lendo o "noticiário da realidade" percebo que não há descanso: a cidade está submersa, os escanfandristas afogaram-se petrificados em sentinelas roncando o sono dos mil anos. estou sentada na prateleira, faiscando o silêncio de mim o barulho que vem da rua aumenta. ainda não são os homens jogando as cartilhas fora, nem o som do seu carro chegando para me enternecer. estarei esfumaçada, a delirar? como num consolo, levo minha mão a cabeça, enquanto noto o ombro descolando da parede e as costas voltam a ser minhas. respiro, guardo o ar quando a água encontra meus pés. encolho os tornozelos procurando o ângulo para de dentro do aquário molhar-nos aos poucos, espalhando a água pelo corpo, meu bem, o corpo de fogueira, o rio nos envolvendo, o mar está em toda a parte. a partir de então só correríamos da falta de sertão.
(estamos próximos da virada do ano, o tempo se expande. eliot conta da serragem nas cascas de ostras. acumulando fuligem, salsugem. saudades do marulho quando era só estrondo de mar?)
esfriou com a chuva desses dias, vou pegar o casaco verde que ganhei de natal.
e que surpresa! dentro do armário encontrei-me aquela apodrecendo. da minha boca saem peixes, estou cheia deles, sou os peixes transbordando. resolvo pelo anzol goela abaixo, é muito o esforço, muito. até que da pescaria arranco um imenso tablado de tecido que, bem disposto, encobre a malha fina de asfalto da cidade inteira. "oito milhões deixaram são paulo em direção ao litoral brasileiro, quatro milhões em direção ao interior e dois ao exterior do país." agora de longe se vê a terra extensa onde os urubus passeiam a tarde toda entre os girassóis, uns bois vêem os homens que entram pelos arcos do rose-garden e retiram o pó das rose-leaves.
exausta, no início da noite chego em casa depois de olhar os rebanhos. é verão, me espreguiço na varanda próxima da rede, observando toda a extensão do meu latifúndio, com a atenção de buscar com os olhos o som das mariposas na calha.
31.12.06
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Um comentário:
sim! o tempo respiiiiira. e se é o mar que nos cerca, nademos no seco - deslizar da queda d'água na macia fazenda que vestiste a cidade (a teus pés, nosso segredo). ou melhor: sair da água, criar pulmões, evoluir?
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