27.2.08

Porque eu não tinha onde, mas precisava me agarrar, é que fiquei abraçando minhas pernas, de cócoras, apertando com força para que o sangue da ferida saísse com mais consistência e a ardência devolvida aos olhos não me parecesse de raspão. Sentado no fundo do terreno onde ninguém ia, abraçando a mim mesmo em cima do resto de uma grama que nunca reparavam, destruída por animais, pelo tempo e pela desatenção que a selvageria agradece.

Na pulsação do sangue nas palmas, ainda posso ver o homem que serei quando chegar na velhice, enfim cansado do barro misturado com o sangue da minha mão. Eu olhava fixamente para os tênis encardidos, com a atenção que me obrigava o ardor. Quantas vezes, sem saber para onde ir, repeti esse gesto? Ver os desenhos das minhas digitais bem de perto, meu envelhecimento, mãos tão perfeitas que podem até cortar o vento e tão precárias para permanecerem no tempo. Quantas vezes mais, vou olhar os pés imóveis e quando é preciso andar, andar olhando os meus próprios pés? Porque levantar a cabeça poderá me tragar imediatamente para esse momento em que estou no fundo do terreno e sou obrigado a olhar a casa enorme, as luzes se acendendo contra a escuridão da chuva que vem vindo, onde ainda vão me dizer durante uma década coma, beba, durma, estude e seque bem os pés. As frieiras intoleráveis aos corações prontos para viver. Os corações adultos que tapam aos olhos do coração a curiosidade de mexer na pele até perder a pele, desmistificar a ferida, retirar a casca todo dia. E lá de longe, a parte debaixo da varanda parecia menor, muito vazia, muito distante.

(antonio a caminho)

25.2.08

killing me softly

como diz adoniran barbosa,
"quem sabe de mim é o meu violão"
Herberto Helder começa um poema com o verso: "Quando já não sei pensar no alto de irrespiráveis irrespiráveis"; é importante esperar pelo dia sem hesitação. Esperar sem esperança, como diz o Eliot. É importante acalmar a palavra com um gracejo, que não seja por demais irônico nem too much meditativo. Acalmá-la como quem puxa uma cadeira para a palavra se sentar e esperar. Sobretudo as palavras precisam aprender a esperar.

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Os grandes poemas são compostos em Marte. E a esperança de alcançá-los não me diverte. Alguma coisa me diz que está guardado em mim o segredo astrofísico que desaprendi na memória da escola. Se for mentira, se não estou louca, o que é isto?

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São morangos pisados neste tabuleiro, meu bem, para que a alegria dos rapazes escorregue, pra ver se apanho pelo menos um. Poesia, eu te tentava pela mão, e você, não, dormia, ou fugia pelo espaço, numa lenta decomposição. Os quadrados dos tampos de xadrez se soltam para baixo, líqüidos desaparecem, por quais teus homens correm a solta, Carlos, João, Murilo, vão pisando num apagar, as palavras em que vacilo.

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Não. Não se trata de medo da louca prosa giratória. O poema, feito uma deusa, se transfigurará de mito para outro estágio avançado pela solidão. Desde criança que sou muda. Mesmo nos sonhos não escuto minha voz. Há quantos anos não grito? Eu, que sempre só ousei berrar perto do mar abafando. Um belo diário é como um soluço, não serve para muita coisa, mas o corpo precisa dele. Não vou encadernar este talento. Agora somos nós, Valentine, are you smart?

16.2.08

"
Someone recounts the story that in reply to a query from Hofmann why he did not work more from nature Jackson Pollock is said to have replied:
-I'm nature."

2.2.08

caixa-preta

31.12.7

"O último dia do ano não é o último dia do tempo": "Todo fim de ano é tudo que já está no ar.". Ainda não apareceram em mim muitos compromissos eufóricos com a noite de reveillon. A taxa de saudosismo também está baixa e o futuro é uma entidade calma, sentada sempre na janela ao meu lado direito. Como num vagão de três passageiros, eu no meio, escurescendo a esquerda vai o passado, mais fechado. Não devo nada nem a um nem a outro, no entanto, tranço em cada um meu braço como dado. Às vezes me aflige estar muito alto no céu sobrevoando, outras não peço para olhar para não ver o mar, porque sei que o barco afunda quando eu enjoar.

mas ah! que naufrague! os despojos na praia também serão lindos.

ah! esse ano de doismilesete! só não direi que - - - - - - - - porque não direi nada.
é isso mesmo que vou fazer, não vou dizer nada.

1.1.8

Às vezes aparecem homens que andam sobre as águas.
Um dia serei daquela tipografia de mulher-marfim que parou de respirar e agora só vive debaixo d'água.

Mas tanta coisa ainda me assedia com desconversa,

7.1.8

da raiva descobrir a alegria.
e o que eu não sei mais. tristeza e sal.
alguma coisa, acre valentine, que me comove em nossa capacidade íntima de estar (entrar e sair) do subterrâneo e a ele voltar.

12.1.8

deus te livre, leitor, de uma idéia fixa.

19.1.8

escrever alguma coisa. bem, estamos no trópico. as bananas e as mangas sobre a mesa, minha blusa listada de sair por aí e os protetores solares que dispomos sobre o corpo e que depois voltam num baile infinito para cima da mesa. conheço seus limites, valentine, já de olhos fechados; dispomos também de um corpo inteiro fechado para transcendências místicas. estamos em torno da verdade, da qual já nascemos docemente distantes. é isso. virei de madeira. ainda não adquiri saberes de rocha. nem sei se [---]

o centauro de madeira tomou corpo e consciência e saiu vigoroso e leve, a andar. toda articulada.
aí há consistência. sem dúvida um estado de crise.

(a noite)

estou em cinco lugares ao mesmo tempo. pensava na europa. a europa assim seria só mais uma grande ilha. não. estou cansada de me parecer com as pessoas. cansada de me adaptar aos hábitos locais. não. um janeiro difícil, esse. não.

20.1.8

nos dias em que não há colheita
e todos os mercados de trocas estão fechados
se faz necessário sair à caça
deixar a intimidade sombreada deste quarto
e achar nuns sentimentos da rua uns modos novos
dentro da crise dançar
dançar sem agitação

ao voltar para casa
esqueceu tão bem escondidos
seus melhores mantimentos
a comida que resta há dias em cima da mesa por cozinhar
porque a fome que sentes é outra
fome de anjo que extermina dor e dúvida
o caderno em que evitas dar o nome de diário
porque temes os nomes que alcançam ou não atingem o grau de batismo.

26.1.8

silencio tudo aquilo que do meu coração não parte.

27.1.8

do lado de lá havia chamas e eu vivia no mundo proibida de dormir xxx pra que não ouvissem xxx podia apenas cantar quando chovia xxx e a água doce pelo meio dos seios das minhas pernas xxx não mais cacos de vidro por sobre a cabeça xxx e todos os poemas que me esperavam sem entrave xxx desde que pus os pés nessa ilha xxx e porque não estava frio e a chuva me diluía xxx em algum lugar da minha terra xxx o incêndio que se apagava xxx botava submerso todo assunto que me valia.

29.1.8

o que dança na visão do enforcado? dias limpos para trás e os homens fortes que me sorriem na memória ganham de mim (quem diria?) um sorriso de retribuição para além de reprodução. olho-me no espelho até colocar os cabelos bem arrepiados, numa figura que me lembra homens inteligentes e soltos que me divertem no corpo de mulher, e meu pai me chama assim de gomes cardim, porque há dias se elegeu maestro schiafarelli, tal a rua da minha cidade, são paulo das neves. acertamos cabeças de siris com amendoas que caem dos chapéus de sol na areia da praia. o moleque matou dois sem-querer. corre o rumor de que sou uma poeta sem poemas; uma escritora sem histórias. me ofendo só para poder justificar o meu orgulho. o pior de mim: orgulho amarelo mostarda.
e como subtrair o racalque? e se a perda for contínua? e se contar não é? quando você totaliza, você está no mito.

perguntam se eu penso essas coisas pela minha história de vida ou por alguma história que eu esteja escrevendo. -pergunto pra mim.

e o vinho abaixa minha rotação. valentine que tornou a ser sweet, comic, valentine, meu coração vagabundo, os franceses que dias atrás nos viram trabalhando na praia ficaram ligeiramente entre comovidos e encantados com uma aparição da cultura ocidental at baíá. achei simpático. ou será que foi o narcisismo terciário?
 

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