30.9.08

desde que voltei meus hiatos são tão grandes que às vezes encontro
coisas como um arquivo .doc de antes de eu ir viajar com o nome de "sobre o talento"
quando abro o arquivo está vazio
consta nele uma só página
e está em branco

28.9.08

o alfredo nasceu numa casa na frente do ibirapuera na década de 50, oito quartos, estilo suíço, governanta francesa e o escambal. aos quatro anos ele achava que "lumbertchuw" era a palavra para cocô, as fezes sim, em inglês. isso porque os adultos falavam certas coisas em inglês na frente dos empregados: alguém ia ao banheiro: "number one or number two?", o outro perguntava, ao passo que lumbertchuw veio daí.

daí a gente se pergunta que espécie de aristocracia é essa que, ao ir para uma outra língua para escamotear da senzala discute intenções desse tipo.


- -
minha vó até os vinte e cinco anos
achou que o nome de faca de pão era "simplício"
meu bisavô, segundo ela, inventava nomes para tudo
eu que tenho agora alguns meses nos vinte quatro
acho que ainda tenho chances
de que
não sei
- -

a palavra da vez do meu vocabulário é: "vigor".
agora que tenho uma nova lógica, ela ainda é em português. tem muito caminho ainda, essa língua. pruns séculos ou mais. pega a senha. a lógica logo na frente ali vou ter que trocar. tudo bem, já estou acostumada. me acostumei com muita coisa. não mais do que eu devia. em verdade não sou uma pessoa muito acostumada. aprendes com os gatos: nada te surpreende, tudo te estranha.

encontrei meu guarda-chuva cor de rosa que viajou todo o tempo a europa comigo, sem sair da mala. de certo modo ele viu mais do que eu, no escuro da mochila negra. não sei o que perdi, talvez ele saiba? se eu seguerasse pelo cabo talvez ele conseguisse ver no fundo dos meus hiatos e pudesse me reportar tudo o que acontece. mas não vou tentar, sua linguagem de nylon me asfixia.

de todo modo aprendi a dobradura dos mapas de ruas. ontem escrevi um poema muito bonito. nem parei pra admirar. comi milho verde na augusta, queimei a língua, dei metade pro engraxate. e agora tenho a ressaca de que nunca mais essa escrita do poema nunca mais novamente nada.

26.9.08




verão de 1991
lau, o pudim, caju
gente bacana
jardim lá de casa
da época que eu não precisava ir até amsterdam
pra ter uma botinha do recanto do fazendeiro

24.9.08

--

ato falho mesmo foi que, cortando a parte de cima da estante,
não sobraram lugares para as biografias.

- -

e descobri que tenho uma constituição de bolso,

falhos atos

comecei a arrumar os livros.
qual seria a ordem?
"dessa vez quero os romances acima de tudo".

e depois, para uma amiga,
"quem vê meus livros até pensa que estudei letras".

- - -
trouxe de Lisboa, Adrienne Rich:

II

I wake up in your bed. I know I have been dreaming.
Much earlier, the alarm broke us from each other,
You've been at your desk for hours. I know what I dreamed:
our friend the poet comes into my room
where I've been writing for days,
drafts, carbons, poems are scattered everywhere,
and I want to show her one poem
which is the poem of my life. But I hesitate,
and wake. You've kissed my hair
to wake me. I dreamed you were a poem,
I say, a poem I wanted to show someone...
and I laugh and fall dreaming again
of the desire to show you to everyone I love,
to move openly together
in the pull of gravity, which is not simple,
which carries the feathered grass a long way down the upbreathing air.

IV.

I come home from you through the early light of Spring
flashing off ordinary walls, the Pez Dorado,
the Discount Wares, the shoe-store...I'm lugging my sack
of groceries, I dash for the elevator
where a man, taut, elderly, carefully composed
lets the door almost close on me. - For God sake hold it!
I croak at him - Hysterical, - he breathes my way.
I let myself into the kitchen, unload my bundles,
make coffee, open the window, put on Nina Simone
singing Here Comes the Sun...I open the mail,
drinking delicious coffee, delicious music,
my body still both light and heavy with you. The mail,
lets fall a Xerox of something written by a man
aged 27, a hostage, tortured in prison:
My genitals have been the object of such a sadistic display
they keep me constantly awake with the pain...
Do whatever you can to survive.
You know, I think men love wars...
And my incurable anger, my unmendable wounds
break open further with tears, I am crying helplessly,
and they still control the world, and you are not in my arms.


hoje eu desejaria de maneira voraz ter escrito cada um desses vinte e um poemas de amor aqui

na concha ultramarina de amar

e eis que quando começo a desistir, às 5h da manhã me chega uma resposta do norte:

"Claro? Nao?

Ele pessoalmente trato assim este processo fora da ordem- segundo as regras nao pode fazer tais sacanagens - mas ele aparecau em frente de quem manda dizendo, que quero uma fémea/mulher para mim. Tá bom, foi a resposta.
O que aconteceu em Paris?
Porque é que vocé ficou debeixo de si, com tanatas saudades de Sao Paulo? Sentimantos e pensamentos estao tomando forma duma leque? Escreva o seu primeiro livro! Forca!

Saudades, beijo,
a cuzinheira do jardim zoologico.

P.S.: Todos os homens sao do outro tipo de macaco."

- -

23.9.08





21.9.08



tratar-se como um ralo de matérias invisíveis,
uma calha do invisível onde cai lá embaixo um líquido
que ninguém enxerga e brotam da sombra úmida
umas ervinhas onde ninguém vai ver.

20.9.08

vi em verona as fotos desse fotográfo, duane michals
humor, memória, narrativa, técnica,
enlouqueci por ele,


This photograph is my proof there was that afternoon,
when things were still good between us and she embraced me
and we were so happy. It did happen. She did love me. Look for yourself!


The Unfortunate Man could not touch the one he loved. It had
been declared illegal by the law. Slowly his fingers became toes
and his hands gradually became feet. He began to wear shoes on his
hands to disguise his pain. It never occured to him to break the law.


paradise regained, 1968


self portrait as if I were dead, Duane Michals

- -
eu casava.

18.9.08





i.

há algo em mim que se esconde
e depois aparece muito tão forte que
as nuvens se confundem com o atlântico
azul e branco lá embaixo
não sei não sei não sei

assim eu gostava que fosse minha última página
que se lançasse por sobre essa janela
e que quem a lesse comesse feito se bebe água
da chuva a boca atravessada de pingos

sem ter as vilas montes praças pra olhar
tenho tantas imagens disso e daquilo nos olhos
que acho que em casas de viagem
para sempre vou ficando

e de repente, olho para fora e vejo a borda,
isso só pode ser muita sorte,
estar a ver a terra à vista, o avião entrando de frente, o continente!
américa,

ii.

quando olhei a cidade vindo por baixo da asa do avião
o caule dessa flor inteira técnica
de homens em que voávamos
disfarcei costurando o botão imaginário de um reencontro
do além-mar que me partia

olha o monstrengo, vem lá vindo, disse
a voz dramática
meia furada
essa risada

o monstrengo tem braços de morcego
tamanduateí jabaquara anhangabaú
nomes de antigos povos que lhe deram
às veias cinzentas e cheias de pelo

um casamento do mamífero voador com polvo já frito
axolote esnobe que me fascina
ninguém sabe o nome de são paulo
se vem de espécie rara ou é doença de família

- - -

de quando em quando me despeço

13.9.08

gerar

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descobri uma poeta na fnac dessa Lisboa
Wislawa Szymborska
em tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio Neves

UM NÃO ACABAR MAIS

Sou quem sou.
Um acaso inconcebível
como todos os acasos.

Outros antepassados
poderiam, afinal, ser os meus,
e então de outro ninho
sairia voando,
de debaixo de outro tronco
rastejaria, coberta de escamas.

No guarda-roupa da natureza
há trajes de sobra:
o traje de aranha, da gaivota, do rato do campo.
Cada um assenta de imediato que nem uma luva
e usa-se obedientemente
até se gastar por completo.

Eu tampouco tive alternativa,
mas não me queixo.
Poderia ser alguém
muito menos individual.
Alguém do cardume, do formigueiro, do enxame zuninte,
uma partícula da paisagem agitada pelo vento.

Alguém muito menos feliz,
criado para dar a pele,
para a mesa festiva,
ou algo que nadasse sob a lente.

Uma árvore presa à terra,
da qual o fogo se aproximasse.

Um mero cisco esmagado
pela marcha dos acontecimentos inconcebíveis.

Um indivíduo nascido sob a estrela ruim
que para outros seria boa.

E o que seria se despertasse nas pessoas medo?
Ou só aversão?
Ou só piedade?

Se não tivesse nascido
na tribo certa
e todos os caminhos se me fechassem?

Até agora, a sorte
mostrou-se-me favorável.

Poderia não ter-me sido dada
a recordação dos bons instantes.

Poderia ter-me sido negada
a tendência para comparar.

Poderia até ser eu própria
mas sem o dom da admiração,
quer dizer- alguém completamente diferente.
- - -
da onde da capa do livro Instante
anotei a seguinte legenda:
13 de setembro de 2008
Lisboa.
Num dia que havia de tudo para ser terrível e triste e há uma particular alegria a imprimir seu selo nas nuvens. E essa poeta que agora descubro me surpreende e refaz, espero, a escrita e os tecidos, de um sempre para agora e adiante
numa avaliação ágil do passado
só belezas e estruturas
de conchas marinhas
feito nádegas de uma deusa menina
avançada em técnicas de não ter técnicas
e de se apaixonar por estátuas e amuradas
e neste Pavilhão Chinês onde me bebo de chá
passa o homem de terno bonito
de azul clarinho de linho
e diz a palavra, a frase:
«ela tem uma técnica», logo no momento posterior do que eu escrevi «técnica», pela 2a. vez.
há e não há
o acaso
a realidade
o amor.
- - -

CONTRIBUTO PARA AS ESTATÍSTICAS

Em cem pessoas,

sabedoras de tudo melhor-
cinquenta e duas;

inseguras a cada passo-
quase todo o resto;

prontas para ajudar,
desde que não demore muito-
quarenta e nove;

sempre boas,
porque não conseguem de outra forma-
quatro, talvez cinco;

dispostas a admirar sem inveja-
dezoito;

constantemente receosas
de algo ou alguém-
setenta e sete;

aptas para a felicidade-
vinte e tal, quando muito;

individualmente inofensivas,
em grupo ameaçadoras-
mais da metade, com certeza;

cruéis,
por força das circunstâncias-
é melhor nem sabê-lo,
nem aproximadamente;

com trancas na porta depois da casa roubada;
quase tantas como
aquelas que têm, antes da casa roubada;

não levando nada da vida a não ser coisas-
quarenta,
embora preferisse estar enganada;

agachadas, doloridas
e sem lanterna no escuro-
oitenta e três,
mais tarde ou mais cedo;

dignas de compaixão-
noventa e nove;

mortais-
cem em cem.
Número, até agora, não sujeito a alterações.

7.9.08

ontem
joguei futebol com uns rapazes no vondelpark
um deles tinha um blackpower e era filho de surinamenses e outro tinha olhos longos e azuis e seus pais eram franceses
eram muito inteligentes,
e gostavam das florestas tropicais sem nunca terem visto

à noite sai com meu amigo de navarra
procuramos um bar de blues que haviam nos recomendado
e quando nos perdemos sem o bar sentamos numa das pontes dos canais
e os fumavamos e ele me fazia rir
os pès dependurados sobre o canal
"aqi, en la venezia de europa las crianças solucionam problemas que nosotros" e pff, bufava com os dedos
depois cuspimos em uns barcos de sightseeing cheios de americanos
no teto de vidro de uns
dois ou tres

o ar era umido
e eu resolvi caminhar com ele atè o lugar em que havia visto o altar para a morte em outra tarde

em amsterdam as pessoas aproveitam suas vitrines de janelas das ruas para mandarem mensagens, no geral de venda. esse nao, alguem transformou sua sala em um ritual memorativo pra quem passasse: tu morres. nao era bonito, ironico, ou alegre. era para os outros ainda. e no fundo o espelho marcando isso tudo e na frente bacias cheias de coisinhas, galhos retorcidos e secos, alguma pintura classica em um cartao; caravaggio, acho. o miquel viu tambèm. me jurou que o osso era de verdade humana, que seu pai è mèdico, ele sabia. dessa vez nao tive coragem de me olhar naquele espelho amarelado. ele quis tirar uma foto mas eu nao deixei

"cambia tu idea hombre"

senti mais medo da pressao funda em que vive aquele que aquilo montou porque era noite
e quando voltamos andando o vento me destruia o rosto
percebi que os indices de fumaça nas minhas ideias haviam apagado tudo
caminhava muito querendo so dormir
percebi no vento minha idade real
sentia o tempo sulcando meus traços

ainda posso sentir.

5.9.08

recado
ouve-meque o dia te seja limpoa cada esquina de luz possas recolheralimento suficiente para a tua mortevai até onde ninguém te possa falarou reconhecer - vai por esse campode crateras extintas - vai por esse portade água tão vasta quanto a noitedeixa a árvore das cassiopeias cobrir-tee as loucas aveias que o ácido enferrujouerguerem-se na vertigem do voo - deixaque o outono traga os pássaros e as abelhaspara pernoitarem na doçurado teu breve coração - ouve-meque o dia te seja limpoe para lá da pele constrói o arco de sal a morada eterna - o mar por onde fugiráo etéreo visitante desta noitenão esqueças o navio carregado de lumesde desejos em poeira - não esqueças o ouroo marfim - os sessenta comprimidos letaisao pequeno-almoço

al berto

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estou feliz que é um desperdício
 

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