28.12.07



banksy.co.uk

27.12.07

20.12.07

acontecimento biográfico I

para aqueles que não sabem, moro num predinho antigo sem porteiro. acontece sempre de interfonarem diretamente para o meu apartamento sendo engano, ultragás, para a vizinha de cima, sabe lá
hoje eu estava modestamente dormindo quando às 7h o interfone me acordou. ah, deixa tocar, e o interfonador insistiu e insistiu. quando atendi, disse ele assim:

-oi! esse edifício é da opus dei, não é?
-...

19.12.07

tudo é mesmo um pedaço completo partido pela metade e doado ao pó e a umidade
é "muito mais do que isso ou nem tanto ainda"
o escuro está amanhecendo ou foi o sol que se foi agorinha?

e todos se calam.

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Lembro da última festa de aniversário que fui, depois de beber quase meia garrafa de vinho do Porto um amigo tentava me fazer entender o que é um poeta da continuidade. Tive calafrios na nuca quente. Eu não, olha, sou artista da ruptura do sono. Sabe aquela história do é preciso? É preciso se ter os olhos abertos, mas somos obrigados a dormir. Dormir é uma das espécies manifestadas da ilusão. Foi para não ser pega dormindo acordada, que comecei a me estipular certas atitudes. Acordar bem cedo, de madrugada, virou a minha primeira ruptura, e, como era bom! começava logo cedo a minha força.

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O silêncio já estava absoluto, todos prestavam atenção. Só eu ainda não tinha conseguido uma posição confortável. Subi na ponta da cadeira do cinema, sentado sobre o calcanhar. Estava empertigado pela dúvida de todo personagem: entre ser eu e ele, você sabe bem como é estar sozinho e acompanhado a todo tempo. Na tela, estava na ponta da borda da terra, quase no mar, parado bípede, os pés se fincando pela areia conforme a umidade subia. Uma cena cinza, o mar tão da mesma cor que o céu, que a areia também, só podia ser mesmo um recurso técnico, alguma espécie de filtro nas lentes. Uma alteração freqüente e sempre repentina entre os pontos do foco. Essa alternatividade ia acompanhando os arbustos, se via o último casal saindo da areia para o apartamento e de repente os gestos dos dedos estalando o ar, tão próximos do punho onde se notava, de antemão, a ausência de relógio fronteiriça com o início da pele coberta pela capa de borracha, de um azul-marinho focado sem dispersão, tonalidade no dia tão ausente no água do mar. O que essa história tão imóvel poderá contra a minha agitação ancestral?

9.12.07

7.12.07

fado

Tu não sabes ao que me submeteram,

Colocaram o Rei num grande barco, para visitar o além-mar, só dento me avisaram o impossível regresso, dizendo-me que um dia, quem sabe, poderia eu voltar, caso a terra girasse ao contrário, mas que vontade deles de me jogar no mar.
Da terra eu trazia cinco ou seis pedrinhas, que me agitavam o bolso num lamento inútil "pedro, queremos regresso" e quem não quer, quem não quer!, minha pobre ânsia lançada ao Atlântico. Mas também me livrarva da necessidade de partir ao meio o homem que esperam de mim e o homem que quero lançar ao mar, correnteza de cinqüenta pés, temperatura de vinte e três celsius, só Deus sabe como venta, tanta umidade no mar.
Se tivessem o feito com meu pai, bem que ele iria gostar, despregado feito a terra estivesse debaixo dos seus braços, ou quem sabe, talvez sequer notasse, talvez nem Domitilia chorasse e ausente aquele homem, se... Porém eu, o filho, como acontece sempre aos reis, eu filho de Rei e Rei, me lanço as pedrinhas do solo fértil, estéreis em meu bolso, a perguntar:
-por quem me tomam, Pedro?

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para que me retirar deste modo junkie de estar me levantando da cama e apagando a fumaça, se o mundo continuará distante, cartas de suicida por debaixo da porta quando o interfone toca, os amigos me trazendo rostos com lições que não quero, bilhetes de afogados, personagens que não sabem se cuidar, correntezas de pensamentos; e todos os horóscopos me dizendo que é hora de procurar entender o porque de que, recorrentemente, perco o senso e a vontade e a fé em tudo.

6.12.07





quem me mostrou foi minha amiga eva, que também faz os desenhos mais bonitos do mundo

30.11.07

Uma certa narração seca que às vezes me sobe. Ao mesmo tempo que ouço as palavras como se elas fossem acordes numa partitura, subindo e descendo ao som do teclado.
não quero sugar todo seu leite/ nem quero você enfeite do meu ser/ apenas te peço que respeite/o meu louco querer/ não vamos fuçar nossos defeitos/ cravar sobre o peito as unhas do rancor/ lutemos mas só pelo direito/ ao nosso estranho amor
O indivíduo é múltiplo uno ou fragmentado? O indivíduo é indivíduo? Apesar de curar da doença, o texto tem um sintoma. ah mainha, eu queria mesmo era ser poeta.

29.11.07

this time tomorrow where will we be


agora pouco por um acaso uma entrevista do antónio lobo antunes na tv a cabo. eu não o imaginava assim hoje, velho.
uma lacuna, claro, entre o entrevistador e o entrevistado. o repórter perguntou 'e o senhor se sentiu como na porta da morte?'- ele teve um câncer recentemente e foi muito simpático com a besta- 'eu? me senti vivo. estamos sempre na porta da morte. mas da vida também.' então o antónio contou de algum outro escritor que 'com a morte beirando sua cama' em tom irrisório dizia mas é só isso? é só isso a morte?, e o lobo antunes sorriu, sorriu muito.

(aqui o link para o vídeo)

28.11.07

eu lembro de uma tarde, ele se soltou um pouco, fez meia dúzia de piadas e uma dancinha com as mãos. sem perceber, já tinha reprimido. havia uma mesa nos separando sem crueldade. teu maior riso é tão pouco. e eu ainda não sei pra onde olhar.

já escrevi tantas vezes
"evitar a ironia
e o tango, sobretudo o tango,"
o vestido preto com véu e sem fenda
que visto e me emboto a tecer eu,
tua prenda,
a luz tão branca do que é mudo
e quando chega a noite, exausta tiro
o que da boca foi parar na lapela,
a flor vermelha murcha
largada em cima da mesa
cansada de ser rosa

**
reler memorial de aires

26.11.07

god save the queen

Um trecho de um texto apitava na minha cabeça desde que comecei a escrever sobre Clarice e Cortázar num trabalho para a faculdade que, enfim, termina. eu lembrava assim: 'O coração já não pode' e depois lembrava 'algumacoisa é muito' e 'outracoisa é pouco'. Fiquei fascinada por lembrar da estrutura, mas não do que se dizia. Por se tratar de "coração" pensei primeiro que fosse um trecho da Clarice reiterado. Depois tive certeza que era Drummond. Até procurar no google e pasme! o primeiro resultado era meu próprio blogue e o trecho de Herberto Helder.

***

estou desintegrada demais para escrever. estou? no entanto, escrevo, retomo. caio nas drogas, café, cigarros próprios (tanto pelo gesto!), chocolate e farinha branca. entendo que Roland Barthes está errado. no Análise Estrutural da Narrativa, diz que quando se narram coisas que o narrador já sabe, tipo "este joão, meu irmão, era médico", é uma marca do leitor implícito. Mas só concordo com isso se o leitor for também o próprio escritor. Se fosse assim, não existiriam diários. Sei que, numa ânsia tremenda de delimitar as coisas, o cara (que é foda, eu acho muito) acaba falando demais. É bom que ele sempre se arrisca! Porque em"a marquesa saiu às 5 horas", "ela mesma para comprar as flores" ou, "estou desintegrada para escrever" podem ter marcas que não são de ninguém. Ou também, porque escrevo coisas que eu já sei que sei e é para mim mesma que desconheço. Os símbolos são inseridos sistematicamente ou podem ser coisas óbvias de desconhecidas para mim e que acontecem. E eu antes de ontem tinha anotado o que o Barthes escreveu com muito afeto. Tinha escrito que o António Lobo Antunes nunca marca o leitor, então, porque ele escreve dentro da perspectiva, sempre, do narrador.

***
escrevi uma carta ontem para o antónio lobo antunes. assim:
antónio, se no meu país existissem sultões, eu te convidava para ser o sultão aqui de mim,
cheio de crueldade você me daria o arbitrário de tudo
ah, eu iria sorrir e você também sorria, sim

***
"escrevo em desordem", escrevo para ter. Tudo aqui passa pela posse. As palavras, fazê-las, tê-las. Se o ato está sempre no presente, se é por tudo ser presente que me apavoro, se é disso que Eliot fala, se eu bem entendi, as palavras não preenchem espaços ou funções. As palavras são o espaço. A palavra é inerente.

***
hoje tomei uma absurda chuva de verão. É verão, ouviram bem? Por mais que a cidade o evite, é verão. É bom anunciar porque a cidade sempre aceita o inverno resignada, mas o verão? A cidade fica apavorada, você vê nos rostos as pessoas quase querendo se comprometer com o verão. Nas noites mais quentes, ninguém agüenta e explodem para as mesas quadradas sentadas de bares. Mas somos tão provincianíssimos! o medo do verão está nas pessoas, medo de que alguém te veja correndo na chuva, correndo dentro da chuva com a chuva, sem fugir da intensidade do excesso, do barulho, do corpo largado sem roupa; isso é medo de se alegrar, não podemos sorrir muito além do 'obrigado', se não começaremos a interagir com o outro, que pode ser alguém de más intenções, gente com a qual não se faz uma festa, aliás, festa na rua? só as patrocinadas pela pomarolla. todos os feriados milhões descem a serra. e é para o interior que o tietê corre, mário de andrade já dizia.

Eu saí para comprar a rosca sabores da padaria nova, todos os meus melhores amigos estão tão longe, saí para devolver os filmes, a água arrastando pela canela morro abaixo, pensando que daqui a pouco anoitece, já vai ter terminado o trabalho e eu poderei continuar sozinha, bem assim, por quanto tempo? não sei, nem quando isso começou.

***
bem, para todos vocês que não estão presentes, também ficam dadas minhas notícias.

***
ah! o trecho de herberto helder:

O coração já não pode mais. Entre os bichos e as plantas, acontece-lhe dizer: Que fertilidade!- e a vida corrompe-se nos próprios fundamentos. Sente-se como um apóstolo sem fé. Desejaria morrer, arder no fogo apocalíptico das cidades. Ou ser devorado pela inteligência, estiolar de excessiva lucidez no meio da loucura campestre. Tradição, compreende uma: ama-a. Perdeu o nome, essa sabedoria. Beleza, é pouco. Verdade, é muito. Trata-se de um termo sútil que participa de uma e outra, que se tornou inútil, insensato.

20.11.07


tudo é igual quando eu canto e sou mudo
mas eu não minto, não minto
estou longe perto

(agora começaremos a falar dos mortos e aparecerão pontas cipestres sobre os assuntos já sugeridos)

Uma vez, anos atrás, fiquei fascinada pela história que o Sábato ouve do Borges (um escritor argentino), a respeito de Güiraldes e o respeitável fracasso de seu livro El cencero de cristal (só o título nos faz recomendá-lo pela animação aos domingos), que, mesmo o satisfazendo ao ponto de ser publicado, foi um fracasso absoluto no mundo das vendas literárias. Parece que nem os amigos o quiseram. Daí, o escritor vaidoso e creditoso ao mundo das especulações imobiliárias, resolveu cometer um ato que fosse, de uma vez só, contra aquelas páginas e que o livrasse da memória futura dos leitores de manuais de cultura literária. E o que Güiraldes fez? (primeiro, nunca mais sugeriu um encadeamento através de uma pergunta) Güiraldes pegou com as próprias mãos todos os exemplares a que teve acesso e jogou um por um num lago. A questão que o Sábato e o outro escritor argentino se fazem é: poizentão, que bonito que é, já que o mais comum teria sido jogá-los ao fogo. E por que Güiraldes não optou pelo fogo? eles não respondem, para cada um está implícito, mas, talvez para nós não, talvez porque fosse um ambientalista avant-la-, talvez porque tivesse medo de fumaça, talvez porque não tenha lhe passado fogo pela cabeça, talvez morasse numa região dos lagos, talvez, porque tivesse ainda algum apego aquelas páginas,

talvez porque preferisse formas lentas, por darem tempo de se perceber o definitivo, o silêncio da putrefação aquática, apagando pouco a pouco aquelas letras, desfazendo devagar as folhas de papel, talvez gostasse assim, de gestos monótonos, aquietados, um silêncio que de tão fundo, ecoasse pra ninguém, mesmo que você colocasse o seu silêncio ouvindo de dentro do lago, você não escutaria nada; ouviria tão pouco nítido que talvez você já tenha mesmo num lago desses afundado e, não vendo nem ouvindo nem tocando, de nada desconfiou; mas eles estão lá, os cenceros de cristal, cheios daquelas imagens de candelabros com parafina cor-de-rosa, umas tábuas rangendo fantasmagóricas, uma vontade indefinidade de se deitar nessa planície, um lençol branco em cima do gramado, até a noite chegar e tudo que se entende depois.

when i was younger, eu talvez já soubesse que é para poder ouvir essas palavras que escrevo, é dessa água absurda que falo, que de tão enlameada- é noite- se confunde com o subterrâneo do mundo, fazendo achar, por vezes, que toco o magma. não é. disso aqui se bebe. dizem que é bom, contra a inquietude.

10.11.07

"No que procede o acontecimento - - é lá que eu vivo.
Espero viver sempre às vésperas. E não no dia."
C.L.. que fazia da dificuldade, procedimento

A realidade é que resolvi deixar de ser ingrata, meu bem. Sinto sua falta, mesmo que ligeiramente, sem sobreaviso. É que no decorrer mais amplo do tempo eu estou enrodilhada, ocupada demais em construir um templo, entre as minhas severidades e os meus afogamentos subterrâneos. E, se não te encaminho essas palavras escritas, é porque sei que quero fazê-las em você como se eu nunca mais te encostasse, um pouco por orgulho, síndrome do advogado de defesa, e porque hoje sei que ninguém garante que quando se chega na compreensão, se há chegado também no momento de compreender (fazer caber) e quanto mais expressar (palavra ambígua). Talvez seja por isso mesmo, ainda mais ao nível da experiência pessoal, que a literatura seja intransitiva.

E todas essas vontades de reiterar a unidade de si e a distância entre os seres. Aqui dentro, nessa casa, encontro até alienígenas para me sevirem. Escrever um texto é como a porra da mesa que ontem eu pintei de amarelo. Não se trata de mim, se trata de um objeto. Meu? Não sei, é um objeto em que se entra, como num vestido colocado na retina, uma teia de aranha na cara no meio da noite. Como se, a partir disso, você saísse por aí, se debatendo, simplesmente assim, vivendo.

Tear com palavras, para nós, que transformamos tudo o que é sensação em fala, é uma equação infinita, gravada na rocha do sangue (o sangue é um mineral?), cujo resultado resulta sempre: "é quase isso ou muito mais ainda". São entre lacunas como essas, é, eu vivo.
Yet if the only form of tradition, of handing down, consisted in following the ways of the immediate generation before us in a blind or timid adherence to its successes, "tradition" should positively be discouraged. We have seen many such simple currents soon lost in the sand; and novelty is better than repetition. Tradition is a matter of much wider significance. It cannot be inherited, and if you want it you must obtain it by great labour. It involves, in the first place, the historical sense, which we may call nearly indispensable to anyone who would continue to be a poet beyond his twenty-fifth year; and the historical sense involves a perception, not only of the pastness of the past, but of its presence; the historical sense compels a man to write not merely with his own generation in his bones, but with a feeling that the whole of the literature of Europe from Homer and within it the whole of the literature of his own country has a simultaneous existence and composes a simultaneous order. This historical sense, which is a sense of the timeless as well as of the temporal and of the timeless and of the temporal together, is what makes a writer traditional. And it is at the same time what makes a writer most acutely conscious of his place in time, of his contemporaneity.

Tradition and the individual talent, T.S. Eliot, em 1920, escrevendo para hoje. O ensaio completo pode ser lido aqui.

5.11.07



biografia incompleta, antônio dias, 1968
(infelizmente, a imagem está pouco definida.
um original no masp, numa exposição com data pra acabar.)

3.11.07

"...

julieta

ó:

........................................




Nasci para administrar o à-toa
o em vão
o inútil.

Pertenço de fazer imagens.
Opero por semelhanças.
Retiro semelhanças de pessoas com árvores
de pessoas com rãs
de pessoas com pedras
etc etc.

Retiro semelhanças de árvores comigo.
Não tenho habilidade pra clarezas.
Preciso de obter sabedoria vegetal.
(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã
no talo.)
E quando esteja apropriado para pedra, terei também
sabedoria mineral.




.......

(m de barros)


Abra sua conta no Yahoo! Mail, o único sem limite de espaço para armazenamento!
http://br.mail.yahoo.com"

2.11.07

A cidade está ardendo no meu apavoramento. A cidade ferve seu caldo de desdém pelo meu imaginário. Antes, eu tinha medo do que é a imaginação, o feltro úmido que enrola a garganta madrugada adentro e faz tudo parecer impossível e tão provável. Eu agora tenho medo da falta de imaginação. Tenho medo da compreensão, da interpretação e de tudo que não for ruptura. Parei neste outro galho e espero que ele não se quebre para que eu possa romper-me, incongruência qualquer de um espírito irônico e devastado.

E fique sabendo: quem não se arrisca não pode berrar. De repente, que loucura fina. Ser capaz é um dos modos de ser vulnerável. Olhos queimando, correntes de sangue, louvor transformado em vazio. Vamos acelerar, romper a concentração e toda a idéia de aperfeiçoamento. "Não tenho inveja às cigarras, também morrerei de cantar." A concentração será deixada para momentos mais solenes do que este, não é? Não, é não sei. Estamos inteiras na intimidade de não agüentarmos mais, o eu múltiplo, reificação solene do indíviduo, chegou ao limite. Não seremos mais destros. Não toleraremos o riso escarninho dos presentes afigurados.

Quem sabe de mim, é a minha própria aproximação de mim. Bela morena em seu vulto de carne, por exemplo: Estou indo para Cannes vestida de branco. Estou indo para Cannes esbanjar, mostrar pra todas as usuárias de diurético que a realidade que eu conheço é reter e, que, por isso, todas as coisas me atingem. Misturei nossas vidas com as dos outros e agora não sei se posso; te aceitar: como? Agora você me cansa pelos excessos de estágios de encenação que eu tenho como destino a levar te sucumbir? As pessoas nunca me comoveram tanto.

Solicito a entrada de um novo expediente. Que venha de patins, o novo expediente.

Pensei, pensamos, dissemos: por que ninguém nos escreve cartas de amor? Estou interessadíssima em cartas de amor. Estou explícita para cartas de amor.

1.11.07

31.10.07

I'll be your king volcano right for you again and again

Eu não sabia quem era o mister e quando saiu do grande casarão um homem lindo eu me ataquei. Ele entrou no carro, disse algo com party para o motorista e me deu um grande amasso molhado. Chamei-o de my dearest e cold cold fire! era o David, my velvet goldmine! A festa era cheia de luzes vermelhas e sons obscuramente incríveis, chegamos abraçados e como nos amávamos tanto! Em cima da mesa de sinuca, rolávamos por todos os lados e cantos. Ele me dizia que ao meu lado tinha voltado a ser adolescente, mas que isso tinha também lá seu dark side. Me perguntou se eu não tinha visto o Lou por lá, que o cara era um folgado que desde que tinha começado a fazer análise virou um pentelho e charlatão e tal. E, entre beijos estalados, me prometeu que, se eu nunca mais o desprezasse, aquele vestido lindo e listado seria meu.


Ok, então, ok,...

- - - - - - - - -
carlos drummond de andrade completaria hoje 107 anos. tá morto, o poeta, no meu coração meio enterrado também.

26.10.07

foi preciso chamar a atenção das crianças
que tiravam frutos do pomar
e descascavam laranjas com facas sem corte:
não se ponham a arrancar as ervas do chão que a gente pisa
como meninas desprezadas e raivosas.

no pátio interno
depois de uma ciranda
é proposto pedagogicamente
que se faça um desenho feito um contrapeso do que a nossa cabeça pensa
e as crianças todas riem de satisfação
e o menino mais novo,
um cata-vento trazendo o cheiro do laranjal
veio na direção do meu amigo Lero - - - o guindaste,
e disse pra ele que não dava pra jogar aquele jogo:
-é a cabeça que pensa ou é o corpo inteiro?

o Lero que era só corpo
o Lero que não lia Sontag
o Lero quando se agitava
a gente ia junto pra praia
ele imensão pegava os prédios em redor com a sua garra
pegava as pessoas e as barracas de sorvete
arrancava as pedras do calçadão
tirava de mim toda essa lembrança
e lançava tudo ao grande verde.

feito tudo fosse aquário cheio de peixes
que um dia se descobre decorativo
e afunda no meio da água do atlântico
silêncio violento que se ouve do cais
e os peixes libertos todos
se põem a contar notícias de além-mar.

17.10.07

não sei se estou confusa ou foi o mundo que se abriu de tanto girar hoje de manhã quando acordei com sono olhei bem lá a torre uma das antenas das quarenta que existem na vizinhança a que dá pra ver das janelas do quartos tinham três homens subindo vestidos de azul o céu estava nublado e eu, procurando por alguém, acendi um cigarro com a torneira da pia em que meu gato estava a se lavar.

- - - - - - - - - - - - - - - - - -

todo amor que houver nessa vida, pra vocês.

14.10.07


Foi preciso chamar a atenção das crianças: parem de arrancar a grama, vamos fazer um desenho feito um contrapeso do que a nossa cabeça pensa. É a cabeça que pensa ou é o corpo inteiro?

O orelhão de perto de casa já tocou umas três vezes essa noite. Parece que perdi o sono. Parece que não me chamam de casa. Parece que a casa deixou de ser e esse cobertor morno só me enrola. Se você me convidar pra dançar eu recuso. Tenho o meu bailado, mequetrefe que seja, comigo mesma, noite adentro.

Vou extravasar num e dois e três: essa língua portuguesa é uma realidade mesmo, que coisa estranha, Clarice Lispector - - - a coisa estranha- - - dizer que queria não ter aprendido outra língua de tanto que te ama, português. A frase dela é bonita também porque prevê um comentário como o meu: se não tivesse aprendido outra língua, claro que não saberia como é está portuguesa. Português do Brasil. Faz diferença? Beibe, há quanto tempo assumi que muita. Mas será possível não desejar o alcance de outra língua, como o inglês, o latim ou o sânscrito? Me parece que seria como aqueles que pedem perdão a todo tempo o tempo todo, sendo que pra pedir perdão mesmo, pra ser perdão acabado, tem que ter cometido. E se eu cometer noutra língua, como vou enfiar a minha na boca e andar por aí? Tá certo, Clarice.

É e eu também quero os pés leves e desamarrados dos tecidos. Queria também ter mais fotos do dia de ontem. Tirei uma do guindaste. Guindaste é lero-lero dos iniciados. Diga sim que isso me diz muito, vou me aproximar cada vez mais desses sorrisos. Não tenha medo de colar em si mesma, ela tanto já te habita. Dias muito irrigados. Luz que arrebenta a cabeça, fecha os olhos irrigados de sangue. Sangue que se expõe ao perigo.

deixas o verão deslizar de mansinho
para o cobre luminoso do outono e
às primeiras chuvadas recomeças a escrever
como se em ti fertilizasses uma terra generosa
cansada de pousio – uma terra
necessitada de águas de sons de afectos para
intensificar o esplendor do teu firmamento
(al berto)

7.10.07

que maravilhosa encruzilhada essa
parede branca do meu quarto
se saio dela logo me permito
a resolver ir a rua
convidar algum amigo para

uma cigarra canta perto da minha janela
nessa terra coberta de espigas não-halógenas
de vida útil muito longa e eficiência constante geralmente apresentam em seu bulbo uma certa quantidade de iodo

e os amigos são como flores
secas que a gente leva na lapela
às vezes ao alcance da boca
palitando dentes feito cowboy
até que um dia a gente mastiga
e cospe nada além de pó

cantem, cantem todos nas fileiras do meu pensamento
logo estaremos daqui um quilômetro
estrada de terra percorrendo o milharal.

2.10.07

O céu descoberto para vê-los passar. Se olharmos de cima, além da cabeça retraída, vamos ver a tensão no ombro que vem desde o meio do peito, porque carrega um dilúvio que nunca aconteceu, nem nuvem se formou, como se o tempo tivesse ficado tão sem água, tão sem chuva, que, de tão seco que ficou, cristalizou-se. Ela também tem uma forma cristalina, mas não rochosa como a dele, para ela só não existe fora ou dentro. Ela passa num mundo sem gravidade em que o sol poente não precisa de nada para ir. O leitor mais desconfiado com ele se parecerá. O mais impreciso, com ela. Mas e se ambos, na verdade forem um só? Em meio a tantas adversidades é necessário narrá-los.

1.10.07


Revenge of the goldfish, Sandy Skoglund

14.9.07

mas nada é perfeito- nem o magnífico chapéu
de mademoiselle de noailles nem os dias que
aos ziguezagues vão passando iguais e monótonos
falta-me o tempo para procurar o tempo perdido
e não estou deitado na recordação da infância
confesso
que odeio escrever cartas ou enviar recados

do horto de incêndio, do al berto.

12.9.07

Houve um tempo em que todas as pessoas realmente admiráveis estavam mortas. Mortas! Quando resolvi procurar entre os vivos foi que me encontrei morta também. Ah o pântano o deserto o labirinto. Mergulhei até o centro da terra e não achei nada também. Resolvi putrefazer ao contrário. Pedir desproteção ao Estado que o indivíduo. E garantir que eu não garanto nada, amor.

Essa noite sonhei que estava deitada na areia da praia, olhando o céu enorme cheio de estrelas. Feito uma mulher primordial onde ainda não se traçaram as constelações, os signos e os destinos, cabia a mim escolher o desenho daqueles pontos de luz. De repente eu vi uma estrela cadente e eu queria fazer um pedido, mas não sabia o quê. Passou outra estrela cadente. Caiu mais uma. E eu não conheço o pedido. Acordei pensando que era isso: o que é que eu quero querer?

6.9.07

mas o que eu estou fazendo aqui
de novo na noite
se é meio-dia de sol imenso lá fora
e o que ainda arde em nós
nunca foi pela corda-bamba
só uma passeata de meio-fio
numa que às vezes chovia às vezes parava
e quando ventava me secavam as lágrimas
e isso foi desde o início
e é daqui pra segunda-feira também

os caranguejos come-dorme
vão até a praia marchando
sua verdade sanguinolenta
daqui só aparece mesmo
o trópico, o trópico

não há como viver nessa casa como se fosse uma caçapa
coube-me aqui aos sábados
a vizinhança tão vazia, que pena, ninguém aqui pra ouvir meu
joão gilberto no último volume
a cidade que te partiu,

28.8.07

something in the way she moves me


soy, estoy, me voy

25.8.07

eu também passo o tempo inventando alguma coisa que você também colocaria aqui ao meu dispor se gastasse naquele canto comigo uma meia hora alicate na goela

na cadeira de palha a senhora de maiô segura um copo de gin que não bebe

determinaram que o português do brasil não tem mais acentos de diferenciação
há quem diga demora anos presses acentos caírem

também é um tanto cedo ainda
para dizer que não vou mais ao parque passar a tarde escrevendo

ainda não cheguei à dicção
mas tudo bem, também ainda não deram à crase o silêncio
de não humilhar mais ninguém

18.8.07


i've been a miner for a heart of gold
and i'm getting old

20.7.07

Desde que comecei estas notas sem texto ouço como ruído de fundo algo que escreveu Jaime Gil de Biedma sobre o não escrever. Sem dúvida, suas palavras trazem maior complexidade ao labiríntico tema do Não: "Talvez fosse necessário dizer algo mais sobre isso, sobre o não escrever. Muita gente me pergunta isso, eu me pergunto. E perguntar-me por que não escrevo inevitavelmente desemboca em outra inquisição muito mais inquietante: por que escrevi? Afinal de contas, o normal é ler.* Minhas respostas favoritas são duas. Uma, que minha poesia consistiu -sem que eu soubesse- em uma tentativa de inventar uma identidade para mim; inventada e assumida, já não tenho vontade de colocar-me inteiro em cada poema, que era o que me apaixonava quando os escrevia. Outra, que tudo foi um equívoco: eu pensava que queria ser poeta, mas no fundo queria ser poema. E em parte, na pior parte, eu consegui isso; como qualquer poema medianamente bem-feito, agora careço de liberdade inteiror, sou todo necessidade e submissão interna a esse atormentado tirano, a esse Big Brother insone, onisciente e ubíquo: Eu. Metade Caliban, metade Narciso, temo-o sobretudo quando o escuto perguntar-me junto a uma sacada aberta: 'Que faz um rapaz de 1950 como você em um ano indiferente como este?' All the rest is silence".

Enrique Vila-Matas, em Bartleby e companhia.



*disso eu discordo.

13.7.07

a memória tem braços e tem pernas. tem muitas vozes. às vezessó vontade sem pernas. sorte dela se estivesse só na cabeça ou no sangue, nesse incrível e efusivo nosso corpo que tantas vezes vive só de estar no rastro do corpo de alguém,

no escuro, como me acontece sempre, mas agora no do seu quarto você recosta a cabeça no travesseiro empilhado no batente da cama e o seu sangue aterrorizado e também os braços e as suas pernas caladas enfim repousam
como se nunca, nunca antes por mim sepultados

na primeira vez era sair da cidade
na segunda o cais e a eternidade
finalmente resolvi sair do país
foi na noite que atravessei o jardim da minha casa e fui dar numa escada de concreto
um caracol de ângulos retos,

9.7.07

5.7.07

Há uma coisa, porém, a propósito da qual a ideologia oca não admite brincadeiras: a previdência social. "Ninguém deve sentir fome e frio; quem sentir vai para o campo de concentração: " essa pilhéria da Alemanha hitlerista poderia estar a brilhar como uma máxima sobre todos os portais da indústria cultural. Ela pressupõe com astuta ingenuidade o estado que caracteriza a sociedade mais recente: o facto de que ela sabe muito bem reconhecer os seus. A liberdade formal de cada um está garantida. Ninguém tem que se responsabilizar oficialmente pelo que pensa. Em compensação, cada um se vê desde cedo num sistema de igrejas, clubes, associações profissionais e outros relacionamentos, que representam o mais sensível instrumento de controle social. Quem não quiser se arruinar deve tomar cuidado para que, pesado segundo a escala desse aparelho, não seja julgado leve demais. De outro modo, dará para trás na vida e acabará por ir a pique. O facto de que em toda carreira, mas sobretudo nas profissões liberais, os conhecimentos especializados estão, via de regra, ligados a uma mentalidade de conformismo às normas enseja facilmente a ilusão de que os conhecimentos especializados são os únicos que contam. Na verdade, faz parte do planejamento irracional dessa sociedade reproduzir sofrivelmente tão-somente as vidas de seus fiéis. A escala do padrão de vida corresponde com bastante exactidão à ligação interna das classes e dos indivíduos com o sistema. Pode-se confiar no manager, e confiável também é o pequeno empregado, Dagwood, tal como este vive na página humorística e na realidade. Quem tem frio e fome, sobretudo quando já teve boas perspectivas, está marcado. Ele é um outsider e, abstracção feita de certos crimes capitais, a culpa mais grave é a de ser um outsider. Nos filmes, ele será no melhor dos casos um indivíduo original, objecto de um humorismo maldosamente indulgente. Na maioria dos casos, será o vilão, identificado como tal desde sua primeira aparição, muito antes que a acção tenha se desenvolvido o suficiente para não dar margem ao erro de acreditar, ainda que por um instante apenas, que a sociedade se volta contra as pessoas de boa vontade. De facto, o que se desenvolve actualmente é uma espécie de Estado de bem-estar social em grande escala. Para afirmar sua própria posição, as pessoas conservam em movimento a economia na qual, graças à técnica extremamente desenvolvida, as massas do próprio país já são, em princípio, supérfluas enquanto produtoras. Os trabalhadores, que são na verdade aqueles que provêem a alimentação dos demais, são alimentados, como quer a ilusão ideológica, pelos chefes económicos, que são na verdade os alimentados. A posição do indivíduo torna-se assim precária. No liberalismo, o pobre era tido como preguiçoso, hoje ele é automaticamente suspeito. O lugar de quem não é objecto da assistência externa de ninguém é o campo de concentração, ou pelo menos o inferno do trabalho mais humilde e dos slums. A indústria cultural, porém, reflecte a assistência positiva e negativa dispensada aos administrados como a solidariedade imediata dos homens no mundo dos competentes. Ninguém é esquecido, todos estão cercados de vizinhos, assistentes sociais, Dr. Gillespies e filósofos domésticos de bom coração, que intervêm bondosamente junto a cada pessoa para transformar a miséria perpetuada socialmente em casos individuais curáveis, na medida em que a depravação da pessoa em questão não constitua um obstáculo. A manutenção de uma atmosfera de camaradagem segundo os princípios da ciência empresarial - atmosfera essa que toda fábrica se esforça por introduzir a fim de aumentar a produção - coloca sob controle social o último impulso privado, justamente na medida em que ela aparentemente torna imediatas, reprivatiza, as relações dos homens na produção. Esta espécie de "assistência aos flagelados" espiritual lança uma sombra conciliatória sobre os produtos audiovisuais da indústria cultural muito antes que esse auxílio saia da fábrica e se estenda sobre toda a sociedade. Mas os grandes ajudantes e benfeitores da humanidade, cujos feitos científicos têm de ser apresentados pelos escritores como actos de compaixão, a fim de extrair deles um fictício interesse humano, funcionam como lugar-tenentes dos chefes das nações, e estes acabam por decretar a eliminação da compaixão e sabem prevenir todo contágio depois de exterminado o último paralítico.

Theodor W. Adorno e Max Horkheimer - Dialéctica do esclarecimento: A Indústria Cultural.

(vindo dos arquivos do brejão do umbigo)

22.6.07

I don't want, no I really don't want
To be John Lennon or Leonard Cohen

para c.

sempre as janelas e os quartos, adensados nas paredes que a memória divide com a vontade de fugir. era pequena, menina de lágrimas enormes sempre que montava a mala, uma trouxa de roupas com bolachas de água e sal e tirinhas do calvin.

one night i saw a mexican film pela janela
a casa do vizinho:
um delegado prostituído que tudo o que fazia com a vida se sintetiza na encoxada na empregada no fogão. botava para ouvir um disco de hinos no dia da independência do brasil.

não havia saída.

existia era um telhado, entre os muros das casas de planta quase igual, a outra acentuadamente mais cimentada que a nossa, muito tapete de grama verde sem folhas por cima. eu caminhava pelo telhado, atravessava da janela do meu quarto para a janela do quarto do meu irmão. era uma grande façanha para uma criança triste.

one day i had to leave my country, calm beach and palm tree
a casa do vizinho foi soterrada por um lago de água salgada.
era o mar avançando a cidade, a fuga, a escolha, a memória e a renúncia.

minha mãe andou de barco num lago que cresceu dentro da bacia de um vulcão. a água borbulhava doce e incandescente.
como ela, não sei caminhar sobre outras águas. quando estaremos livres disso e de todo o resto, minha mãe? só nas horas de partir? sinto, mas não vou te chamar dessa vez. a janela do meu quarto de criança é minha, a casa do vizinho invisível e finalmente mareada e o marulho só restam na memória
no entre nós
o muro do fim da nossa casa de criança e o mar imenso
eu também já tive muito medo por você mas
o muro é também o porto para o caos

o navio cargueiro imenso, meu cruzeiro encosta. eu tenho o bilhete de entrada, esse direito de passar, meu destino contraditório nos bolsos e nas mãos uma só cruzada. uma nova parede se me coloca a frente, não me deixando alcançar o olhar pelas escotilhas. o que eu não vejo, me enjôoa e foram entorpecendo o meu nariz aquele cheiro de diesel misturado com chumbo, ferro, tudo dentro feito de aço com o níquel. embaralhada, perdi esse navio das duas, o do meu bilhete. sem cálculo sentei-me na pequena área do muro, abraçada com a minha mochila e ficamos esperando, calmamente esperando.

quando o das cinco chegou vi sua porta lá longe e minha vontade de alcançá-la enorme. tão longe e tão alucinada tive que percorrer o em cima do muro com pé ante pé, num galope como um teste de equilíbrio, que, diga-se de passagem, muito me satisfez. um pouco mais gasta e com o fôlego alterado, alcancei o portal imenso e entrei no navio.

por dentro o navio era como um ônibus da viação gato preto, com os bancos pintados de azul com mancha de giz. dei o meu bilhete das duas para o maquinista de navio das cinco. o cobrador nada me perguntou e vi sentados, logo na primeira fileira, dois passageiros muito familiares.

meu pai não me disse palavra, carregava uma sacola de feira amarela e azul e estava já muito velho com uma bengala. fez um trejeito irônico e barrueco com a cabeça, foi para mim. já minha mãe ao lado dele, não me viu, vestida de vermelho e negro, sorrindo estática seu olhar para o futuro.

eu me sentei num banco qualquer do navio, me sentindo um gato com fones de ouvido
foi aí que me lembrei que quando o joão cabral de melo neto morreu, meu pai me disse que era um dia muito triste para ele.

26.5.07

debruçada na janela que não dá o saber do tempo, porque o sol é um visitante que se parece comigo e se despede antes de vir, fiquei olhando com inveja e carinho para o gato da janela do vizinho que mora encostado naquele vidro,
ali onde bate sol
percebo que sonhei com você. e ninguém vai saltar da janela ou sair da porta do banheiro para me fazer companhia nessa manhã tão fria. claro como isso só a exatidão que não sei quem é você?, mesmo que a imagem do seu corpo esteja presente, essa xícara de chá está mais próxima de mim do que o retrato do seu fatal lado esquerdo esforçado em se vestir como mamãe queria
reparei que o meu gato, quando crescer, vai parecer com o gato da janela do vizinho, como um heterônimo do sol e, que apesar de afônica e cheia de metafísicas,
estou de pé, acordada e repleta de esperanças
pois jamais tentei dormir sobre essas páginas
e te peço pra que veja na carne do poema o que já não é escrita, pois o gato vive em nós,
e fatalmente se sabe que isso já não é amor e talvez nunca tenha sido, é sempre crise
mas tão diferente da crise do sonho
em que eu te dava um beijo e te chamava de meu bem tão no canto da boca e me arrependia dessa também, coisas que me fogem pelos lábios, gestos tão ágeis e certos e logo tão ásperos.

16.5.07

now it's time to leave the capsule if you dare

eu era um avião dando voltas em berlim. com o punho encoberto no dourado, carregava um gerânio talhado em cada asa. nesses parafusos da alta-costura me escondia, o espadachim vestido de lataria, eu firmava a grande patente do céu, azul e doido, demais.

deixando em paz a germânia, voando em círculos, vivendo, como quem vindo se desfaz para trás, aeronave foi rompendo, reluzindo para cima. nem se via lá debaixo, quanto de mim partia. na cabine a conversa dum construtor com o meu pai. descubro que sou assim, tão sem dona de mim, nessa minha falta de cais.

a janela da cabine forçando, que não era de tais alturas, os botões convulsionando, não sei mais arranjar estrutura. e o painel do radar estoura. nesse caco o co-piloto perde a glote e eu aeronava, subindo, subindo o terror das aeromoças
por capricho, tesão ou cura quis comer um dois três pacotinhos de amendoim com o piloto tão sem dono de nada,
enfim.

4.5.07

one from the heart




Ela dorme, morna. E não sabe para onde ir. Quando acorda também, mas

No sonho ela está numa paradisíaca Ilha, chão de conchas brancas, aguazinha cor de piscina. Onde ela se conheceu com ele. Quando olha para o lado, está num posto de gasolina shell Amarelo e Vermelho. Blue, like monday evening, está o coração dela. Ela quer amar e para isso não precisa amarrar os sapatos brancos. Mas alguma coisa que falta. Entra na loja de conveniência, conversa com o cara do balcão. Trata-se da recepção do jornal do país. Pelas paredes de vidro blindex ela olha lá fora. O azulzinho vem do vidro e se remete para a água. Parece que começou a chover. “Pensei que tivesse entrado pra comprar uns cigarros”.
-Cigarros? eu tenho muitos. Quer?- diz a outra pelos ombros dela.- Eu vou até ali em cima pegar. Quer?
Ela pensa que a outra pelo menos deve ter notícias do outro e escolhe ficar junto dela. A outra sobe as escadas e ela sobe também. Não se lembra dos cigarros e não sabe se subiu pelas notícias. Ela não repara que está indo atrás da outra que abre uma porta de madeira clara e entra pra um outro compartimento. “Ali eu não posso ir," ela pensa e senta na frente de um Ibook. Espera, espera olhando o descanso de tela. A outra sai de uma porta e por trás d’Ela atravessa a sala retangular, entrando em outra porta. A outra

repete a mesma passagem por trás d’Ela algumas vezes. Como os homens da família, hoje ela está de camisa e procura pelo maço no bolso. Ainda sem. E decide levantar. De repente uma nublação na cabeça. Não lembra mais se ela subiu porque a outra deixou. A outra parece atravessar a sala com olhares cada vez mais persecutórios. De repente “não era para eu estar aqui”, de repente desconhecida, “de repente a outra me reconhece”. Não salta da janela, filha minha, encontra a porta de saída descendo a escada, vira a maçaneta com tranqüilidade. O porteiro nem te olha. “Vou ter que explicar para o outro o que eu vim fazer aqui?” e atravessa a rua, as lagoas sumiram, não se volte para o mar, e ele há de voltar, vai lá, continue nessa, assim, street walking cheetah, with a heart full of napalm

29.4.07



28.4.07

gentem!, minha avó me adicionou no messenger!
A Virgem Maria

O oficial do registro civil, o coletor de impostos, o mordomo da Santa
Casa e o administrador do cemitério de São João Batista
Cavaram com enxadas
Com pás
Com as unhas
Com os dentes
Cavaram uma cova mais funda do que o meu suspiro de renúncia
Depois me botaram lá dentro
E puseram por cima
As Tábuas da Lei

Mas de lá de dentro do fundo da treva do chão da cova
Eu ouvia a vozinha da Virgem Maria
Dizer que fazia sol lá fora
Dizer i n s i s t e n t e m e n t e
Que fazia sol lá fora.

(manuel bandeira)

22.4.07

No seas insegura, eso dejámelo a mí/ Hombres con armadura abundan por aquí
No seas tan celosa, no hay ninguna como vos/ Además te ves preciosa cuando el celoso soy yo
kevin johansen

Deito bem escovada. Com o cheiro do lençol novo fico que me agito, não sei bem onde mora essa aflição das sensações não serem estáticas. Entre os meus dedos sinto os filetes na penumbra, uma das poucas coisas que eu sei é que isso aqui é o cabelo dele, que, preto, é o que há de mais preto no mundo. É também o cabelo da minha mãe reinventado.

Inicio minha luta pelo sono. Apaziguo as atividades de amanhã, lembrando de ontem e antes de ontem, falo pra ele sobre o meu pulso dobrado que incomoda. Falo pra ele que desde criança o medo de dormir me obriga a falar. Hoje, como se pedisse desculpas e com isso me avantajasse de liberdade, me peço sossego.

(continuo avaliando. do amor, o medo do sono, o medo da velocidade, são todas as quebras da minha entrega? já vejo assim, como um risco em termos de “entrega”, “escolha”, tudo tão pejorativo quando se rastreia!)

Logo voltamos a uma tarde inteira de passos alados, com o cansaço da sua mão me puxando os ombros para trás (é por causa da idade, que delicado) e, depois de perceber, alinha a nossa postura.
Conta sempre que não há despedida pra mim? Sou o seu esboço, a moça dessa cena que te olha e sorri dizendo:

“Tenho medo de que não seja para sempre.

Você me vê na estrada invisível da beira d’água? vamos olhar os olhos no reflexo?". Cenas brancas e cenas estáveis. Depois cenas da hora de escurecer. “Olha pra lua, eu não te esqueço”. A minha fraseologia cravada nas suas costas, faz você lembrar que quer tirar a roupa das minhas palavras? "Dispa-se, mulher".

Passa os dedos entre os fios do cabelo dele, retoca o cabelo dele pra sentir a falta de uma mímica condensada do amor. Saímos do universo do gesto. Estamos sós, eu me desencantei de mim mesma, acontece sempre. Minha cabeça encosta na sua, fazendo o contato entre as partes desentendidas. Quantas horas será que eu vou conseguir dormir, se você vai acordar antes?

Em algum momento me venci, passei, é de manhã finalmente.

Ele gosta tanto de cantar quando é cedo. Canta um pedaço só de cada música, sem perceber, como um afresco que só tivesse cheiro. Coloco sua voz como o meu fone de ouvido, quando você se levanta, debruço na sua fronha da minha casa. Bem cedo te farei um café, toda manhã seu. Eu sou a moça dessa cena, lembra? que todo trecho entende como sendo dela e para ela, porque o homem que canta de ouvido e acaso, canta dentro do clima e por ossatura.

linger on, your pale blue eyes

ter memória é como ter audição, olfato ou tato? quer dizer, por estarem todos no corpo são inseparáveis e por isso um cheiro lembra algo ou o tato se faz gravado? e, assim como envelhecemos e perdemos um e/ou outro, o fado da memória é o apagamento?

algumas culturas vêem no arco-íris duas cores, outras doze.
na escola se aprende quantas cores tem o absurdo:
(são sete)
a noite, a visão, o vigor,
a falha,
o riso e o esquecimento

(http://saidthebird.multiply.com/music/item/276)

13.4.07

acho que a literatura já é uma espécie de mutismo no sentido de que é necessário um outro para ela se fazer. mesmo se for para expulsar esse outro da narrativa, ele está ali, o expulso. se ninguém abre o livro que ele escreveu, o livro não existe. eu penso isso em todas as livrarias que freqüento, com os excessos que encontro nas prateleiras e poucos (ou nenhum) livros seduzem. preciso escrever uma história que se eu encontrasse numa livraria eu gostaria. estou escrevendo uma história que pode demorar anos pra ser feita, como a minha própria vida, pela estrutura que eu tenho planejado. acho que isso me seduz, eu nunca soube manter uma atividade assim por muito tempo e qualquer coisa que me faça acordar todos os dias, como um filho faria, é um planejamento estrutural, vital e um baile no tédio.

---:----
roland barthes: "todo estilo é um segredo".
clarice lispector: "quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo".
---:----
vamos caçar razões e astronautas?

lendo humano, demasiado humano: "assim como aumentam as geleiras quando nas regiões equatoriais o sol atinge os mares com mais ardor do que antes, também um livre-pensar muito forte e abrangente pode ser testemunho de que em algum lugar ponto o ardor do sentimento cresceu extraordinariamente".
---:---
como será que o rosto dele vai ficar quando envelhecer mais?
(vinte anos daqui em diante,
sem beijos de despedida dessa vez
seu charme ainda, espero, vai me fazer sofrer
boa viagem que você se exploda dentro de mim
até o fim.)
cassandra diz:
a minha voz também tem muita questão. você chega lá quando?
antônio diz:
comecei a contar essa história pra saber o que não é.
cassandra diz:
sei, daí os papéizinhos voam milhares no chão de cimento que parece granito.
antônio diz:
eu prefiro caixas ao chão, cassy. prefiro nenhum termostato da dor.
cassandra diz:
não deixe barato. vou comprar nívea sun pra gente comer: o barato é que deus me deu.
antônio:
eu parei de comer.
cassandra:
e eu não queria ter fome.

31.3.07

27.3.07

olho para o lado no corredor lembrando de você, se você não vem? vejo um outro que me lembra você, do lado de quem vem, procurando por alguém.
ele está apaixonado. faz dias que eu vejo e sei: aquele homem está apaixonado esperando, procurando com os olhos ela que não chega. todo dia é a mesma coisa: ele, apaixonado, fica inquieto onde não deve, não consegue só se sentar e esperar, ele está consumido, não deve dormir nem comer direito,
está consumido, como todos nós seremosoufomos, os incinerados pelo amor que não chega. ou que chegou e a gente não sabe oquemaisquerer?
isso porque, horas antes,
oprofessordeliteratura dizia com risinhos da tópica ingênua do amor no lixodoromance em questão: "como se a paixão fosse uma doença". eu deveria ter abordado uma questão de indignação? vou levar o moço que acompanho com os olhos a vivência da falta, levarei a mim mesma num tribunal e uma dúzia de amigos justos
mas você, se você chegar e quiser participar da nossa turma te daremos suas cinzas. vão rir de você, gargalharemos dos seus fingimentos, da sua ridícula parecência.
não vem que não tem, meu bem. eu agora não sou mais fatual.

26.3.07


cubodenoite em staring the sun

23.3.07

pro mundo ficar odara



meus dois olhos, esquecidos de mim, nunca se confundiriam.

12.3.07

perdi as aspas do meu teclado

4.3.07

o espetáculo


vejam as asas e os sapatos
que viraram irmãos no delírio
que encantados agora são pássaros de couro ornamental

dos sapatos não se usam meus ossos, e as asas estão sem as plumas, a renda continua sem a chegada do apresentador, um cão escapa de dizermos que não há público e morde a falta de sangue do inferno
e os homens estão na fila dos carros fingindo que são homens dentro de carros

o pássaro de couro ornamental não move uma sílaba
essa gota precária de saliva


(o adorável desenho é da eva, muito mais aqui)

2.3.07

passei as últimas noites procurando novos meios de comunicação. a primeira delas era adicionar escritos poéticos em bulas de enfartados, tendo o redator uma única cartilha: "aqui não se sugere o anti-tabagismo, mesmo porque aqui não se sugere nada".
no cinema godard repete o que no consultório o psicanalista afirma: a comunicação entre-um-e-outro é intransitiva. isso ele diz de dentro do consultório onde não teve o amor que eu tive, de comunicação impermitida. afinal, de que serve uma saudade ou mesmo um número de telefone se ele se encontra irremediavelmente ultrapassado?

26.2.07

- 9 de Dic. de 1961

El miedo a envejecer nace del reconocimiento de que uno no está viviendo la vida que desea. Es equivalente a la sensación de estar usando mal el presente.

do diário de susan sontag, pedaços aqui

20.2.07


it's truly, truly a sin

19.2.07


ela sofreu três fraturas na costela. quando acordei de manhã cedo, sobressaltada com a poeira que subia, tive que lembrar do médico dizendo a minha esposa enquanto a anestesia passava:

quebramos em falso três bisturis para ver se ela acordava
seis vezes escutamos timbres que do coração divergiam
de vez em quando ela agonizava e gemia:
-paris! paris!

ela sofreu três fraturas na costela
mas a senhora me perdoe, também quem não sofre enquanto espera,
'vai ver que nunca mais o amor faz de mim alguém?'

era uma dessas pontas de aço esterilizado que estavam por dentro do meu estômago e me fizeram acordar. a cidade, meu bem, estava pegando fogo. dez mil habitantes resolveram aleatoriamente seguir as prescrições da velinha de amsterdã de como atear fogo em uma metrópole sem perder o sentido. era o acaso minhas costelas estarem quebradas hoje de manhã. quando comecei a discar no celular, parei. pensei em ficar sozinha. pensei. fiquei lembrando da minha última corrida num táxi pensando que quando volto pra casa nunca sei se deixei mesmo o gás desligado. pensei que então era eu, claro, em mim que aquele fogo tinha começado.

17.2.07

há o que se dizer.
:

"onde o meu rápido risco no espaço também se perca, suas cascatas me levando até a água, e finalmente a água infinda e estranha nas mãos em volta de tudo, quando o conhecimento também sofre o seu risco. vou e nunca sei quando volto, será normal, como você que olhará bem fora do tempo, talvez desconfiando de algum lugar, quando ler este nossa companhia que é o texto na ausência, principalmente de algo tão presente quanto instigante que pode ser o desconhecido. você sempre se pergunta onde é que está? ou tem muita certeza ou muita dúvida do que se encontra, ou respira de improviso uma conversa? e o texto, o quanto poderá ele expulsar os nossos nomes, e o quanto poderemos voltar como aqueles cegos principiantes de que você me falava?, na praça a dar pombos com as mãos ao ar, saberá alguma lembrança física, como poderia ser o pensamento? o pensamento é um sentido?"

3.1.07



ao acaso hoje li isso que me impressionou tanto pela compatibilidade do que escrevi aqui dois dias antes:

"Jodoigne, 23 de março de 1977.

Hoje reconheço esse sonho. Foi um sonho que tive durante uma noite do princípio do mês de Março. Um lago- enquanto eu dormia voltada sobre o lado esquerdo-, estava ao meu lado; era imenso, embora limitado pelos contornos de lago, espelhado, parecia querer ver-me calmamente dormir.

hoje, dia 23, acordei susceptível, mutável, dispersa na concentração de ligar várias imagens. Lágrimas, sempre à frente dos olhos. Conheci- porque a vigília do lago me veio à idéia-, esta coisa simples sobre as mortes. Eu já fui, em verdade, lago- sua borda de terra-, o corpo dessas reminiscências está em mim; apodrecer é o meio de voltar à terra, à água do lago, de trazê-los e levá-los consigo. A morte é a noite obscura desta passagem, o único meio de sublimar a pedra cativa.

meu pai era um lago rodeado pelos meandros de minha mãe; se ele tivesse sido a lagoa escura, as montanhas que o cercavam, olhava-as ele de cima para a imagem lacustre de fundo. Fui educada para saber que, quando se olha com profundidade, a profundidade é a superfície."

Maria Gabriela Llansol em Finita.
e essa foto é do Duarte Belo
 

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