29.11.08

hiato

lembrei de ser criança e montar cabanas por aí, sabe? no jardim, tentava muito, durava pouco. dispersão. morria de medo do jardim de noite e dos cantos escuros de dia. mas de dia, bem no centro, que é que tinha? um sol umas vespas a pedra quente. nunca ninguém me ajudava e eu não era destra direito.

e também de que a primeira percepção que tive do mundo como as que tenho cotidianamente era a de me esquecer do que ia fazer. isso bem no meio. deixava o quarto ou saia do jardim (todas as minhas memórias de infância são na casa?) e tinha que ir até outro lugar. no meio, esquecia-me.

no geral notava-me o esquecimento, ou era essa dispersão alegre de mil coisas. um dia percebi que se percebesse e voltasse ao lugar da onde havia saído, no meio do caminho, ou no lugar retornada, me lembraria do impulso que havia me levado pro outro lugar. poderia recuperá-lo, fazer. desde então vivo de trechos e de contornos assim.

Mensagem

Ter é tardar.

(Pessoa, Fernando.)

leia também:

25.11.08

suposições

1.

Se pelo menos tivesse nascido mais velho. Podia ao menos, com o pé em cima da máquina exclamar: sou o cavaleiro do aspirador de pó. Isso com a tolha vermelha nas costas. E os ossos magrinhos no raio-x. Mas, vênus em fúrias, essa mulher sem cabeça pra vida. Fantasiava. Tinha uma herdada do irmão mais velho, de astronauta, que a mãe só lhe deixava usar pra lavar louça. Era a compensação de não ser menino. Nem sabia porque queria isso. Mas veio de tão antes que sumiu. Foi bem antes de você aparecer. Foi na época que sumiu bem antes de ser alguma coisa mais além do que uma mulher. Foi só quando você apareceu que comecei a me sentir sozinha. Não consigo visitar ninguém.

2.

Cheguei da fazenda pensando. E esse pensar, se ficasse no pensar, era uma coisa. Mas quem não tem destino e pensa, desdobra a existência nesse pensar. Pensei: um problema de existência carece então de teorização. Fui aos homens. Estou indo com eles ainda, não digo muito mais. Fui cair na teoria dos homens, mas discordo de tudo ou plasmo sem sinceridade. Poeta também não tem mais. A única coisa que me interessa é ficar vendo me devolverem as coisas.

3.

São fictícios os números dos títulos.
O mundo dos homens assim me recebe a convicção.

4.
Se pelo menos tivesse nascido mais velho.
Caia maduro da mãe.

5.

Sim, avistarei. A ti também. Avistará.
O que me intriga não é de vermos, continuemos, corredores.
A dúvida feroz está no fazer o amor.
Enquanto isso tento arranjar alguém em mim que cuide de ti aqui.

6.

Se pelo menos tivesse nascido mais velho.
Mas nasceu morto. Caçula que era.
Um abortado: menininho já era?
Ou ainda somente uma porção de treva de carne?


7.
AMOR:

lago

só nadei na superfície
o fundo do lago ficou lá

eu precise voltar
ao lago

lago

tem uma pedra do lago
no bolso do meu jardim

esférica

não diz nada

- -
fica decretado que
esse blogue assim volta a ser um blogue

de inéditos inesperados e confusos
textos

que é assim que eu gosto
fico olhando minha máquina de escrever como se estivesse de férias. ela foi viajar sem mim mas está aqui na minha frente. não ouve e ouve. gilberto gil em londres. pale blue eyes, after hours, i'm waiting for my man. smiths.

agora sofro que tenho que fazer mil coisas e só consigo olhar para uma foto de clarice. antes tinha uma perto de mim. agora são três. nem gosto tanto dela. tem algo que não entendo.

contando do fim de semana:

vi um lago dormindo
nadei na manhã do lago

afundei
o lago

os dedos
no lodo

está tudo
em dois
tempos


disse
agora gruda um dedo
agora não sofre mais

24.11.08

amor

você faz da ausência
um arte do retorno

21.11.08

amor

você tem que entender:
eu sou a doença.

20.11.08

amor

como os cegos em Lisboa
esse sapo só aparece para mim

19.11.08

amor

deseja salvar as alterações em amor?

sim não cancelar

18.11.08

amor

17.11.08

amor

ontem chorei por causa de um passarinho. às vezes acontece da vida entrar pela janela uma história da clarice. um passarinho do tamanho do meu polegar entrou entre as abas da janela e caiu no fosso em que elas se guardam. ficou preso lá dentro. às vezes suas asinhas batiam fazendo schuif schuif schuif. se eu abrisse a janela completamente o mataria esmagado. demorei a entender que ele era tão pequeno e que chorar não adiantava-nos nada. perguntava-me assim: o que tenho eu a ver com a vida desse passarinho que veio cair na minha janela por inexperiência? me respondia, tenho tudo a ver com ele e nada dele me diz respeito. mas é a vida, né, então fiz de tudo. bambus, varetas, lanternas, cestinhas, farelos de bolacha para mantê-lo vivo. deixei-o até muito quieto. não havia como abrir o fosso da janela sozinha. precisava de mão de obra especializada. hoje de manhã vieram salvá-lo, o pedreiro que já havia consertado essa janela uma vez pra mim. ele abriu e eu peguei o passarinho na mão. apavorado. vôou. estou só agora, sem o passarinho.

amor

decido não tomar mais medidas dos cômodos
vou me mostrando como as palavras não encostam nas coisas
e as coisas estão livres

tão livres que só o ar

quando eu era pequena achava
que não se devia tomar banho nos dias de chuva
que era uma redundância.

você quer que eu pare com esse papo de amor?

16.11.08

15.11.08

amor

querendo comprar uma quinta e uns patos
ficar vendo os patos e dá-los de comer aos filhos

13.11.08

amor

por mais que tentasse, não conseguiria.
o amor não consegue destruir nada.

9.11.08

amor

tenho medo que as palavras
se percam na mandíbula

mordo cadernos

8.11.08

amor

Queria que tua mão me guiasse no escuro do mundo.
Mas tua presença me aclara.
Fiquei confusa.

trocando em miúdos

Liberação.
O sudoeste é favorável.
Quando não resta nada a que se deva ir, o regresso traz a boa fortuna.
Se ainda há algo a que se deva ir, apressar-se traz boa fortuna.

Esta é uma época em que as tensões e as complicações começam a ceder. Em tais períodos é necessário retornar o quanto antes às condições normais _ este é o significado do sudoeste. Tais épocas de mudança repentina são muito importantes. Assim como a chuva provoca um alívio nas tensões atmosféricas e faz com que todos os brotos se entreabram, assim também o período da liberação traz um alívio ao que estava sendo oprimido, e um estímulo à vida. Mas uma coisa é muito importante: nessas épocas não se deve levar o triunfo a extremos. É conveniente não se procurar avançar mais do que o necessário. A boa fortuna aqui consiste em voltar à normalidade da vida assim que se alcança a liberação. Caso ainda restem resíduos por eliminar, é recomendável providenciá-lo o mais rapidamente possível, para que tudo seja esclarecido e encerrado sem demora.

7.11.08

anexo Madrid I

----- Original Message -----
From: "Jose " <>
To: "Júlia" <>
Sent: Wednesday, November 05, 2008 9:16 PM
Subject: Musica y otras maravillas

Magnifico video ese de cayetano veloso...excelente...gracias. Hola Juliah, como te dije estoy en guatemala visitando a la familia, pero sobre todo a Tikal, la ciudad maya precolombina del periodo clasico que siempre quise conocer...estoy a la orilla del lago peten itza, en un hotel de trasnochado romanticismo. En cuanto regrese a Londres te escribire como debeser. Ahora solo te adelanto que tambien estoy ocupad con una entrevista virtual que le hice a Sergio Ramirez, escritor y expresidente de Nicaragua durante la revolucion sandinista...es un buen tipo y la entrevista salio bien. Sera publica en la revista virtual enla cual escribo.Te enviare la direccion web en su momento.
Gracias por escribirme y no nos perdamos.
A ratos no entiendo bien tu portugues pero es mi torpeza...
te recuerda mucho y con mayor carino cada vez,
el trotamundo jose....

5.11.08

i think i need a new heart

tenho deixado para ir ao supermercado de manhã cedo, quando lá só há velhazinhas demorando nas filas. fico olhando as corcundas delas. mas, antes, no caminho, havia um fiorino parado na esquina, todo encarnado de amarelo e vermelho e verde: morangos. e em cima do reclame escrito bem grande: EU CREIO EM DEUS!

pensei, será que seria mais fácil se eu também num deus me apegasse?
depois pensei no meu método auto-destrutivo preferido: puxa vida, será que posso amar uma pessoa se não sei nem se ela acredita em deus ou não? tratando amar e deus como se fossem questões superficiais. só então notei que não que não posso garantir que nenhum dos meus ex-namorados acredite ou não em deus e que mesmo meus pais, quem saberá? porque a gente tende a acreditar que é todo mundo ateu & com uma vida sexualmente ativa. ou que no brasil é tudo sincrético & descabido.

mas por fim, que catzo alguém que crê em deus com segurança precisa escrever isso em cima dos morangos?

- -sei lá
justo eu dizendo isso, que preciso escrever coisas como: anda me faltando lucidez e sobrando corpo.

tudo posso naquele que me fortalece
(outra frase enigma para vocês)

alegria, alegria




suéter-rolê laranja

4.11.08

strike a poet

tiro fotos da minha casa até acreditar que ela é uma cidade
sigo abraçando cadeiras entre o olhar imperativo dos gatos
à mão que afaga esta solidão a materialidade dos discos ajuda
no colegial me chamavam de menina de outra época
meu pai dizia que minha avó era uma mulher antiga
isso resume pra mim toda a arte contemporânea
de repente ganharam o medo de dizer coração
é preciso paciência e a sensibilidade de um peixe

devem me ver como um dragão rasante, os miados
num abraço a gatinha tem fome e cheiro de ser vivo
pela primeira vez em um mês deixo a sala
é mais fácil o mar abrir em dois do que inter-
romper o trânsito é por isso lembro não saio na rua
meio-dia sou o Torquato de colar de contas descendo
as delícias de aves nas mãos o cabelo imundo no sol
de quase dezembro uma mãe me olha saindo pelo corredor

até o portãozinho de aço range com a filha pra escola
a mala de rodinhas, vergonha não é a palavra
finalmente, virei artista os dedos sujos de tinta branca
e o uniforme azul-marinho de dias embora a seda
tenha rasgado só consigo desafinar o coro dos contentes
me alimentar de drogas pra me manter escrevendo,
acordada e cansada e insuficiente, essa melodia
o texto ao fim e não reviso it's friday I'm in love

3.11.08

cacete novembro!

1.11.08

Madrid - Parte 2

Eu fui a Madrid uma outra vez, com meus pais. Foi na época do meu aniversário de 7 anos, ou seja, bem no começo de 1991. Também estava vindo de Portugal, de Marvão, e antes ainda, da Serra da Estrela, onde tinha visto neve e, mais, comido a neve num ímpeto de ter as coisas pelo estômago. Tenho sonhos às vezes com aquele dia, eu usava uma bota de pêlo amarela, um casaco cor de rosa pink e umas orelhas-tiaras daquelas de pelúcia, cinza-coala.

Quando eu tinha uns dez anos pegaram os posters que havíamos comprado naquela viagem e resolveram emoldurar. Eu tinha escolhido um recorte de um rosto de cavalo num fundo negro, e tal imagem foi parar no meu quarto de paredes cor-de-rosa. Durante anos tive na minha cabeça que del Prado era uma cidade espanhola, da onde tinha vindo aquele poster. Na oitava série, quando minha professora de história de nome italiano escreveu Guernica na lousa e nos mostrou a imagem foi como se começasse a tocar um rolo de filme sempre com a mesma foto. Nesse reconhecimento havia algo de orgulho. Foi na época que comecei a me interessar por histórias de guerras, disputas e lutas num geral. Plutão que transitava o meio-do-céu? Ficava com os pés para cima na parede amarela, meu quarto era novo, o de frente da casa, do mesmo tamanho do quarto dos meus pais. Fumava marlboros que roubava do meu pai, ouvindo os Caetanos de dentro do armário descobertos, olhando o busto do cavalão e vivendo todo o senso histórico que alguém de quinze anos pode sentir. E meu quarto a todo momento se tomava por cinco, seis amigos (como cabia tanta gente?), alguém me disse que achava feio meu poster, querendo dizer bruto. E o Duda, sempre interessado nos desenhos, dizia que a língua dele parecia uma lâmpada, uma lança. Uma noite deitados na rede da sua casa, onde hoje não se pode pisar porque a varanda está ruindo, combinamos que estaríamos em Londres dali quarenta anos, abrindo arquivos nunca abertos sobre a 2a. Guerra. Durante anos li e assisti tudo que me apareceu na frente sobre o assunto.

Bem, voltando ao Prado onde estávamos, meu amigo me re-encontrou na frente de um Goya mais ameno. Eu disse a ele tengo ganas de mirar Guernica. E perguntei a mulher que vigiava a sala onde estava o tal Picasso? E ela, ligeiramente troçando do meu turismo barato, disse:

-En el Reína Sofía,

Mas como? E o meu poster? Museo del Prado, está escrito. E era segunda e o Reína Sofía estava fechado. Ah, como a vida é toda feita de desenganos, desencontros, atrasos. Nos perdemos dentro do museu procurando o guarda-volumes. Meu amigo fez uma dancinha de deslizar pelo meio de um dos corredores e carinhosamente entendi do estereótipo o que era a felicidade com que ele havia exclamado na noite anterior somos latino-americanos. Pensei se eu, mimética do jeito que sou, depois de viver vinte anos na Europa como ele (na Alemanha e na Inglaterra, note-se) saberia manter tal festividade clara ao alcance dos meus passos.

Era mais de meio-dia quando deixamos o Prado. Na calle me falou mal das regras de atravessar a rua dos alemães e me convidou para almoçar num restaurante perto da Puerta del Sol, onde havia comido no dia anterior. Eu estava cansada de comer qualquer bobagem, mas não tinha dinheiro. Fui clara, disse que não tinha. Me perguntou se eu já havia comido paella, eu nunca em Espanha! e fomos. No caminho ele parava a cada quarteirão pra perguntar a alguém se estávamos no caminho certo. Descobrimos aí que tínhamos o mesmo signo, capricórnio, e ele me cumprimentou com uma das mãos. Pensei se isso era algo de se parabenizar. Ele me disse do sonho que sempre teve de viver em Paris. Contei para ele sobre as livrarias de Buenos Aires, todas em castellano e as ruas com algo de Paris. Animadíssimo, me disse que seu livro preferido era Rayuela. E que seu avô era boxeador e poeta. Eu disse só faltava ouvir Chet Baker.

A paella estava grassa, pero buena. E, entre convites do garçom (!) para sair com ele numa festa de noite, juro por tudo, naquele almoço ouvi a história mais impressionante que alguém já me contou da própria vida.
 

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