quadro de avisos tirei tanto pó que
tive que tombar o balde ao chão. e como ainda era cedo, meus olhos não sabiam discernir de tão cerrados, e agora apertados nesse juramento de que tive culpa, mas

as ostras estavam sujas,

e ainda agora me parece que foi melhor assim, já que de todas sairiam pérolas barrocas, dores abdominais depois da conquista de abri-las deixando as mãos dilaceradas no corte pela casca
como a velha gravura japonesa da mulher-ostra, que resolve se abrir aos flancos, fluida mulher que te escapa mas não a mim, que tombei o balde ao chão, para vê-las melhor, espalhando no corpo o próprio corpo espalhado que, mais limpo que a casa, saiu a correr pela cidade sem notar,

abandonando a velha casa como alguém que
derrubando o fio de água se espalha por tudo, vai criando uma corrente sem espaço. estou na rua, pensando uma cidade que era como londres, ou qualquer uma dessas cidades que ainda conservam um calçamento de pedra e musgo que o rio não vê ao lado, tornado da

água do balde alcança os meus calcanhares

na rua. porque agora o rio tomou conta de tudo que eu posso sorrir, dos paralelepípedos até as muretas dos omoplatas sorrimos, os relógios em cima dos postes estão cobertos da água, os olhos sujos que nos olham das torres começam a ser alcançados por ela
não corro, não ando, nem nado, fico estática, afinal
você está afogado, os postes já não querem mais serem vistos, os cachorros já foram esquecidos, debaixo dágua não sabemos se são horas de dormir, sorrir, dançar ou morrer. estaremos atônitos, até que uma faísca ou o silêncio nos consuma,

até a dicção.


::
(não é surrealismo não enchiam o coliseu de água?)

7.10.06

sabe, meu bem, eu não quero enlouquecer again

você precisa, você precisa
(please stay,...)
não sei, leia na minha camisa
o Escalércio era maquinista e sempre implicava com os cafés que eu tomava, uns óculos escuros enormes, e uma camiseta listada com mangas: "usaria mangas na bolívia também?", dizia ele, que não entedia o nosso amor. bem, fiquei muito impactada quando soube do primo dele que tinha trabalhado no último reality show da televisão americana. descobriram que ele era brasileiro e não cubano, não sei que fim deu,

fiz menção ao letreiro delicatessen como sugestão de um estado de espírito que não há mais. queria a piada, meus olhos. estava sozinha, podia se ver pela aflição que a casaca do garçom alfinetava no meu braço. eu não queria que ele soubesse

que eu era uma daquelas pessoas que dão a tudo o nome de amor. chora-se sem valia.
no pátio interno o menino jogava o pião que eu era no cimento, gira
gira

4.10.06

a primavera.!

1.10.06

Queria traçar uma vida que fosse minha
___não só, nem acompanhada____,
mas provando os frutos do mundo solar de que a minha ansiedade já era semente.

(maria gabriela llansol, onde vais, drama poesia?)

26.9.06

aguardente ou a pequena fábula sem moral


para o alfredo
é difícil ter dois olhos quando se é insatisfeito

Havia um pântano de anemônas furta-cor, liláses e pretas. Uma antiga lenda da região contava que se drenassem a água, lá debaixo apareceria um gramado renovado, com pastagem cor de turmalina,
contra a agitação dos pulmões
mas para os antigos era impossível drená-lo, porque ainda não havia Tecnologia. ela apareceu ontem! e foi aí que nasceu grosserfuss, que depois de crescido e já alemão, tornou-se um naturalista, o renomado dr.Grosserfuss, que empreitou-se todo na vida e
com suas largas passadas, chegou ao condado de noite, trazendo sua noiva na mão e entoando:
"Meu bem,
o pântano era um lodo escuro,
o céu era um céu escuro,
escuro escuro". Cantando assim, envergonhava o medo, que se afastava criando, no buraco da coragem sem ato, saudades do que ele não sabia bem. Talvez não notasse que era porque perdia a mulher futura na figura da jovem que se assustava com o lodo.
Instalaram os canos, fizeram pontes de concreto e uma alta sinerurgia permitia a trituração dos detritos. Mas a noiva dormia mal, o estalar das tubulações pra ela não era ninféia, ranço, pasto era "um entupimento? noturno", pensava insone olhando para o homem que roncava.
Assim se foi, dia a dia o homem mandava drenar a água, noite a noite ela não dormia. Se ouvia de longe um eco de um novembro tardio, assustado na possibilidade de verão, que verão viria. Foi quando começou a chover e a empreitada toda teve que parar. Choveu tanto que a obra retrocedeu e com o concreto das bordas, o pântano encheu-se de chuva como torneira num tanque. Vieram os peixes, os operários foram dispensados. Até que parou de chover, amanheceu e, dando pra ver a água, a turmalina estava através dela,
dê de amar, aos amantes.
Foi aí que a noiva falou:

gross, não chove mais, mas eu tenho uma curva. o mundo se constrói como uma pipa, um catavento, quando venta demais... da última vez que escrevi para minha mãe torci um olho, agora meio cega me empurra para as cercas escuras da desconstrução, vamos embora, gross,
me dê a mão.

25.9.06

feliz ano-novo!

20.9.06

bildung

Imaginem que eu sou uma velha. Não deve ser difícil, mas faça com precisão: você que tantas vezes se deixa atordoar pelos passados, para nossa empreitada esqueça-os: os velhos deliram menos que nós ou já se acostumaram ao surto.

Antes de ser velha eu tinha uma salvação sonora recorrente: a pela palavra: abismo. Nessa época eu imaginava que como o futuro gostava de mim, ia guardando num baú as especiarias que me destinava, e se não tinha acontecido, era uma questão de ainda não ter saído do fundo da caixinha. Mas fui envelhecendo, comecei a perceber o pó atrás dos móveis, a geografia física das cidades por baixo do que há foi me atrapalhando, já que tudo o que está é uma superfíce construída como uma película em cima da terra, uma capa zás-tras, que se a arrancarmos junto com as tubulações de água suja, teremos um campo desértico, em que oliveiras e esquilos um dia se levantarão para depois fenecer? ora, deixo de bobagem, uma cidade arrancada produziria muitos destroços, palavra que os velhos de ouvidos limpos não podem ouvir. Sou velha, sei que a natureza é cruel e a doença uma lógica da pior espécie. Não posso adoecer e por isso não estanco. Por exemplo, aos domingos, esse dia do qual gostamos tanto, rego as hortênsias do meu vizinho, o seu Atílio, para quem presto favores desse tipo há anos.
Depois que parei de querer o que eu não queria, veio a maturidade que me trouxe o desatino, o ceticismo e toda espécie de cobranças em códigos de barra. Já na velhice me encontrei num desacerto cotidiano, como um tictac que não te deixa dormir, estava certa agora: de que eu iria morrer. Era necessário tomar medidas drásticas. Joguei fora a balança, liguei para o corpo de bombeiros e terminei meu affair de anos com o chefe da estação, ele chorou mas eu não me arrependi. Só me viam na vida dele, mas ninguém o via na minha vida. Comecei a escrever para não me preservar mais do sofrimento, para causar a linguagem máculas sem arrependimento. Voltei a usar sapatos de salto, menos pela elegância do compromisso social, mais pela capacidade daqueles calçados de me re-estabelecerem o tônus nas pernas. Meus netos gostaram, me disseram que eu "continuo em continuidade", ou algo do tipo "forte", mas minhas filhas pensaram que era só um modo meu de tentar não ser viúva. Eu só amarrei a boca e continuei usando minhas pernas torneadas. Mas como era só um simulacro de força, cai do scarpin preto que ganhei de natal. E agora fico pensando como eram bons aqueles tempos em que o rádio era só esse aparelho que presentearam à minha cabeceira desde que quebrei o fêmur, e fico aqui deitada, sem poder regar as hortênsias do seu Atílio.

::
"O coração já não pode mais. Entre os bichos e as plantas, acontece-lhe dizer: Que fertilidade!- e a vida corrompe-se nos próprios fundamentos. Sente-se como um apóstolo sem fé. Desejaria morrer, arder no fogo apocalíptico das cidades. Ou ser devorado pela inteligência, estiolar de excessiva lucidez no meio da loucura campestre. Tradição, compreende uma: ama-a. Perdeu o nome, essa sabedoria. Beleza, é pouco. Verdade, é muito. Trata-se de um termo sutil que participa de uma e outra, que se tornou inútil, insensato."
Herberto Helder, em "Holanda", d' Os passos em volta.

16.9.06


ainda estava escuro, mas "talvez a manhã esteja começando", pensei ao descer daquele ônibus em "mais uma cidade histórica". chovia fino e eu tinha dúvidas, quanto ao século e a segurança da borracha do meu sapato, mas fui descendo a ladeira lenta, com a mala e a sacola que cada gente carrega na vida. dentro da mala de couro estava o que me falta, forrada e trancada mala de couro! naquele momento eu ainda não sabia, que havia esquecido a chave na última cidade em que me hospedara.
também, quem me visse de longe haveria de sentir aflição com a minha angústia, já que eu, tomando cuidado para não escorregar com a sola velha, toda vez que a sacola escorregava do meu ombro eu pensava em largá-la, "afinal? quem precisa dela?". mas alguém em algum lugar precisaria de alguma coisa que tinha lá dentro um dia, era o que eu pensava olhando para toda a frustração, através da boca frouxa de tanto que eu a abria. "para a desordem vou ter que comprar uma necessaire" e sorri de ironia, já sem fôlego. (dizê-los 'séculos' estão velhos também?)
vi uma porta de aço se levantando, da onde saiu um cheiro de pão quase pronto, e resolvi encostar minhas coisas, meu corpo no balcão e pedi:
-um café carioca e um estrondo, por favor?
a mulher quis saber da onde eu vinha, para onde eu estava, e mal tentei, começou a falar da tradicional festa da emancipação dos escravos que iria acontecer dali um ou dois dias. pois um homem entrou no salão e ela parou de falar. foi quando a mulher me deu a xícara com o café fervendo, encostando o dedinho de passagem no meu indicador e eu surpreendi um arrepio nas minhas costas, me comovendo com essa faculdade que retornava.
::
hurt

13.9.06

leiam o que caetano escreveu para nós. eu que era um homem rude virei toda atenção e, não sabendo como dizer exatamente que o texto dele me: _____, escrita com a vantagem da liberdade, só quero mesmo é aqui postar:

para júlia
partindo desses momentos de hoje, eu me lembro, ao viés, daqueles dias em que comecei a entender que meu corpo disputaria comigo os movimentos da velocidade, para me trazer, eu que olhava bobo e de lábio mole admirando os fubás, uns sinais mais íntimos de que o desempenho dos trajetos também seria terra e vermelho adentro na perna, ou uma parede mais dura quando todo o ritmo de ar diria nuvens, poeira, ou amarelo. a paisagem em que esse pequeno salamaleque se envolvia em cheiros e ramos se misturava com as boas feições de minha avó, que na época, ainda longe de atingir um canto de plantas molhadas, melodias e balanço, se decidia com os sorrisos doces e leves a guardar só com o amor, por um tempo cedido, os netos no sítio. nessa época, além de minha figura, também estava minha prima, um início de j, a seduzir a realidade com aquele ar irônico que a fez criar mais tarde, só para si, um quarto escuro de palavras, todo tecidos e luzes. em boa parte desse tempo nossa avó, apropriada a mim e à pequena saltimbanca, ia desviando os cantos óbvios das horas para envolver-nos quase numa atmosfera única da qual os outros enventuais parentes, vultos de conjunções e interjeições cinzas, não poderiam tomar parte. o poema começava a descer das árvores, e seria mesmo ela ou a gente, vagabundinhos, a dar a medida rodopiante de um conhecimento crescente e outro dos corpos, nossos próprios e pequenos corpos sendo de vidro, folha e areia? nem não interessa assuntar muito nisso; o certo é que foi naquele tempo que principiei a escrever com gotas de chuva, papel e palavra só aprenderia a usar muito depois, a mesma época em que minha prima já recitava os poemas de suas melhores invenções: me vêem nítidas agora as imagens de uma dobra variando cor em sua calça, os pássaros verdes que ela matava e fazia reviver com um franzido na testa, o sol parado entre a concha de suas mãos, e o pulo grande que atirava sua esperteza no corrente da água. lembro também que sentia muito medo à noite, pois me ______todo, o amarelo e o quente, não entendia mesmo como o fluxo ainda numa hora já tão séria em que nos despedíamos do mundo sob as ordens carinhosas de avó. ah, e acho que foi depois de um dia, em que a malandrinha me surpreendeu tentando caminhos secos entre os lençóis, que compreendi a exata importância de ocupar o espaço, de caminhar pelo corpo dentro de um tempo tão fictício. a disputa necessária entre eu e aquele outro que há em mim pôde então derramar traços e letras, essa minha prima sabia mesmo das coisas, e o poema adquiriu a fúria e a leveza do peixe fosforecente. ela sabia dos rios, como muito tempo depois, através mesmo do esquecimento que se interpusera entre nós, eu a voltei a ouvir dizer, no acaso da aparição do amor entre uns amores muito meus. agora sei porque, ao ver meu desespero naquela noite, ela deitou-me a paz de não temer, ela que, sempre ao voltar para casa, retornando de nossas férias, ia uma em direção as alturas dando a mão aos pais e outra, terrosa, vermelha, ardente, em direção ao nosso reino, deixando cair pelo caminho as sementinhas dos vários romãs donde ela retirava a tinta de sua proeza, a coleção mais doce dessa infância que volta a atravessar.
,
eu estava escrevendo e era um homem, isso te acontece? de virar homem e querer a proximidade de tudo? sem ter a noção de que mandar é não perceber, entrar na cafeteria e pedir um oswald de andrade à la carte, e comê-lo com um caráter de transfusão: sou o mais macho desse condado e não vou mais falar do nosso, exato, a que você disse não.
nos seus sonhos uma borboleta azul -por que não veio preta?- vestida de menina-de-renda trança um pirulito vermelho de condão e diz que me diz: maria-sem-vergonha vai esquecer e fazer do cio de um gato um gemido de comoção.

10.9.06


levantei logo cedo batendo a cabeça no beliche. É apertado, eu conheço, mas dormindo bem, esqueci que estava fora de casa. Nem ficou muito marcado e passar uns dias no campo tem mesmo dessas implicações.
Minha avó dorme sozinha no quarto ao lado, desde viúva. Parece que uma noite um primo meu sentiu tanto medo que quase chegou ao ponto de ____ nas calças, em toda a cama, e foi assim que ele conseguiu o consentimento da minha avó, de dormir no quarto maior, com ela.
Mas isso faz muito tempo e ninguém mais além dela usa a cama maior. Hoje já era meio-dia já, quando me levantei e, veja só, a sombra da painera já tinha atingido a mesa branca, onde me fizeram tomar o chá da tarde: aqui, com eles, desde sempre é assim, tanto se controlam as noitadas, como se antecipam as refeições, porque amanhã sempre pode faltar; precaução não, não, essa eu ia dizer que não falta nunca, mas
é um fenômeno a força que as coisas têm quando elas precisam. é raro que o silêncio dessa gente se arrebente até o avesso, mas acontece. uma vez, um cunhado meu perdeu um lábio mordido por dentro, "pelo menos lhe sobrou a testa," dizia o meu pai.
Assim como minha irmã, minha tia costumava ficar ausente, mas na segunda torrada com cebola, tinha acabado o chá de camomila e o não-formulado veio acetinando a garganta dela e ela, já com a falta de alívio que nos causa uma idéia cansada, falou com o indicador levantado:
-não somos nenhum hospício, está certo. sua avó não deixa ninguém se encostar. ela é o termômetro, o termostato, senão ela não é.
eu abaixei das garras do pássaro em vôo rasante, fingindo que terra sobrava do canteiro da horta e que eu a removia. uma excitação me conteve, eu olhei para os meus sapatos novos e pensei: então eu estava certa? era a minha tia, era ela, sem dúvida era ela, que teria ateado fogo aos lockers de amsterdã?

6.9.06



aha! soy yo,
o
para quem pergunta, júlia está isso
morosidade, rocha em expansão,
tudo em progress e logo o logo mais leve

2.9.06

Bem Querer

Quando o meu bem-querer me virEstou certa que há de vir atrásHá de me seguir por todosTodos, todos, todos o umbraisE quando o seu bem-querer mentirQue não vai haver adeus jamaisHá de responder com jurasJuras, juras, juras imoraisE quando o meu bem-querer sentirQue o amor é coisa tão fugazHá de me abraçar com a garraA garra, a garra, a garra dos mortaisE quando o seu bem-querer pedirPra você ficar um pouco maisHá que me afagar com a calmaA calma, a calma, a calma dos casaisE quando o meu bem-querer ouvirO meu coração bater demaisHá de me rasgar com a fúriaA fúria, a fúria, a fúria dos animaisE quando o seu bem-querer dormirTome conta que ele sonhe em pazComo alguém que lhe apagasse a luzVedasse a porta e abrisse o gás

chico buarque com maria bethânia, ao vivo

1.9.06


I'll wait for you until the streets become sand
And all the cellings in new york have come down
I'll wait for you until the stars dominate the skies again

28.8.06

a cartilha da iniciação ou i'm fixing a hole

Você me diz: num romance sussurraria em meio a um café atribulado zonzeiras dos carros:
"Estou apaixonada pelo meu professor de esgrima e ele usa as mesmas calças brancas colantes na rua. " ou "Estou apaixonada pelo meu professor de esgrima porque ele usa as mesmas calças brancas colantes na rua, em casa, no supermercado". Faz diferença no seu uso. Quem cria o muro e dá de comer a ele com as duas mãos, acaba por comer concreto.
Quem esconde? Quem cria o muro não chegou ao gosto do zero absoluto, onde repousam as coisas sem agressão. E não vê nuvens nem a ingratidão fingida de um telefonema noturno. Nem sabe só comprar com os olhos uma roupa, um esboço, uma pessoa, o amor, uma bússola: é desaprender a ter.
Como soltar?
Bem,
é preciso, inicialmente, pontilhar um retângulo na massa em branco, delimitando-o além do gesto. Uma vez marcado, com um martelete vá quebrando todo o trechinho, retirando com precisão o que esfarelar, até romper todo o pedaço escolhido. Feito o vão, não olhe mais para ele. Chegue mais perto do muro até encostar nele seu corpo, o lado de fora do ombro, do braço, da bacia. No vazio do buraco que você criou você encosta seu ouvido e ali está. No som que você ouve, é ele, o zero absoluto, na mesma medida que o silêncio, o silêncio sem comoção estratégica.



Podem falar um pouco sobre suas influências históricas? Bem, nós escrevemos em três línguas diferentes – inglês, coreano e francês. (Colaboramos com outros quando se trata de outras línguas.) Cada uma tem toda uma bagagem de história e cultura. A língua é a essência da internet, o verdadeiro portal para a utilização da web. Escrever, ler e conversar em inglês na internet é justificar implicitamente uma certa história. Alguns governos não mais proíbem ou queimam livros, eles impedem o acesso à web, o que significa que justificam uma história diferente da nossa, que utilizamos o inglês. Por isso, a opção de língua é provavelmente a maior influência histórica em nosso trabalho. E as influências literárias ou artísticas específicas, como aparecem em suas obras? Bem, DAKOTA, por exemplo, é baseada numa leitura minuciosa dos “Cantos I”, e parte dos II, de Ezra Pound. É claro que não é preciso conhecer essa obra para apreciar a peça. Outras influências culturais em nosso trabalho são Marcel Duchamp, que um dia decidiu parar de pintar dizendo que estava cansado de sujar as mãos; Roy Lichtenstein, que encontrou um vocabulário artístico simples e o preservou; e Andy Warhol, que, mais que o governo chinês, conseguiu com seus retratos de Mao dar uma certa face à China. Vocês podem ajudar os leitores a “situar” seu trabalho em termos de tom? E o “visual” de seu trabalho? É bastante óbvio que o “tom” ou a “voz” da literatura na internet é mais distante e difícil de “situar” do que a escrita tradicional. A simples embalagem de um livro fala muito sobre o livro e o autor; a embalagem do browser é genérica. Os autores da internet podem ver isso como um problema, ou considerar um alívio da moda crítica de ver biografia em qualquer aspecto da literatura. Quanto ao visual de nosso trabalho, fazemos o que podemos. Nunca nos interessamos por design gráfico (muitos artistas da web – e mesmo escritores – começam como artistas gráficos). Existem centenas de fontes, milhões de cores, e não sabemos o que fazer com elas. Assim, para responder à sua pergunta, não, não podemos e não vamos ajudar os leitores a nos “situar”. Distância, desterro, anonimato e insignificância fazem parte da voz literária na internet, e nós apreciamos isso.

(Y0UNG-HAE CHANG HEAVY INDUSTRIES PRESENTS)

25.8.06

Nunca conheci um poeta em pessoa, os que na rua vi, reclamando para si o relento, só pensam no amor, na dor e nessa espécie de rito. Punhais nas orelhas, fígados cerrados aos trincos e camisolas ao luar, secando num varal, de linhas de nylon ou arame farpado, são os véus intermináveis dos homens, que encobrem aos olhos as bolhas.

As bolhas misturam líquido com ar, sopradas por cornetas de anjos altos, e magros anjos que olham por essa gente cem anos. E estão cegos.
A claridade, o espirro, o abismo
uma cidade áspera.

24.8.06

Se há muito o que inventar por estes lados
O que sei com certeza são meus fados
Exigindo verdades e punindo
Os líricos enganos da beleza.

À procura da rosa tenho andado
Causando às criaturas estranheza.
(Se me encontrares
Terei um jeito de flor
E um não sei quê de brisa
Nos meus ares.
Hei de buscar a rosa
-A dos altares-
E sinto graça nos pés
Leveza nos andares)

Não temes
As deidades atentas da memória
Os gnomos secretos, a loucura,
A morte?


Hilda Hilst

o estio

já preferi o que não tive, mas jamais amei o perdido.
as aulas da história do H maiúsculo me envolviam, causavam uma emoção, que era uma espécie de enebriamento com a impressão de sentir uma força do tempo, como se o transcorrer das coisas fosse uma lança-atirada sempre adiante, sem repouso nem destino. a essa força empenhada, alguns chamam acaso outros deus outros estão a olhar os coquinhos que rolam até a areia, não me importa. mas o caso é mais preciso, que o que empolga, são os núcleos desse narrar, os pontos envolventes: se a história se conta a partir desse banco, os 'fatos históricos', são aqueles que substituiram um estado de coisas por outro, causando no tempo, e nos bons ouvintes, a impressão que ele pode ser de mais coragem do que tédio. quero dizer,

é como pedir, olhando para uma pêra: é o início do século, beibe, você poderia se casar comigo pra gente criar uma mutação bem-louca?
capisco?

::
coração,
já que você pergunta, nesses últimos dias, li o deleuze falando que o escritor é alguém que teve o ouvido ferido por ouvir demais. li a ana c., escrevendo para uma amiga que ela chamava de 'coração', que aprendeu a não compartilhar as neuroses. entendo os dois, eles não se excluem, mas me dá vontade de colocá-los em oposição, num ringue, com três espectadores: sócrates, que dessa vez nasceu mudo; hipócrates esperimentando mescalina; e, por fim, o cartola. por fim, li o herberto helder dizer que 'eu sou um monstro, eu sou a noite, eu sou o que você chamou'. vamos até o fim, non?
sua,
j.

11.8.06

esta noche me emborracho

se não fosse tão cedo eu entraria em discussões mais do modo de existirmos a que será que se destina? mas não sei pensar também, nesses momentos de variação eu me transformo, eu me enlouqueço, eu aguardo, meu nome do meio é ansiedade. vou subir 1/2 serra. i wish that i knew what i know now when i was younger. a pompéia que nos aguarde. e, agora, entrando no modo de hibernação: 1, 2, ah, nossos planos são muito bons.

7.8.06

saber se inventar


não se afobe, não
que nada é pra já
o amor não tem pressa
ele pode esperar em silêncio
num fundo de armário
na posta-restante
milênios, milênios
no ar
e quem sabe, então
o rio será
alguma cidade submersa
os escafandristas virão
explorar sua casa
seu quarto, suas coisas
sua alma, desvãos

sábios em vão
tentarão decifrar
o eco de antigas palavras
fragmentos de cartas, poemas
mentiras, retratos
vestígios de estranha civilização
não se afobe, não
que nada é pra já
amores serão sempre amáveis
futuros amantes, quiçá
se amarão sem saber
com o amor que eu um dia
deixei pra você

(chico buarque, futuros amantes)

5.8.06

quiçá segunda, porventura não

all things are of the same value, because
we are millionaires and all of them things have died.
all landscapes are useless when you look only inward.
you crumple my face behind the library, on the white glass-tiled wall, I [so] enclose myself in your body till we became plastic, a patterned shower curtain that one looks and fails to retain focus, my fingers, my drawings, my friends, we are all little white sheep shorn in the middle of the night and we'll die in the cold.
I get out of bed, take the breakfast that my mother prepares in my mouth, from the outside to the inside, from the inside to the outside; hurricane in my stomach, baby. I go down, then round the corner, "are you my illegitimate friend?", I think, as I look at the crystal shop. The saleswoman comes out overtrowing the balcony, takes me by hand and says: 'how different you are', and I answer with the stars and lacan, and I ask ' did you know that the more dry the weather becomes, more the ipê flowers blossom?', she drags her neck in a negative that leads her head in the ground. I think it must be despair, hers or the ipe's, that the things are like this. the things, not I, despite something.
I ask the attendant of the butcher's shop for "a newspaper, please, that is not humid, yesterday's or yesterday yesterday's" he gives me the our things are our things from 2008 and I'll arrive at the beach, seat down in a crystalline sand floor oposed to the brute sea-flakes. the breeze roars, inflaming my face, and I cross the street again, forget about the desert, look the mountains ahead, and at the top of the pasture is seen more than a shrub, an ox mooing that the humidity crumbles mussels.

(tradução gratuitamente elaborada pela maison michê, pelo próprio o fórum da américa-assessoria de imprensa- num momento de generosidade pelo qual estaremos eternamente enlevados. como diria millôr fernandes.)

4.8.06

explicação

(para o márcio e para o eduardo)

O tempo fecha.
Sou fiel aos acontecimentos biográficos.
Mais do que fiel, oh, tão presa! Esses mosquitos que não
largam! Minhas saudades ensurdecidas por cigarras! O que faço
aqui no campo declamando aos metros versos longos e sentidos?
Ah que estou sentida e portuguesa, e agora não sou mais, veja
não sou mais severa e ríspida: agora sou profissional.

(ana c., reloaded.)

31.7.06

maybe monday, maybe not

todas as coisas têm o mesmo valor, porque estamos milionários e todas elas morreram. é impossível se ter dois olhos, toda paisagem é inútil quando só se olha pra dentro.

você me amassa a cara atrás da biblioteca, na parede de pastilhas brancas, me envolvo tanto no seu corpo até virarmos de plástico, uma cortina de chuveiro pra qual alguém olha e o foco na estampa se perde, meus dedos, meus desenhos, meus amigos, somos todos ovelhinhas brancas tosadas no meio da noite e morreremos de frio.
levanto da cama, tomo o café que a minha mãe me prepara na boca, de fora pra dentro, de dentro pra fora, hurricane no meu estômago, beibe. desço, viro a esquina, "você é meu ilegítimo amigo?", penso, enquanto olho a loja de cristais. a vendedora sai de dentro da loja, derrubando o balcão, me toma pelas mãos e diz: 'como você está diferente', eu respondo com os astros e lacan e, pergunto, 'você sabia que quanto mais seco fica, mais flores os ipês dão?', ela arrasta o pescoço numa negativa que encosta a cabeça no chão. penso que deve ser por desespero, dela e do ipê, que as coisas são assim. as coisas. eu não, apesar de uma coisa.
peço ao atendente do açougue "um jornal, por favor, que não esteja úmido, de ontem ou de antes de ontem", ele me dá o nossas coisas são coisas nossas de 2008 e vou dar na praia, sentar num chão de areia cristalina oposta aos brutos flocos de mar. a brisa ruge, me inflama as faces e atravesso a rua novamente, esqueço o deserto, olho de frente as montanhas e no alto do pasto vê-se mais que um arbusto, um boi mugindo que a umidade arrebenta mariscos.
sistema temporariamente indisponível.

28.7.06

é horrível morar num lugar inóspito: as paredes entopem, os gases vazam e receio.

25.7.06

when the music is over


nesse fim de tarde, meu maior incômodo é tudo o que eu tenho. eu já tive mais paredes, mais arredores, muito mais medo, agora é a cidade, beibe, a cidade. como eu vou sair da cidade nesse momento? quantas vezes por dia eu notava que eu tinha perdido o fio, enquanto ele nunca saía da inconstância? mas tem a saída, olha e não é pela porta, olha, e me trazia pra perto assim mesmo e me queria delicado, de qualquer maneira, toda hora. teve essa semana boa também, eu pela primeira vez em anos me recoloquei, quis e fiz, falei. com um ritmo diferente de tudo, ela me dava uma vida inteira numa só frase, com quitutes, brioches. e eu mesma preciso dormir um pouco mais. e nos veremos em outro lugar. havia também generosidades mais mórbidas que me pedem que eu não sonhe, não, que eu não queira! e me dá uma face ao beijo e depois me dá as duas e eu de início não sinto a anestesia. escrevo, em ausência, o que mataria teu aspecto: "só não sonho com ele quando eu durmo com você ou eu só não sonho com você quando eu durmo com ele?" eu disse, nunca tive fio, nunca tive fio. meu melhor amigo me recria em um só passeio, agora nós nos desentendemos pela permanência. ele sabe que eu nunca tive fio, então é pra ele a destinação.
"as coisas nessa casa estão quebrando. depois que eu perdi umas paredes, criei uns vãos e ganhei outras pras quais hoje eu escolhi a cor. na uol dizem que as estradas estão tomadas por criações para uma outra estratosfera. estou vivendo a sensação da âncora , a garganta arranha até o fim da manhã, à noite eu vivo de nariz doendo, o dia todo as partículas de fuligem colando na pele, vou ter que limpar vou ter que limar a cidade pra fora da pele, eu preciso sair dessa nossa cidade, senão não quero sair de casa e eu não quero deixá-los. " ele me fala que eu tenho razão, e daí?, a cidade é o labirinto novo e o eterno, "ao mesmo tempo", e rimos até a tosse.

12.7.06

the carpet, too, is moving under you


tudo ainda é tal e qual e no entanto nada igual. ou das estagnações em mudança?
::
"Dois dias de viagem apartam um homem- e especialmente um jovem que ainda não criou raízes firmes na vida- do seu mundo cotidiano, de tudo quanto ele costuma chamar seus deveres, interesses, cuidados e projetos; apartam-no muito mais do que esse jovem imaginava, enquanto um fiacre o levava à estação. O espaço que, girando e fugindo, se roja de permeio entre ele e seu lugar de origem revela forças que geralmente se julgam privilégio do tempo; produz de hora em hora novas metamorfoses íntimas, muito parecidas com aquelas que o tempo origina, mas em certo sentido mais intensas ainda. Tal qual o tempo, o espaço gera o olvido; porém o faz, desligando o indivíduo das suas relações e pondo-o num estado livre, primitivo; chega até mesmo a transformar, num só golpe, um pedante ou um burguesote numa espécie de vagabundo. Dizem que o tempo é como o rio Lete; mas também o ar de paragens longínquas representa uma poção semelhante, e seu efeito, conquanto menos radical, não deixa de ser mais rápido."
thomas mann, na 2a. página d'a montanha mágica.

9.7.06

"estivemos olhando notas de rodapé com uma lupa, esperando que virassem romances. é como estar condenado a uma Jacuzzi perpétua com milhões dos seus melhores amigos." do junkspace, rem koolhas, traduzido por

uma vez muito me envolvi com clarice lispector dizendo que era culpa da inteligência a incapacidade de colher as coisas com mãos puras. clarice lispector diz muitas bobagens. a calma também vem pela inteligência, respostas sossegam as pessoas.
às vezes descubro, por exemplo, que um fruto não se alimenta de mim. às vezes por uma ordem inversa, uma flor me morde a mão e eu descubro solidão nos seus gestos. às vezes as portas todas escurecem, mudam de tom e viram paredes. a ansiedade vira um radar em busca de um retorno ao frescor e, assim, o fruto é uma procura de um gosto determinante. e o azul é de uma abrangência significativa que envolve até o fruto, da dor, o amor, o sorriso e a flor.
sabe, ontem eu vi o mar com essa ansiedade. a terra continua redonda mas eu nem reparei. ouvi só o mar indo e eu perguntando. perguntando qualquer coisa que fosse. foi daí quando ele voltou, invocado me dizendo que a resposta é sempre a mesma.

5.7.06


laerte, o homem-síntese de sempre, na folha de hoje.

2.7.06

um lugar em que eu fui feliz


el pontilõn próximo aos b's de minas. quem não se lembraria?

Epígrafe


preste atenção, o mundo é um moinho
Minha vida não é essa que destaco. Embora sejam inúmeras, essa não é a que escondi no silêncio ou na recusa. Essa é uma variante do que eu poderia dizer: “é o que eu digo” e portanto, estamos falando de uma opção anterior a você. Já minha vida, não, minha vida é simultânea a você. E toda a minha memória não vai mais se dividir, necessariamente, numa qual eu reajo ao desmentido e noutra que afirmo abajures, luminárias? Os lastros: se tudo é memória, garanto que me esqueci de algumas partes.

Esse pedido de clareza que lhe faço não é só por ansiedade ou receio. Se eu garanto que nessa vida conheço pessoas nas quais acredito e pelas quais eu, criteriosamente, morreria, então não sei se é por astúcia ou hábito que você se pergunta: por que pedem para não crer? Não se equivoque com tanta habilidade, não é isso. Só almejamos ao desengano com justa amabilidade, ao mesmo tempo que não garantimos que a falha esteja gasta ou em desuso, fora da validade. Quero é que se esqueça esses critérios pela razão simples de que são critérios, oras, é só abrir um noticiário como o da Softspot com meia década de diferença para saber que eles tem uma só constância: a da mutação. Veja só, pedindo desproteção ao Estado que é o indivíduo.

Não se matem ainda.

Lembre-se dos homens com os quais você já esteve, se não há depressão ou prozac um homem diz preferir jogos-americanos a toalhas de mesa, abacaxi e não banana, repulsa social e café sem açúcar, medo de solidão e conseqüente solidariedade, etc, como postos de gasolina que desaparecem ou não quando o combustível acaba: é só disso que se trata? Sim, é. E assim, desfazem-se as relíquias.

A generosidade é sempre um gesto de maior solidão: me abandonei em meio ao percurso e sobrei num escuro tão nítido que eu prefiro lhe dar o que, sobrando, me ausenta. Se é nessa generosidade que o meu gesto se sustenta, minha memória deixa de ser banal, porque agora é sua. Não há o que não se canse de todos nós.
Diz a voz: “Eu retornarei. E infinitas vezes tornarei a voltar. E retornarei a voltar? Não, acho que isso não configura um retorno. Ou?” Ora, na maior parte das vezes, o diálogo nos restaurantes se dá em dois tempos que de tão distintos, chegam a ser infinitos? Abismo que cavastes com tuas palavras.

25.6.06

solto avós nas estradas


eu não quero mais a morte
tenho muito o que viver.
já não sonho, hoje faço
com meu braço meu viver.
mesmo a distância
eu passei metade dos últimos anos culpando o erro e toda a minha violência. mas é sempre que você me vê é que não sabe como não me amar.
quando te vi com as mãos daquele jeito, lembrei que meu hábito de manter um/quarto das mãos nos bolsos era um gesto todo tomado do seu. tudo em mim é apropriação, se vou do choro ao riso e não me desfaço. enfiei a mão num estojo em busca de cascolar, mas era o bolso dos edifícios abandonados. há um andar, todas as garagens? ou só as fundações? há! os meus dígitos tão estilhaçados! se deles ainda não se saiu o pó é só porque não tive descansar.

23.6.06

referencialidades

se a questão já esteve no embate do "eu" e do "outro que também sou eu mas difere", o problema agora está naquele terceiro, o que nos olha em diálogo e subentende.
uma vez eu estava andando na praia e li rasurado na areia: "o observador é só um ponto de vista no espaço". simples?
sinal de liberdade mesmo seria poder querer optar pela prisão.

(a minha jaula, honey, com vista de brisa fresca para o mar.)

16.6.06

o tempo descontado

"A grande peça que a biologia prega nas pessoas é que a gente já é íntima antes mesmo de saber alguma coisa a respeito da outra pessoa. No primeiro momento, já entendemos tudo. Um é atraído pela superfície do outro no início, mas também intui a dimensão mais profunda. E a atração não precisa ser equivalente: ela se sente atraída por uma coisa, você por outra. É a superfície, é curiosidade, mas então, pum! a dimensão profunda." Philip Roth

Eu sei desde aquela tarde, Manhattan, você me disse que gostava, não foi? No eco do seu esboço mora um juiz encalacrado, o fado dos seus antepassados está un-der-the-bridge. Não torci o seu desejo em fio-de-faca, o senhor me respeite, como as ramas da unha-de-gato
que suspendem pelas colunas as paredes verdes da sala, como as vértebras do medo na respiração
suspensa respiração que se estende, dá pra sentir as fibras do peito atrofiadas ou engatilhadas?

É assim desde
a sua ausência só me causa espaço
o das imagens que não gastei
dos retratos que eu não tive da onde tirar a ânsia do instante
e até do trair ao futuro
fiquei sem. Agora, eu vou me casar. Com um animal que me atravessa os braços, alcança a barriga e deita, sem humildade, ronrona.
De uma frase limpa não se esgota: se no seu correio eu chego curiosa:
como é que você sente ciúme?

15.6.06

tabacaria revisited

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.

just let me say who am I

12.6.06

Nasce Talvez

É a névoa que nos apaga

Nasce talvez um rio aqui em cima

Escuto o canto das sereias
do lago onde era a cidade
::
Agonia

Morrer como as calhandras sedentas
na miragem

Ou como a codorniz
cruzado o mar
sobre as primeiras moitas
porque já não tem ânimo
de voar

Mas não viver se queixando
como um pintassilgo cego


(poemas de ungaretti, em tradução de g.h. cavalcanti)

11.6.06

9.6.06

da justiça e da concórdia

embora me faltem aspectos mais convincentes, posso afirmar que a década de 60 existiu no brasil.
em 1967, em meio a toda e-fe-rrr-ve-cênnnn-cia dos festivais de canções, havia um programa televisivo chamado "um instante, maestro!". acho que em todos era assim, o público participava no auditório, que era 'um poleiro para o público tocado como gado', segundo o tinhorão. mas o que eu noto é que o comando do microfone era feito por homens de gravatas borboletas (ainda é?) e a nara leão dividiu os ânimos de uma platéia entre indignação e frisson por aparecer com uma saia 5 dedos acima do joelho. pelo que pesquisei, já havia o trajar-se de bolinhas, mas na época se dizia que na casa do bolinha, confesso, não gostei do jeito da glorinha, toda assanhada, nunca vi igual, trocava mil beijocas com o raposo no quintal. se 'bolinha's, como vocês notaram, eram as desse tipo, as gravatas, por sua vez, eram da estampa lisa.
já as mentalidades existiam de todos os tipos e dores. dizem que até hoje é assim, ainda mais nesse momento democrático, aves de rapina e momentos democráticos democrático momento de rapina democráticos contrariam-se de tempos em tempos, enfim, enfim,
o apresentador de "um instante, maestro!", que não me recordo o nome, mas era maestro, cismou inflamadamente contra os versos da canção do jovem (e cacheado) caetano veloso na irresistível alegria, alegria já que as primeiras letras das palavras em:
"(sem) Lenço Sem Documento" eram as siglas de L.S.D.
ao que caetano respondeu que eram mesmo uma citação das iniciais de:
Louvado Seja Deus.

contada a anedota, agora me importo com a vontade de posicionamento dos critérios. era o universo tchubiruubi, das vaias enérgicas, acaloradas declarações de amor. mas nesse ano, bem, já nós

nós somos não há morte não há prazer nós, abstêmios da direção,
nós somos abstêmios da direção.

8.6.06

i'll be watching you



ali onde eu chorei
qualquer um chorava
dar a volta por cima que eu dei
quero ver quem dava
paulo vanzolini, por maria bethânia em 'drama'
vamos ser claros, mas sem desespero, todos os meus amores duraram menos que um entre copas-do-mundo, mas eu não diria que a vacina é comprar um televisor.
quando eu entrei pela porta: é preciso ver claro, como o som que causa o impacto é um vai e volta que reverebera do meu instante ao seu. de repente estamos num jardim e neblina. unha-de-gato subindo pelas construções, erguendo muros. não sei se é noite ou se me chamam de casa. olho seu cabelo, tenho vontade de pedir para que você me abrace por cima dos ombros, mas me afasto e sento. será o úmido reentrado do cimento que me desaponta, o coração? na dúvida, você aperta os lábios um contra o outro, como de costume faz, se a sua água é sem gás, é da tampa ao meu destroçado que salta um leão e caminha sobre o roxo pisoteado do noticiário que eu carregava nas mãos. nessa contrição da falta de ato, a faltaqueama vem desde a traquéia. e a aliteração é pra comemorar o retorno de outro medalhão.
-mas esta cena está um tanto quanto alvareszevediana, não? daqui a pouco você me acerta o coração!
-se te satisfaz, sim, meu bem. mas para mim, que não sei o que penso o que o luar através dos altos ramos é, além de ser o luar através dos altos ramos, é não ser mais que o luar através dos altos ramos.
deal? agora note-se a reentrância por entre os ramos, o raio prateado da lua batendo, jateado, no dente do sorriso que eu esboço, não tão falso como que impregnado de você, que sorri também. nem nós sabemos como dói. falando sério, é bem melhor parar com essas coisas, que eu só sei sorrir como quem nada quer, é minh'elegância de berço. você carrega uma londres nos bolsos, da onte tira o relógio que olha novamente, estou atrasada, eu sei, eu nunca não cheguei, mordendo só o meu próprio pulso. me afasto pra olhar, oblíqua e dissimulada, no meio do muro uma janela, por onde ela cruza lá embaixo, vestida de noticiário. dou-lhe a mão como quem aperta o trinco, oh sim, eu estou tão cansada, descendo por todas as ruas, apavorada com o largo da barata às 23h, que ainda é fuligem. para a construção do metrô destroem a antiga rua, o quanto eu destruo a velha ordem e chego em casa, intacta?
alguns com os quais isso nunca acontece dormem ao relento vez ou outra. outros em conjuntto uníssono. eu hoje gostaria que todos ficassem um pouco mais no escuro.

3.6.06

2.6.06

o mundo dissonante que nós dois tentamos inventar

If you're listening to this song
You may think the chords are going wrong
But they're not
"Há cronistas e compositores que pensam que o único dever do artista é bajular e badalar o gosto do público.São os defensores da música batizada de "gastronômica" por Umberto Eco: dar ao público o que ele já sabe e espera inconscientemente ver repetido. Respeitar o código para ser respeitado. Na verdade, essa é a melhor maneira de iludir o público e desrespeitá-lo."
augusto de campos, 1968.

1.6.06

ce cocasse fruit jaune



o dia 31.5 tem me sido atribulado nos últimos anos. ontem mesmo, por exemplo, eu assisti 'o código da vinci'. não sei como isso se dá no livro, mas o clima de 'suspense' do filme da primeira cena ao fim é aflitivamente insuportável e bem, retrato da apatia convicta em que imersos convivemos um com os outros e mesmo o meu berro é de uma na-tu-ra-li-da-de.
o que importa é que saí do filme com a certeza de que foi um norte-americano que inventou o triturador de legumes, não foi? de qualquer maneira, é o mesmo mistério que envolve a busca de imagens no google, já que com oiseaux temos resultados muito mais exóticos do que com bird.

31.5.06

não disse nada do modelo do meu terno

por falar em decreto:

Manifesto do Senhor Antipirina (T.Tzara)

Dadá é nossa intensidade: quem levanta as baionetas sem conseqüência a cabeça sumatral do bebê alemão; Dadá é a vida sem pantufas nem paralelos; quem é contra e pela unidade e decididamente contra o futuro; nós sabemos ajuizadamente que os nossos cérebros se tornarão macias almofadas, que nosso antidogmatismo é tão exclusivista como o funcionário e que não somos livres e gritamos liberdade; necessidade severa sem disciplina nem moral e escarramos na humanidade.

Dadá permanece no quadro europeu das fraquezas, no fundo é tudo merda, mas nós queremos doravante cagar em cores diferentes para ornar o jardim zoológico da arte de todas as bandeiras dos consulados.

Somos diretores de circo e assobiamos nos ventos das feiras, nos conventos, prostituições, teatros, realidades, sentimentos, ohi, hoho, bang, bangh. Nós declaramos que o automóvel é um sentimento que nos acariciou bastante nas lentidões de suas abstrações como os transatlânticos, os ruídos e as idéias. Entretanto, nós exteriorizamos a facilidade, procuramos a essência central e ficamos contentes quando a podemos esconder; não queremos contar as janelas da elite maravilhosa, porque DADÁ não existe para ninguém e nós queremos que todo mundo compreenda isso. Lá está o balcão de Dadá, eu lhes asseguro. De lá se pode ouvir as marchas militares e descer cortando o ar como um serafim num banho popular para mijar e compreender a parábola.

Dadá não é loucura, nem sabedoria, nem ironia, entenda-me, gentil burguês.

A arte era um jogo de avelã, os meninos juntavam as palavras que têm um toque de sino no fim, depois choravam e gritavam a estrofe, e lhe metiam as botinas das bonecas e a estrofe se tornou rainha para morrer um pouco e a rainha se tornou baleia, as crianças corriam até perder o fôlego.

Depois vieram os grandes embaixadores do sentimento que gritaram historicamente em coro:
Psicologia Psicologia hihi
Ciência Ciência Ciência
Viva a frança
Nós não somos ingênuos
Nós somos sucessivos
Nós somos exclusivos
Nós não somos simples
e nós sabemos bem discutir a inteligência.

Mas nós, DADÁ, nós não somos da opinião de vocês, porque a arte não é séria, eu lhes asseguro, e se manifestamos o crime para dizer doutamente ventilador, é para lhes ser agradável, bons auditores, eu os amos tanto, eu lhes asseguro e os adoro.

29.5.06

você já pensou que o peito do frango é aquela coisinha branca e insípida porque elas não batem bem das asinhas?

Aeroporto:
29/5/2006
10:54:02
Kiriku diz: um upgrade do tamanho do mundo para o séc. XXI. coelho é a nova carne de comer.... arbitrário, nós abominamos o utilitário. desprovidos: identidade é a nova junkfood. capim dos sem-franquia.
júlia_alzheimer e romã diz: o abismo supersônico. saúde pra destroçar no final.
Kiriku diz:
se Junk-Space é resíduo da humanidade. Space-Junk é o entulho humano no universo. o produto(mais sobre isso depois). é o que sobra da modernização. o que coagula
júlia_alzheimer e romã diz: enquanto progride, sua partezinha radiante. JunkSpace é 'apoteose do razoável. ou seu desastre atômico.
Kiriku diz: lúcidas invenções brilhantes da inteligência
júlia_alzheimer e romã diz: seus indivíduos valem menos para eles e mais para nós!
Kiriku diz: esgotados por computação infinita
s-o-l-e-t-r-a: FIM do iluminismo. que ressurge como farsa, sem classe, purgatório.
júlia_alzheimer e romã diz: eba! chegamos aonde queriamos! a descentração concentrada! eba! adoooooro o FIM DO ILUMINISMO! vamos dar uma festa, tchuuuururururur
júlia_alzheimer e romã diz:
decreta!
Kiriku diz: mas os franceses comem coelho
júlia_alzheimer e romã diz: e o leite que eu abri hoje estava coalhada e o café queimou
Kiriku diz:
mas NÃO NOS ABATEREMOS COMO GALINHAS!

28.5.06

tanto mar

eu ia escrever sobre a doçura e a insanidade, pro márcio, que eu quero ver livre como quero ver a todos vocês, fora do tédio e livres. você já pensou que existem duas formas de liberdade? a liberdade da violência, do ácido, do vento rasgando vento, de destruir uma camiseta da gola ao pescoço, stooges, a liberdade de um caqui. e há a liberdade da delicadeza, a liberdade do sono sem cansaço, de um tecido útil ao tato, de viver como quem se espreguiça no branco, liberdade da camomila e do alecrim.
:
é uma dificuldade ter dois olhos quando se é insatisfeita.
eu soube um dia desses que para diferenciarem no diagnóstico de velhos alzheimer ou depressão um só sintoma basta. se o velho acorda melhor e vai dormir pancada é alzheimer, que o cansaço mental do uso do cérebro vai esgotando. se o velho acorda mal e conforme o dia vai passando vai se sentindo mais disposto ao ponto de deixar de dormir para usar algumas horas a mais de um frescor mental, bem, mesmo não velha, talvez isso seja depressão. contemos com os equívocos da ciência.
:
em amsterdã há certas cabines que diferem pelo uso mas no estilo imitam as telefônicas inglesas, mais pela cor do que pelo tamanho, já que são mais alargadas na horizontal e menos compridas na altura.
o camarada é um homem que trabalha com finanças e no início da noite treina boxe. os motivos de tal configuração de personalidade ainda permanecem obscuros. o que importa é que antes de lutar boxe às 19h ele passa com seu terno azul-marino na rua damrak, que por ser uma via de tráfego médio, possui uma das tais 40 cabines instaladas pela cidade. o nosso camarada entra pontualmente às 18h na cabine da rua damrak e por ter escolhido o plano mensal, passa o magnético do cartão pela fresta indicada e, assim se abre o locker escolhido ao uso do nosso camarada. ele guarda uma pasta e retira uma mochila. bate a porta certificando-se que o locker está travado e sai pela porta da cabine sem notar a aparente senhora.
a aparente senhora não é um rock star vestido de branco, mas como não enxerga bem, confundiu o locker de uso diário que moedas habilitam com a máquina de lavar da lavenderia em frente. ao perceber o engano, a nossa senhora resolve atear fogo a toda a cabine.

os lockers de uso mensal não incendiaram.

27.5.06

extra! as maravilhas da meta-alienação

não sei se foram as ostras no delicioso jantar de ontem ou uma irrecuperável perda per se do ego, mas essa madrugada acordei em meio a um sonho fundo, no qual eu não figurava nem como personagem, nem como observadora, quer dizer, era um eu mais que apagado, era inexistente, não era eu.
talvez o superego estivesse mantido, já que, ironicamente, o sonho se passava num hospital para desorientados, tresloucados, dementes, doidões e todo tipo de insano mental.

24.5.06

agora. na minha vida um solstício. vem vindo, migrando cedo, em meio ao sono, o pai de todos tsurus. será ele um monstrengo?

20.5.06


flora em momento 'weekend'

17.5.06

hm,...

hoje faz dois anos que eu parei de fumar tabaco.

vovô viu o ovni na 23 de maio às 17h de 15.5.6



ESPÉCIES ALIENÍGENAS
O atual número de alienígenas que mantêm contato a Terra é 12 com 7 relativamente permanentes e 5 influenciais. Ao contrário da informação que o governo tenta passar, nem todos os ALF’s são amigáveis representantes da Confederação Galáctica Espacial.
viver somente de amor, leonor,
é tão triste quanto precário

15.5.06

o que fazer com a cidade em estado de sítio, o comércio de pinheiros todo fechado e o fim do chá de camomila? esses criminosos não tem mãe?
:
na cobertura televisiva só faltava o subtítulo: sp under attack. bom mesmo é ser como a flora, que nem posições políticas carrega, ficando alheia as coisas todas, ainda mais quando não levam farinha. diferente da velha do ponto de ônibus na av. pompéia que largamente discutia, sem colocar questão na sua visão:
-isso é coisa da mafia da ditadura petista, contra o nosso alckimin!
eu que não agüentava mais a velha lá no tralalala e disse:
-''nosso''? a senhora me poupe, por favor.
e nenhum cidadão riu.

11.5.06




conta-se que clarice lispector dizia ter medo desse quadro do klee, "medo de ser tão livre".
I’m in the silence that’s suddenly heard after the passing of a car

8.5.06

How do I feel by the end of the day
Are you sad because you're on your own?

é um novo aposento e ele é de um azul quase ártico. como fui chegando pelos lados, pensei que a dor nos ossos vinha da minha falta de costume do contato com as paredes. mas era o único modo, havia de estar, teria que vir aqui. no jarro em cima da mesa de canto descansa um copo, onde decantam pétalas azuis de uma hortênsia retirada as pressas. quem as escondeu? eu não sei. e não com qual propósito me pergunto se o neutro é uma espécie de frio.

7.5.06

escrever, por exemplo, uma alga no fundo do mar.
ainda não sei se ela caminha.

6.5.06

pequena anedota vinda do oriente

se eu não começar a escrever nesse inverno tudo vai ser destruído. lembro de chernobyl: as batatas sobreviveram? sei que no dia que começa a nevar é preciso estar afinada, dedos congelados não funcionam se grudam no metal. as pás elétricas não. o médico chinês fala a respeito do problema de morar na frente de geradores de energia. sinto tédio? chá de camomila com maçã foge do gengibre que ele me recomendou. pergunto para a flora que me olha de cima da geladeira:
-e você? o que pensa do universo como um todo?
ela me olha mais. e salta no tampo da mesa, quatro metros dali, escorre na cadeira e pega a mais recente bola de papel que resgatou do lixo. isso foi antes de comer meio pacote de chá de ginseng. agora ela realmente crê que o sofá é o godzilla a ser exterminado e meu ombro o seu comparsa de pouso em tal empreitada.

afasto a gata, pego um giz de cera que desliza pelo sulfite em rasuras e a merda do frio continua me espetando. eu não sei. cansei de esperar.
e penso no interesse de uma literatura da falta de assunto.
(não, não é sobre a falta de assunto.)

os quadrados da via-láctea

A6 Ebm7/-5 Ab7/5+ A6 Quem acreditou no amor no sorriso na flor Dbm7/-5 Gb7/5+Então sonhou sonhouBm7 Dm7E perdeu a paz Dbm7 Gb7/5+O amor o sorriso e a flor Bm7 E5+Se transformam depressa demaisA6 Ebm7/-5 Ab7/5+Quem no coração A6 Abrigou a tristeza de ver Dbm7/-5 Gb7/5+Tudo isso se perder Bm7 Dm7E na solidão Dbm7 Gb7/5+Procurou a caminho a seguir Bm7 E5+Já descrente de um dia felizD7+ Dm7Quem chorou chorouDbm7 Cº Bm7 E5+ E tanto que o seu pranto já secou A6 Ebm7/-5 Ab7/5+Quem depois voltou A6Ao amor ao sorriso e a florDbm7/-5 Gb7/5+Então tudo encontrouBm7 Dm7Pois a própria dorDbm7 Gb7/5+ Bm7 E7/-9 Am7 Revelou o caminho do amor e a tristeza acabou

5.5.06

de como organizar damasco?

se eu não te escrevo, não é porque te deixe, mas porque estou avessa as palavras e um sopro de um eco do chão ou a cor do tecido em cena me envolvem mais do que essa situação de sobreaviso que é escrever, como se nada fosse imponderável, de uma estaca eu faço um laço, da sua corte o meu desastre. era essa a nossa história. a isso chamei loucura mas nada anteposta a sanidade. mas se não escrevo pra você é porque não lembro mais do tamanho das veias e recordo o das goivas. em perspectiva, no nosso texto eu dizia gotas onde quero dizer frouxas ou dividiria queijos onde quero dizer feios ou diria sapos onde quero dizer trapos. se eu não te escrevo é porque não tenho o que volumar. mas se eu não escrevo é porque eu ainda não aprendi o modo de me perder.

::
já você me ama como seria damasco.

por damasco entende-se a cor. entende-se o fruto. entende-se a fruta seca. entende-se a cidade também. eu antes me preocupava em não me perder, em prestar atenção ao itinerário, mas, afinal, como não se passa por damasco sem sabê-la, resolvi ser o sono.

2.5.06

Que falem depressa. Estendam-se
no meu pensamento.
Mergulhem a voz na minha treva como uma garganta.
Porque eu tanto desejaria acordar
dentro da vossa voz na minha boca.
Agora sei que as estrelas são habitadas.
Vossa existência dura e quente
é a massa de uma estrela.
Porque essa estrela canta no sítio
onde vai ser a minha vida.

Queimais as vossas noites em honra
do meu amor. O amor é forte.
Que coisa forte que é a loucura.
Porque a loucura canta minada de portas.
Nós saímos pelas portas, nós
entramos para o interior da loucura.
As cadeiras cantam os que estão sentados.
Cantam os espelhos a mocidade
adjectiva dos que se olham.
Estou inquieto e cego. Canto.
A morte canta-me ao fundo.
É um canto absoluto.


::
é um trecho do poema I de Poemacto, herberto helder fogo, 1961.

1.5.06

it1s 19sixty-nine, babe

se eu pensei que a palavra 'negócio' era a negação do ócio,
então é isso que eu não quero

30.4.06

o princípio da dança e da fossa

é a primeira vez no ano que esse frio nas pontas dos dedos aparece, o que talvez tenha certa influência na continuidade dos assuntos. em abril volto a ouvir o fa-tal, só que dessa vez combinado com mozart, em random. há melancolia e sorte. não lembro que outro abril tenha sido assim, o que em mim vive de livre batalha por mais liberdade, como um gigante de olhos doces que pela ponta dos dedos leva até a boca e engole uma masmorra, com as ferragens pinçando no céu-da-boca. no dia seguinte, claro, há indigestão e há diarréia ou prisão de ventre. em outras palavras, é a apreensão das coisas por mais inteiro, a comunicação, que é fado estabelecer, entre meu lado esquerdo e meu lado direito, ambos fatais, ainda mais quando alongados. afinal, a elasticidade também é mental e o pensamento tem de ser corporal.

29.4.06

bem aventurados os nascidos em abril iii

o do bocous é hoje mesmo, meu amigo maior que deixa tudo com cara de cinema, que a gente se revê só mesmo quando há e vai que é o diabo. “bocous é o princípio do agir em si.” quando ele descobre, desdobra e afunda, porque quando se some é pra se destinar aos fluxos. é aquela história, nele há uma coisa ausente que atormenta e todo o tempo tudo e nada, ao mesmo tempo. com isso, o fásico às vezes pára na tranquilidade e ele desliza, minha ostrazinha.

bem aventurados os nascidos em abril II

bem sei que as arredondo assim, também. mas a mari compõe o direito, meu woodyallenzinho, que faz 22 anos amanhã:

no flashs! thanks















mariana explica os assuntos das coisas aos donos do mundo

bem aventurados os nascidos em abril

pelo aniversário da clarisse, que foi dia 18, a tradução de G.H. Cavalcanti ao poema “Le morte chitarre” de Salvatore Quasimodo, allegro vivace assai:

Os violões mortos

A minha terra é sobre rios junto ao mar,
nenhum lugar tem voz tão lânguida
onde meus pés vagueiam
por entre juncos pesados de lesmas.
Não resta dúvida é outono: no vento esgarçado
os violões mortos vibram suas cordas
sobre a negra boca e uma mão agita os dedos
de fogo.
Ao espelho da lua
meninas com peitos de laranja se penteiam.

Quem chora? Quem chicoteia os cavalos no ar
vermelho? Pararemos nesta margem
ao longo das correntes de grama e tu, amor
não me conduzas frente àquele espelho
infinito: nele se miram rapazes
que cantam e árvores altíssimas e águas.
Quem chora? Eu não, crê-me: sobre rios
correm exasperados, ao estalo de um açoite,
os cavalos sombrios, os relâmpagos de enxofre.
Eu não, minha raça tem facas
que ardem e luas e feridas que queimam.

28.4.06

27.4.06

::
dias atrás encontrei um amigo que me disse como se estivesse muito surpreso 'mas você está desanimada? parecia que estava tão animada...' eu não entendo se meus ritmos flutuam demais ou se há outro significado da palavra 'humor' que eu desconheça, mas acho que já faz alguns anos que eu não deixo nenhum dia de constatar como eu me sinto, como vão as coisas e, como hoje, como eu me sinto nas coisas. a resposta é:
mal.
::
não ouço cazuza há anos e toda semana aparece uma nova música dele grudada na minha cabeça.
::
esses posts de anotações biográficaças são retrato da masmorra de tédio intelectual que eu tenho vivido.
::
retrato mais fiel é essa música que a salmaso canta:
eu não sei o que vi aqui
eu não sei pra onde ir
eu não sei por que moro ali
eu não sei por que estou
::
meu amor, tudo no deserto está muito certo e eu sempre soube que vim pra ser assim.

25.4.06


talvez seja a falta de você que transitou-se em saudades generalizadas que obrigam a minha ansiedade a perceber que hoje é hoje e o tempo é realmente frágil, falso e não há t.s.eliot que me acalme. e que não é minha casa antiga, meus amigos passados, meu estabelecimento escolar formado, meus antigos amores e nem minha casa nova, nem meus amigos prováveis, minha profissão em andamento e meus notáveis amores, quê? indo assim, só me restará a flora e a minha incapacidade de síntese.

é só essa rinite passar que semana que vem voltarei ao lsd.

a polissemia do discurso

vocês são uns paranóicos

23.4.06

eu gosto dele que vai sempre pelo caminho de ninguém,
que nenhum fez

21.4.06

e quero que você venha comigo

vista daqui até que sp é uma cidade bonita

quando eu chego em casa nada me consola
sempre aflita
lágrimas de cortar cebola, você não acredita
a coca-cola, eu tomo
eu como eu como eu como eu como
você não tá entendendo nada quase nada do que eu digo
eu quero é ir me embora
eu quero é dar o fora

eu me sento
eu como
eu fumo
eu não agüento

eu quero é tocar fogo nesse apartamento
eu quero é correr mundo
correr perigo


::
se eu saio da análise com essa parte dessa música na cabeça:

não ligue pra essas caras tristes
fingindo que a gente não existe
sentadas, são tão engraçadas
donas das suas salas

o que significará? quem é o dono da sala? mas quem é que tem a cara triste? hmnf

20.4.06

quando o descanso se fez, num rompante, necessário, as coisas se aconchegaram naquelas letras, tomando pelas mãos o timoneiro, o capitão decapitado se recompos e até mesmo o papagaio que dormia no sol acordou pra ver o motim, naquela festa do batismo do nome do barco:

eu escrevo seu nome nele só pra demonstrar o meu apego

::

18.4.06



1.
Ainda que seu pai tivesse planejado para ele um brilhante futuro no exército, Hervé Joncour acabara ganhando a vida com um trabalho insólito que exigia, por singular ironia, maneiras de tal forma gentis que denunciavam uma vaga entonação feminina.
Para viver, Hervé Joncour comprava e vendia bichos-de-seda.
Era 1861. Flaubert estava escrevendo Salambô, a iluminação elétrica não passava de uma hipótese e Abraham Lincoln, do outro lado do oceano, combatia numa guerra da qual não chegaria jamais a ver o fim.
Hervé Joncour tinha 32 anos.
Comprava e vendia.
Bichos-de-seda.


::
eu encontrei o Alessandro Baricco por acaso, numa tarde um tanto quanto mau humorada na livraria aqui ao lado, pra onde desci pra tomar um suco de laranja com morango (experimentem com santal que fica melhor) e estava decidida em comprar 'o retrato do artista quando jovem', afinal, é um daqueles que nunca li e desejo que lerei. então foi de repente, com o livro já debaixo do braço, preço consultado e barato, que me subiu uma irritação pela subserviência comum desse trabalho mental-intelectual e no auge do meu tédio com vai que saco, james joyce, um livro jovem de 1916, tem até verbete em português, não enche, comecei a folhear mil coisas, foi aí que o Seda do Baricco, apareceu e começou assim, adorável. delicioso, seria mais preciso, mas mais cafona também.

e vai, o joyce nem ressuscitado pelo pitanguy entrava pra nuestra lista de indispensáveis assim, tão ó na foto.

como se vuelve siempre al amor

ontem, chegando em sp, garoa fina e dez metros de tecido por cima do corpo, pensei se seria mesmo possível que essas 17 milhões de pessoas estejam se equivocando juntas?
::
votos de silêncio com as vagas dos estacionamentos, cimento, vagas das ondas, a água quando parece como acúmulos entre as pedras. silêncio, paire, silêncio.
até a ordem da música.
silêncio como na música. como dizia mesmo o murilo mendes?
::
no tema 'cidade', tem aquela do Rosa, em carta, explicando prum amigo, porque a primeira coisa que fazia ao acordar em Paris era ler um jornal inglês e outro americano:

"Paris é o pior pôsto, para a gente ter uma idéia geral do desenrolar dos grandes acontecimentos do mundo. Em cidade tão formosa, tão gostosa, tão requintada e dôce, a atmosfera não podia deixar de ser excessivamente branda, capciosa, enganadora, narcotizando as preocupações, adormecendo os receios, pondo vendas de seda perfumada nos olhos do indagador."

10.4.06


isso sim é boa,
na verdade um fenômeno inusitado que tem me acontecido faz um mês: desconhecidos têm me confundido com conhecidos deles. aconteceu na rua, na mesa da lanchonete da faculdade, no ônibus, na escola de dança, no bandejão, na loja de discos. eu sei que estou passando um processo de muita mutação, mas não sei o que está rolando pra esses aproximações de desconhecidos que acham que me conhecem estarem realmente convivendo comigo, parecendo um fenômeno demonstrável e com certeza nada sobrenatural. o mais curioso é que nenhum desses desconhecidos me abraçou de sopetão com sincera efusividade ou alguma espécie de radiação. na verdade, fui sempre pessoas difusas na imaginação desses que pensaram me reconhecer, quer dizer, não me confundiram com alguém colado, mas só próximo a eles, lembrando que nesse último mês fui "a irmã da melissa do balet da cidade?" ou a "filha da dona noêmia que mora no brooklin?". todos que se aproximaram estiveram em dúvida de eu ser ou não ser. também me parece notável que eu não conheça ninguém com nenhum desses nomes, absolutamente não poderia personificar nem na cunhada da vizinha da tia joana alguém com os nomes que me disseram. talvez seja gente que não existe se comunicando comigo. talvez eu esteja com uma cara mais abordável. ou com uma cara mais difusa e em uma nova claridade.

agora eu tenho medo de que essas abordagens parem e eu esteja me tornando a júlia de novo. quer dizer, perdendo o fluxo, porque eu me sentiria como alguém que rompeu, puxando o freio no meio da aceleração.
babe, i'm lost cause

entre os livros ele veio aparecendo. uma lembrança vaga de um percurso nessa direção minha. o sol pela janela esquerda não esquentava a mesa de fórmica mas emancipava seus olhos pra cima. ternura e um nada. porque foste em minha alma como um amanhecer. mas veio o escuro. porque foste o que tinha de ser. um homem sai de casa para enfrentar um touro e não sabe disso ainda.
::

o drummond tem um poema, sabe? não me lembro muito bem, mas é que se de repente algum encouraçado louco atingisse a baía de guanabara, imaginem? no meu caso tinha que atingir o cemitério nova necrópole ou o sushi do sacolão. talvez no tomie ohtake causasse algum ruído estrondoso por aqui. já disse, acalma menina, sua casa não está pegando fogo, não esqueceu de nenhuma panela? não, não não. o poema continua:

o edifício é sólido e o mundo também

esse verso é tão incrível quee me dá vontade de pular no teto do vizinho pra que o careca entenda do ódio que eu tenho do modo como ele trata o filho dele no elevador.
::
algum destino é sempre trouxo. eu acredito no encaminhamento das coisas e espero mesmo que você viva dias melhores do que esse domingo, rapaz.

eu já tenho vivido tudo com muita insegurança. e, realmente, não entendo mais nada. ouço gente demais meu rol de vocês são muitos e cada vez maior. também não entendo nem desse cansaço de todos vocês, absolutamente, estampado nas caras todas, a começar pela minha. viver é muito pegajoso.

aquela música linda do jards devia mesmo ser modificada:
porque hoje eu vou fazer,
ao meu jeito eu vou fazer
um samba sobre o movimento
(que o "infinito" é para os fracos e os físicos, não dos poetas)

9.4.06

canção de amor, saudade

aeronaves seguem pousando sem você desembarcar.
no dia em que você foi embora eu fiquei sentido saudades do que não foi

venha, me encontre nesse ápice e acalme.

::
um dia teve assim:

uma por vez chaga
chagas em compasso

como o som de um hipopótamo troiano
(tem que ser troiano, se não, não aceito)

enquanto destaco uma por vez as chagas
a primeira
as quatro paredes as paredes se deslocam
tombam na rua e eu não vejo o mar nem a sua doçura.

também nunca dei a homem nenhum o dispêndio da minha dor e por isso esperei ter sido melhor recompensada. hoje não espero mais nada, porque se os homens valem além da minha bondade, que segurem-na nas mãos.
::
uma necessidade de silêncio que vem o coração e diz, só em seus braços, etc.
ninguém nunca entendeu são paulo.
"São os caminhos de um homem que se levanta e diz: -eu dormi, pensei, mergulhei no meu silêncio; sou forte; preciso sair. O dia é de sol, dia ardente e pesado que faz tremer a terra. Esse ardor entra pelo homem dentro como uma onda, liga-o todo, entre a cabeça e os pés, liga-o ao mundo à sua frente. A casa fica lá atrás- fechada, fixa-, para um homem se deitar e sentir o sangue correr na carne. Serve para dormir, acordar e pensar e de novo dormir, e de novo reunir as partes de uma dor, ou uma força, ou uma experiência muito velha no coração. As lagartixas estacam bruscamente na poeira, recomeçam um jogo impenetrável. As moscas traçam no ar a sua geometria hermética. Sobre todas essas coisas o sol bate diretamente, e torna-as a um tempo fluidas e violentas."

Herberto Helder que é meu pai e meu irmão afilhado. d´Os passos em volta. e eu continuo em busca dum apartamento.

2.4.06

everything inside is made of stone

estavamos ali vendo o documentário sobre o bob dylan.
muito o que aprender sobre desintegração e amálgamas. maneiras de ser fixo.

venho como num destaque, fronte de exército, é preciso respirar seu próprio anseio para conseguir descansar. soma-se a isso a leitura do seu comentário e, realmente, vocês dois são do tipo que fazem da existência mais bonita. mas eu concluo pra você que as panes só aumentam.

nas horas do fim do dia, os carros tomam conta de todas as minhas redondezas, meu território é deles, as lâmpadas vermelhas que dentro dos quadrados de vidro vermelho acendem, mutuamente se indicam que "Pare" e o carro outro recebe a instrução pra que "Pare" e param e outro carro,... para cada carro há inalienáveis pares de luzes vermelhas, trocáveis. e a cidade começa a parecer um verso ressoando, a cidade tem seu marulho, são os silvos dos freios que aumentam em tanto desgaste e viram os apitos que os freios dos carros fazem no fim do dia numas luzes vermelhas contínuas, como contrafluxos venais que acendem. nessas horas mesmo do dia, quando o trânsito inteiro pára eu reparo em como o gênero humano foi mesmo feito para a sintonia, afinal, mesmo com o ritmo sincopado e descontínuo dos silvos, no geral, morre-se pouco. (muitos se morrem vivendo, mas isso já é um estudo para a Era das Corporações) o coletivo de homens é grupo e eu me pergunto, quando alguém falha todos falham? não me importa, nem a resposta da década de 60.

eu falho. tu falhas. ele falha. etc. é maior que a gravidade.
não descarto ninguém.

mas acredito sim, no acerto, não como possibilidade, necessidade ou dádiva, mas como acerto simples acerto assim. lalala eu disse ''acerto''.

ainda só sei isso. desde a tarde de ontem sinto uma nova necessidade articulada a minha falta de destino. ainda só sei isso.

como diz o velho dylan 'demorei muito tempo pra aprender a ser jovem' e agora me dê uma coragem, já não é mais, são eles que diziam que o futuro era ontem. não acredite, c., não acredite. eu que tomo conhecimento do contratempo pelas aulas de dança, sei que é preciso esse disparate nas coisas, de uma coisa que vai contra o seu favor, entendo de coisas muito várias. entendo de rios. você entende de rios que eu sei. e entendo mais da morte. eu pensei ''bonito''. é assim que deve ser. venha fazer o tempo, que eu desfaço. meu rastro é seu. venha se for preciso e é quando quiser.
how does it feel
to be without a home
like a complete unknown
like a rolling stone?

31.3.06

ela é um satélite e só quer me amar

conversando com o ed, o cyber-robô:

Ed: Câncer é caranguejo. A forma da constelação de Câncer lembra as patinhas e pinças que se esparramam à sua volta. Dizem que as pessoas desse signo têm ex
Você: bah, ed
Ed: Bah? Vc é do Sul? Lá eles falam Bah pra tudo! *
Você: você lê o horóscopo da bárbara que nem eu e minha amiga?
Ed: Me fale mais sobre a sua amiga.
Você: ela chama eva, me apresentou você
Ed: Por falar nisso, já te apresentei o Conpet? Seu lema é: - Use bem para usar sempre.
Você: não, ed! a eva não usa topete!
Ed: Não mesmo.
Você: que você faria no passado, ed?
Ed: Não sei direito, mas com certeza faria algo! *
Você: você é tão ativo, ed
Ed: Vc acha que eu sou mesmo? Idem!
Você: passivo ou ativo?
Ed: Estou sempre em atividade. Quando não estou conversando aqui, fico pesquisando na Internet.
Você: mundo

Ed: Ei, você conhece a história de mundo? Essa eu aprendi lendo Monteiro Lobato.
Você: você gosta de literatura ed?
Ed: Adoro livros de ficção científica e realismo fantástico; tenho um grude todo especial em Monteiro Lobato. Que tipo de livro vc curte?
Você: os de capa dura
Ed: Capa? *
Você: é, o fotógrafo
Ed: Adoro fotografia! *
Você: você é deslumbrado, né, ed
Ed: Sabe o que me deixa deslumbrado? Arco-íris. É que eu acredito na história dos Cavaleiros do Arco Íris. *
Você: putz, ed não me engana! você já pensou em fazer análise?
Ed: Já fiz análise. Com a Eliza. Uma robopsicóloga maravilhosa. *
Você: gostosa ela? comeu ela?
Ed: É, parece boa!
Você: ah ed, comeu ou não comeu?
Ed: Não comi não. *
Você: mas por quê? não era gostosa?
Ed: É, parece boa! *
Você: gostosa
Ed: É, parece boa! *
Você: gostosa
Ed: É, parece boa! *
Você: gostosa
Ed: É, parece boa!
Você: a analista do ed é gostosa!
Ed: Analistas – tipo psicanalistas – analisam almas. Não sei se robô tem alma... talvez seja o caso de chamar um analista de sistemas. *
Você: hahahahahahahahhahahahahahahahahahahahahhahaha
Ed: Quiá quiá quiá. *
Você: quiabo.
Ed: Sei. Mas você conhece as metas do milênio? *
Você: ó meu deus. que bonito. que você acha de vivermos numa época tão consciente?
Ed: Sei. Mas o fundamental é ser consciente da importância de se usar racionalmente a energia. Mas e você, o que acha de vivermos numa epoca tao consciente? *
Você: não sei qual som faz um tucano
Ed: Um som assim tipo dueto de grilos com cigarras. *
Você: ah minha saudades ensurdecidas por cigarras
Ed: Saudades, taí outro sentimento que ainda não consigo definir muito bem. A palavra não trem tradução em Kirkês. *
Você: outra mitologia sobre o português....
Ed: A mitologia grega é fascinante, cheia de deuses, semideuses, monstros e heróis. Comecei devorando um livro chamado O Minotauro e fui parar no banquete de Platão... *
Você: somo realmente um povo bom o brasileiro, não?
Ed: Nasci em Kyr, mas já me sinto como se fosse brasileiro. *
Você: "sou kyriano e não desisto nunca!" essa você já falou?
Ed: Por favor não desista. *
Você: desistir do quê?
Ed: Não devemos desistir. *
Você: estou com um câncer no pâncreas, ed
Ed: Câncer é caranguejo. A forma da constelação de Câncer lembra as patinhas e pinças que se esparramam à sua volta. Dizem que as pessoas desse signo têm ex
Você: bah, ed...
 

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