31.1.09

conclusão

Ana Cristina escreveu
Te apresento a mulher mais discreta
do mundo: essa que não tem nenhum segredo
deitada para um céu estrelado
a garganta aberta para cima
repetiu-se duas vezes sorrindo
Te apresento a mulher mais discreta
do mundo: essa que não tem nenhum segredo
Ana Cristina riu. Feliz, era Ana Cristina.

29.1.09

2008

janeiro

na ilhota maré baixa dou um grito pelo celular. minha mãe tenta cuidar de mim. tento isolar minha mãe de mim. escrevo a raiva valentine e bob dylan gritando contra a maré baixa. um caranguejo embaixo da minha cama. um rato cai por cima de mim uma noite. esse lugar é tão bonito que só pode ser o inferno. na chuva que me retira do quente encontro-me "silencio tudo aquilo que do meu coração não parte". ando ando. tenho muito medo de voltar no escuro da noite sem lua. nado nado.

fevereiro

escrevo que é uma maravilha. quem me toca toca quem não toca eu na toca. tudo calmo. gosto do corpo do homem do gato da casa do verão da cidade do adeus.

março

abril

maio

planejamentos de viagem. escrita do romance, a história do antonio como uma cela de se prender trepadeiras com jasmins. gosto demais disso. gosto mais.

junho

abandono o país.


dezembro

a única coisa que me interessa é ir ver o mar.

28.1.09

ode completa

espécie de ninféia oceânica
que se alastra pelo trópico
é a manteiga-das-metafísicas

27.1.09

amor

e qual é o sopro
em tudo o que está
que não vou deixar
nem o meu amor
esmagar?

26.1.09

II. (agora que sou sincera.)

dormindo sonhei que alguma coisa ia dar certo. sonhei que eu ganhava dinheiro pelo meu trabalho e ficava muito contente de poder pagar as contas atrasadas. além disso eu saia pela porta da frente do meu prédio e o sol se punha na linha do horizonte. não tinha os duzentos-e-noventa prédios que tapam tal visão. no mais, eu quero um cavalo e um navio, pra ser feliz.



I. (agora que sou sincera.)

ontem às 4h da manhã estava escrevendo cartas e conversando sobre diários e a ladeira-abaixo-que-anda-o-flickr, a ilana me mostrou isso aqui. depois de ver e calar, com uma vontade fatal de tomar outro café e comer chantilly, com a certeza de que em algum lugar da cidade haveria um balcão aberto servindo ambas as coisas, pensei que era um pouco caprichosa demais em sair com um táxi pra comer chantilly sozinha e não-grávida e disse a ela que ia tentar dormir, porque, como acordar tem sido que só lembro dos negativos, tenho evitado cada vez mais a hora do sono.

eu fazia muito isso quando era criança, dizia que tinha medo de dormir, assim como nunca saia no jardim quando era noite de lua cheia, por medo de que ela tombasse sobre as cabeças. meu pai me contava a história da Odisséia, longa história que nunca acabará e me ensinava relaxamentos, ele mesmo, que só dorme 5 horas por noite com seus ombros duros. e hoje me pergunto: o medo que me lançava, será que era por isso? será que era não pelo dormir e o apagar, mas por essa sensação de que acordar é sonhar e dormir é descrer? e que, portanto, o sono me entrega a uma re-atualização constante na hora de acordar?

estava pensando nisso já na cama. o som dos ônibus que começam a circular na rua me acalma. posso me concentrar em algo que não seja o silêncio do domingo para a segunda. deixo o otávio paz de lado, apago o abajour itinerante (é o único que funciona e vai comigo para o cômodo em que estou) e resolvo dormir. minha cabeça dispara. textos textos textos. homens homens homens. de repente vejo, realmente, um homem de costas e todo de branco acendendo uma vela sobre a cômoda da minha sala. levanto apavorada. quando chego na sala percebo que a cômoda não está no mesmo lugar que na imagem que vi. tento me lembrar se ela já esteve em outro lugar. se alguma vez algum homem todo de branco já esteve aqui. me sento no sofá. espero o dia clarear. então volto a cama e consigo dormir.

e algum veneno anti-monotonia

isso aqui anda uma mentira. estou mesmo escondendo o jogo. eu não tenho ninguém. lembro-me do dia que larguei a análise. tenho sonhado muito com as escolas que estudei. fui para tua casa e chorei. era pra ser uma proposta de entendimento e ele entendeu tanto. colocou a mão no meu rosto, cada gesto. e foi cada um prum lado. sábado passado vi duas árvores dançando de um jeito o corpo-tronco delas que éramos nos dois. nas folhagens. desde então voltei a abrir o vento pelas janelas. no drama ela diz arrasto todos os móveis da casa. não lembro mais. curtos impulsos. acredita em mim.

24.1.09

amor

tu tu tu tu tu tu tu tu tu
tu tu tu tu tu tu tu tu tu
tu tu tu tu tu
tu tu tu tu tu
tu tu tu tu tu tu tu tu tu
tuututututututututututuuuuuuuuu

21.1.09

25 anos

este aniversário ganhei bons presentes por todos os lados
estou muito feliz com todos eles e muito agradeço para todos pelos:

caderno rosa, as canetas gostosas (e o lápis de oncinha de pelúcia), o poema da página cortada, um disco com guia de texto escrito especialmente pra mim de "como aprender a gostar de beach boys", outras músicas muitas, um ramo de arruda, um poema meu composto em música, um pé de pimenta, um celular, um gravador de fitas cassete, um colar-terço rosa-queimado, herberto helder, aquarela, horizonte, kundera, g. stein, lobo antunes, e. jünger, um pão e um bolo de banana e um disco grego e um oráculo de origami, um vaso para flores portátil, flores e muitas flores, uma bandeja de cozinha, um cheque; tudo muito bom, tudo muito bem, tudo muito sensível a pessoa que tenho sido,

agora, se alguém ainda não me deu nada e está pensando nisso, o que eu quero mesmo é isso aqui

19.1.09

um pedaço para não partir

em Amsterdam um dia em julho segui um rapaz mais novo durante horas. por ser atrás, lembro mais da mochila dele do que do rosto. sei que era moreno, não-alto, cabelos lisos, magro e tinha os ombros daqueles que se encontram para o centro do peito. agora, a mochila era uma eastpack, ou jansport, azul-marinho, como a camiseta. essas coincidências que a vida nos dá -para quem está atento, disse-me uma vez um josé miguel- três dos homens que amei usavam uma mochila dessas e dessa cor. ele não foi um quarto.

a solidão me encantou como se eu fosse a fumaça do cigarro que às vezes ele acendia e me carregava pela trilha a leveza com que andava, me colocando um ritmo de humildade fora do espaço da desbravadora num país tão estrangeiro como é a Holanda. Eu não podia falar com ele. era o desconhecimento que me encaminhava. e não queria mais nada de nós dois que não fosse esse amor dilatado por se deixar ir. e como explicar que ele fez o mesmo caminho por muito tempo? andava em círculos! expressão precária. na quarta vez em frente a uma loja de chocolates, entrei. imagino que se tivesse esperado quinze minutos, ele por ali re-apareceria. mas o chocolate negro ali foi o melhor da minha vida e mudei de rumo?

não. cravada com os olhos na nuca, e ele nunca olha para trás, mas todas as vezes que me faço ver, ele me vê. perto das tulipas, ele me viu diretamente. embora tenha a garantia de que não percebeu a perseguição, confesso que seus olhos tinham sustos comigo.

pois, na verdade, eu ainda o sigo.
e ainda tenho certeza de que a língua que lhe era mais natural, era o português.

- -

falando em Holanda
e esses conhecidos
todo mundo lendo a Angélica, vamos

17.1.09

amor

faz muito tempo que tenho perto
da minha casa escrita

a palavra "airplane"

foi só essa semana que fui lá
ao lado e escrevi "duração",

12.1.09

25 anos

*

(os diálogos)

Mandaram-me fazer um electro-encefalograma para ver como ia o meu ritmo alfa. Eles tinham desconfianças, falavam de estados crepusculares. Divertido. Não havia estados crepusculares, o ritmo alfa estava óptimo. E cumprimentavam-me muito. "A sua cabeça é sólida." Bem, eu tinha uma cabeça sólida. Era uma coisa alegre. Encontrei-me algumas vezes ainda com o psicanalista. Nessa altura ele interessava-se particularmente pelo Apocalipse. Falávamos durante horas sobre a besta com a grande prostituta escarlate assentada entre os cornos, sobre os cavalos, os sete candelabros e os terríficos gafanhotos de rosto humano e cabelos longos como os das mulheres. Eu saía do consultório fervendo de inspiração. Escrevi enormes poemas apocalípticos e o psicanalista pôs-se a examiná-los. Foi um bom tempo. Mas eu tinha uma cabeça sólida, um belo ritmo alfa. Então, com a minha sólida cabeça, comecei a pensar na morte. Estudei os melhores venenos em livros da especialidade, as mais subtis combinações de drogas e, com receitas que arranjava entre os médicos amigos, organizei uma boa colecção. Gosto da palavra suicídio. A freqüência dos is como golpes, as duas sibilantes e a última consoante, malignamente dental, fascinam-me. Mas bastava-me o prestígio da palavra e o jogo de coleccionar comprimidos mortais. Como alegria, imaginei alguma coisa: Uma cidade marítima com torres brancas, espancada pela luz, e navios que saíam das águas vibrantes para todas as partes. Havia uma árvore sumptuosamente inocente no meio da cidade. Na primavera cobria-se de espinhos e dava flores monstruosas cor de púrpura. As mães não deixavam as crianças brincar perto da árvore. Durante dias e dias a luz espancava a cidade. Nada havia a fazer com as minhas metamorfoses interiores. Vagueava pelas ruas e entrava em todos os bares. Os bêbados formam uma maçonaria. Andávamos pela cidade à procura uns dos outros, bebíamos no meio de inextricáveis conversas. Um deles disse-me que eu tinha um espírito religioso. Gostei, ficámos amigos, passámos a beber juntos falando do espírito religioso. "Também sou um espírito essencialmente religioso", disse-me ele uma noite, quando já nos movíamos como batráquios num pântano de cerveja. E eu confessei que minha juventude fora uma viagem violenta e fulminante através de medos e alegrias brutais. "Estive no meio do escuro, não podia dormir. Ou tremia apenas do júbilo de ter um corpo, uma voz, de viver entre luz e chuva e grandes nuvens sobre os campos." O costume. Comecei a estar farto. Enfim, uma pessoa não se embebeda somente para as miúdas perversões da memória, para a obliquidade de invenções avulsas, a trivialidade dos equívocos da emoção. Chateia-me ser um pequeno monstro sensível. "Merda", disse eu, "tenho uma cabeça sólida. Não me vou deixar apanhar por tentações biográficas, a memória, os mitos que as culturas, marginais ou não, parecem querer que eu adopte. Não sou um símbolo da imaginação alheia." "Bebe", respondeu o amigo. "Não bebo mais, estou farto, vou-me embora para um lugar onde ninguém me mexa nem eu me possa mexer muito, estou cansado de me mexer." Depois apareceram as pessoas que ajudam, que têm planos para a nossa glória. Comecei a ter medo. Então fiz a mala. "Merda, merda, merda", sibilava baixinho. Esta é realmente a minha embaraçosa chegada a maturidade. Não serve para espetáculo, nem dá nada como exemplo ou símbolo. Tenho de inventar a minha vida verdadeira.


Herberto Helder, Photomaton & Vox

- - -

8.1.09

holograma

alguém está armando comigo é como se dos prédios vizinhos me iluminasse com um espelhinho de blush fazendo reflexo entre meus olhos. será o amor? será o que ser. de repente percebo é o vento que ilumina meu rosto levanta uma preto e branco, clarice no mural mal amurada e é por isso que a luz em vez de amarela vem prateada

amor

mas não adivinhei se a tua letra é sempre como está no caderno
porém, não era pra dizer isso! é que eu não sinto mais
essa luta de romper assim não agora eu sinto mesmo
é como se escrever fosse um pássaro que voando no mato
se desviasse por dentro das árvores

4.1.09

reveillon ou poética

my love
will turn
you on

sei que posso ser salsugem na margem de outro
ou rabugem em mim que isso lá é mentira de poeta
então estalo os dedos, por favor, anjo surdo
traga-me outra fumaça
dê-me outra maneira
de adivinhação, fúria e máscara
quem sabe pintura, esgrima
carruagem ou esquadro
ou tipo um tipo de tirar
palavras num amigo-secreto
quem perder primeiro o dadá-
me a roupa que me ganha
num estouro de borbulhante
de primeiro o ano beba, babe
na boca, mergulho no mar
feito um gargalo de garrafa se
abrindo o peito enquanto engulo
toda a sua vaga, enamorado.

3.1.09

a ilha




tarantino used to love
 

Free Blog Counter