29.6.08

amsterdam
me encontro nos acentos novamente
faz um sol lindo
as orquídeas dos restaurantes chineses são brasileiras
nessa cidade, a mais interessante que já vi
e só faz dez horas que estou aqui
clarezas repentinas e o fim da doença,
todo primeiro dia em uma nova cidade vai ser assim?
devolver à terra o sal da terra,
ao chão, vivendo
uma desterritorialização diária e nela, o corpo limpo de tantos combates depois da gripe
e choro
- -
no ônibus para cá fiz um amigo indiano,
menino de tudo, franzino, de 20 anos, com cara de 16, com um inglês de pronúncia confusíssima, hinduísta, morando por 3 meses no norte da frança. depois de umas duas horas de conversa ele me perguntou o que eu vinha fazer em amsterdam e eu, meio desconversando de uma pergunta tão radical (ando me desviando de perguntas radicais quando elas são falsas), respondi ah, van gogh museum, etc, foi ele quem falou em grass and weed, e eu, interessada em perguntar pra ele sobre as castas (que ele me disse que não vigoram na realidade atual e que money, etc), mudei de assunto entrando em outro exotismo, contei a ele que "mushrooms in the cow's poo, you know, you have a lot of cows in india, don't you?", no meu inglês menos capenga que o escrito, e ele ficou surpresíssimo dizendo que não sabia que são alucinógenos e quando eu disse, mas as vacas são sagradas, não são?, ele me respondeu "Yes! but we drink the milk!", e eu pensei, que o diga a merda delas, mas não disse, a tudo tenho respeito, e nesta globalização, espero ter instaurado um novo nível de experiência meditativa na Índia central,

28.6.08

queria te dizer do tempo
contar sem essa gripe que me pegou no ultimo dia no porto e nenhum lamento
porque as coisas tem um ritmo, os acontecimentos me levam a rimar,
sem querer

gostei muito do porto
passei dias muito felizes e noites mais ainda
depois que fui na festa na linda casa da cristina, de quem adoro as fotos e toda gentileza, e depois todos os amigos que vieram dela, o porto virou outros caminhos

e depois de alguns dias comparando brasil e portugal, desci ontem a noite no aeroporto de bruxelas, logo no metro me jogaram um engradado de bebida nos pes, me xingando numa lingua estrangeirissima, e fui cair nessa europa aqui, cheia de falas e ruas de outros tons

quando estava saindo do brasil meu pai me disse muitas vezes: "cuidado com a europa, ela 'e uma velha que esta morta". aqui tenho a impressao de que a europa nasceu morta.

nao vou ficar mais que hoje aqui na belgica para ter tempo ou nao de confirmar esta impressao um tanto ruim, ou talvez seja s'o finalmente uma terra estrangeira mesmo, esses teclados risipidos e sem acentos, e de manha uma vontade de valentine, que me espera dentro de um armario, protegida na casa dos meus pais,

aproveitei que estava uma chuva fina e fria (e eu espirrando por bruxelas) e fui ver o peter bruegel no musee des beaux-arts, onde estava acontecendo tambem uma exposicao do museu britanico, e eu, que tendo a me incomodar com os museus, gostei tanto de uma tela e de outra do chagall, e de alguns fauvistas, que chorei com cenas de outros tempos mortos,

chorar os mortos.

e depois fui ao cinema, numa galeria chiquissima onde se vendem chocolates e luvas de couro, perto da grand-place, que o guia recomendava "uma das mais belas do mundo" e onde havia pos-adolescentes bebados e fantasiados brincando de confundir turistas encabulados. e, no cinema havia cortinas escondendo a tela, e quando ela se abriu uma publicidade bilingue me fez rir congestionada e, no meio dos trailers, se acenderam as luzes e comecou a tocar bob dylan para uma senhora de bengala entrar e se sentar:

you know something is happening
but you don't know what it is

e depois comecou o filme, do vittorio de sicca, casamento a italiana, com o mastroianni e a sofia loren, e foi uma coisa!, com as legendas em frances e flamengo e a fala em italiano, fiquei trafegando entre uma coisa e outra, ate me esquecer das linguas e me ater as imagens, ao roteiro clarissimo e a interpretacao dos atores, claro. e eu entendi, sempre numa fronteira entre o me deixar levar,

amanha atravesso outra fronteira e vou para amsterdam.

- - -

al berto:

Mas nao te demores mais. Se quiseres, antes de seguires viagem, ensino-te os nomes dos animais. E se me deres a tua mao, queimar-te-ei os dedos, exactamente como queimaram os meus. Depois, poderas partir por essa linha litoral tracada pelo fogo sobre a pele.

e

-E se nos calassemos enquanto a memoria se esvazia. Esta tudo por acontecer. Mesmo o sono, se vier, tera um peso de lume, um sabor a terras mortas e areias salgadas. Nao sei... esta tudo ainda por acontecer.

- - --
finalmente de uma terra estrangeira a outra terra estrangeira, eu que sempre estive no comboio de tr'as, pouco a pouco, ouvindo os fluidos se deslocando no canal do meu ouvido, a olhar meus fios de cabelo crescendo dentro da xicara de cha, e a estes olhos presos na categoria de fundo, percebendo que tanta coisa pode ser diferente num simples gesto ou falta dele, porque que esta materia 'e limpa, limpissima,

talvez um dia eu saiba conseguir dar essa alegria que esse mundo precisa.

22.6.08

estou do lado de lá do oceano com a impressão de que faz meses e foram só três dias
não entendo como ninguém em mim ainda diz: «saudades» nestas aspas tão especiais
- -
o porto
segunda-feira, que é amanhã, começa a festa de são joão, que é realmente mesmo na terça, e vendem manjericos em vasos -folhas menores que dos manjericões conhecidos- que parecem bonsais gordinhos. não se pode cheirá-los, uma portuguesa quase me deu um tapa quando o fiz e jogou o vaso inteiro fora no lixo à frente. mas como não cheirá-los um bocadinho de tão deliciosos? no aeroporto revistaram minhas bagagens, mas complicado mesmo foi para uma portuguesa que trazia um pé de salsa em um vaso dentro de uma mala, enrolado num edredon a dizer «meu senhor eu não sabia que era cá proibido»
tenho a impressão de que os gajos usam menos palavras para dizer o mesmo que nós, somos mais prolixos e não comemos sílabas,
e que se descontrolam muito com os brasileiros, nunca vi gente tão grossa - num taxi que pegamos por causa da minha vó descansar, para andar só um trechinho de carro e, como era o rush, pedimos para parar logo ali e o moço (eles odeiam serem chamados de moço) não abriu a porta e dizia «agora então podes andar, agora podes» - pequenos nas coisas pequenas, mas outros tão efusivos em contar e explicar, são carinhosos
e parece que agora começo a entender o que é o tal do homem cordial brasileiro
aqui, em termos de restaurantes, ruas, lojas de roupas, perto de são paulo, me parece uma pequena-piracicaba, botucatueí, em ruelas tortas e construções de ouro preto mais recentes
o que muito me alivia, porque me parece que a vida poderia me parecer ainda mais estreita, numa cidade como essa a beira'mar
mas em termos de livros e discos! ah, quanta poesia se edita aqui!, mas livros são caros -discos nem tanto -
mas voltando ao assunto, parece que entendo um sei lá o que sobre o brasil que antes não entendia
e quando vejo os ingleses e os franceses no pequeno-almoço penso que poderia ser pior
os franceses a olhar as coisas como se nada tivessem com isso e os ingleses como sardinhas dentro de uma lata, ignorantes do seu invólucro
um outro me explicou que chamam os carros de lata e pandeiro (porque se bate) mas que lata também pode ser um amontoado de gente
amanhã começa o são joão, dizem que a cidade toda enlouquece, que passam alho no nariz das pessoas e dão marteladas à cabeça dos passantes,
veremos,
contaram-me também que algumas décadas atrás, na festa de são joão subiam todos à ponte feita pelo eiffel (sim, o da torre) que é enorme e corre altíssima sobre o rio douro, antes de nela passar o métro, e os engenheiros soltavam algumas das cordas da ponte e o povo ficava lá a balançaire para um lado e outro a ponte,
isso sim que é medieval!
até,

18.6.08

(havia um texto aqui que agora está em repouso mental aqui)
- - -

o sonho mais bonito que já tive foi ontem:

estou chegando para visitar desconhecidos no colégio onde estudei a alta adolescência. como sempre, vindo da rodovia raposo tavares, vou entrando no estacionamento a pé. mas dessa vez começa a subir água salgada pelos meus tornozelos, vejo que os carros atrás de mim estão praticamente cobertos e umas árvores na minha frente, plantadas em canteiros, ficam mais bonitas com a aparência de charco e percebo que estou no fundo do mar, e que a borda de saída é a entrada do estabelecimento escolar. vou andando com a água pelos joelhos, estou vestida mas minha roupa não se molha. é verão.

chegando quase onde acaba o mar vejo uma criança de menos de dois anos, sentada na margem de costas para mim, concentrada, brincando de chapinhar a água entre os pequenos dedos. agora parece o guarujá. tem uma cabeça grande, a criança. me viro de frente pra ela só para lhe mostrar um sorriso de nos entendemos quando percebo que sou eu aquela criança, ou melhor, sou eu quando criança brincando na água e eu hoje, meio adulta, me vendo a brincar. a criança que sou eu me sorri e eu meio adulta devolvo o sorriso para ela. mas vem uma onda mais forte, entra no ouvido dela (nosso?), ela se assusta e começa a chorar. me sento na água com a criança que fui, me pego no colo e, protegendo a mim mesma, arrumando meu cabelo no cocuruto, começo a mostrar pra criança a aguazinha boa-e-má, brinco com as mãozinhas n'água e ela, que sou eu criança, sentada no colo de mim mesma, sem ter o que temer, me volta com um sorriso.

- - -
baibai brésil, fui

15.6.08



14.6.08

feito fogos de artíficio, se desintegrando pelo ar, assim eu evitaria o poema e é assim que ele se dá.

começo a escrever qualquer coisa para alguém que não tem destino
digo: pode acreditar, agora eu sou vilão.

- -
toda vez que me levanto são minhas pernas que se dobram sobre os olhos
tenho vontade de colar a parede do meu peito e ventre nas coisas, homens e objetos,
feito um animal que se pendura numa árvore, numa mãe,
mas caio ausente no meu caminho
e me vejo para sempre confinada a este corpo
e digo para os outros: nunca verei através dos seus olhos
e penso: a ficção me permitirá?

- - - -

me deixo recados para o futuro, como alguém que deixa o objeto necessário no caminho que fará na manhã seguinte. pensei muito longe, eu estava na praia: "estou cansada de me parecer com as pessoas" e encontro isso mais tarde, ontem ao voltar da rua, pendurado na cortina da sala e viro um sorriso como basta pensar uma coisa e esquecê-la do melhor modo para que ela retorne e finalmente seja. "colhe as flores, gosta delas e esquece-as", isso é drummond ou pessoa?

e quantos poemas perdi por não anotá-los? mas não me importa, tenho que confiar: a memória como uma corrente sangüínea, que hora ou outra não nos trai.

mas e se a poesia é um território para o impasse, para o embate,
de tempos em tempos algum lado -alguém - tem que vencer um pouco? sair da indeterminação, dizer?

que seja alguém que escolhe pela vida. e logo se volta ao embate novamente. e se esquece.

- - -
já não sei mais se é só ansiedade ou se é só angústia.

- - -
7 de Diciembre de 1952
Mi soledad maúlla. La tapo con promesas vagas. Mentir, sí.Algún día encontrarás este diario y será antiguo, algún día verán mis fotos y se reirán de la moda actual. El vanguardismo será clasisismo y otros jóvenes reveldes se reirán de él. Pero... ¿es posible soportar esto? Quiero morir. Tengo miedo de entrar al pasado. Pienso en alguna mujer de mi edad de hace un siglo. ¿Qué hacía cuando estaba angustiada? ¿Qué?

- alejandra pizarnik, no site

que descobri nesse blogue a partir das traduções

Tua voz

Emboscado em minha escritura
cantas em meu poema.
Refém de tua doce voz
petrificada em minha memória.
Pássaro preso à tua fuga.
Ar tatuado por um ausente.
Relógio que bate comigo
para que nunca desperte


Tu voz

Emboscado en mi escritura
cantas em mi poema
Rehén de tu dulce voz
petrificada en mi memoria.
Pajáro asido a tu fuga.
Aire tatuado por un ausente.
Reloj que late conmigo
para que nunca despierte.

13.6.08

quadro de avisos

estou tão ansiosa com a viagem que é daqui uma semana que vou comer uns quilos de farinha pra ver se me soterro um pouco.

é estranha, essa ansiedade sem angústia.

- -
ele fala que sou tipo olívia armando sales penteado, fazendo jantares, fazendo as malas, fazendo endereços,
mesmo com o sex appeal todo da coisa, os vestidos e as jóias de família, me pareço entender que na verdade é um desfazer-se, esse rumo.

é claro que vou visitar museus, tentar entender pessoas pelos gestos e designs de ônibus. mas não pelo acúmulo, mas pela perspectiva de uma outra, de uma coisa de outro.

- -
não se é um clichê quando se reinvinta a todo momento?

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sei que estarei na internet todas as quartas, para escrever no sete linhas.

cartas devem ser remetidas ao e-mail que você dispõe em algum lugar.

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a partir de uma conversa ontem, fiquei com vontade de ouvir cazuza. acredito desde ontem que o cazuza era O cara.

uma época em que se escancarava? e ele que se jogava todo. não esse tédio, sério: té-dio que a gente vive nesse país hoje em dia. alguém me fala? por que ninguém fala? estamos todos posando para o futuro do nosso passado, para um futuro esquálido, nervoso e frio, numa fotografia de alta definição que ninguém vê, anos depois perdida num hd? alguém peloamormemostra alguma coisa?

- - -
enquanto isso a gente fuma um com a turma de seis no arpoador
o sol tão lindo

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acho que, se tudo for como imagino, esse blogue terá mais cara de diário do que nunca.

até,

9.6.08

da arte de ser um personagem

na sexta gregor samsa acordou metamorfoseado em mrs. dalloway e saiu pra comprar as flores. no sábado fui dormir sabendo que não sou o kurt cobain sendo encontrado ao amanhecer em gramados úmidos entre árvores altas. ontem acordei sendo um cowboy, ou sei lá, o indiana jones caçando moscas com a língua, prazeres alimentícios, laço firme e passo forte. e hoje, como acordei com dor de garganta, imagino que seja eu mesma.

5.6.08



2.6.08

Fazia frio em São Paulo, Ana, nevava e, entre pessoas que falavam de você, seus retratos. Sempre linda e eu não conseguia passar da segunda linha.

Falava de você um namorado, ou ex-, te digo, ainda um apaixonado, você fantasma, se é que me confundo e ele já era gago antes de você se jogar da janela. E olhando pra ele e me perguntando: era bonito? Será que era bonito quando você o conheceu? Você via, ele dizia que você o sacudia, você sabia tão mais, tanta inteligência descolocada e você se atraia por tentar a poesia de dentro daquela dificuldade e implodia com ele.

Dos dias de hoje conto que sucesso para os ácaros, essa profusão de poetas ,Ana. Na tela do computador ainda há ácaros Ana. Você não teve tempo de conhecer o Microsoft Word, Ana. Você iria gostar, Ana? Conheces alguém que não gosta? E quem gosta de fazer sucesso para ácaros?

De resto eram mulheres falando de você e as que não te conheceram diziam com cuidado em dizer que não era a mulherzinha no confessionário histérico, a sua beldade toda era cenário e a outra, tua professora, dizendo de um jeito quanto te amavas, que te amas e que a ela você não engana, querida. Te amamos também, se era isso que você queria.


Na manhã seguinte acordei finalmente sem usar o passado no lugar do presente como se falasse de um futuro. É de noite, estou em São Paulo, amanhã seria teu aniversário de 58 anos. Mudança drástica no. 2 : abandonar o discurso.

Você era uma idiota, Ana.
se encanta que posso escrever ainda pior

1.6.08

imagina que existe um fundo
e quanto mais alto nele
um fora

que seja esta piscina que seja

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os meninos competiam em lançar longe
botaram fogo no lixo da casa noturna
percorre caminhos fatigados onde eufóricos pisaram

- - - -
todos os planetas do sistema solar têm o movimento de rotação sobre o seu próprio eixo? porque eu vi em algum lugar (nada muito recomendável bibliograficamente, talvez um anúncio de um documentário de televisão) que a Terra gira em torno de si porque sei lá quantos zilhões de anos atrás um meteoro bateu feito uma bola de sinuca numa quina qualquer do nosso planeta e o movimento começou.

mas será que, se for isso mesmo, o planeta não começará a diminuir de velocidade? pra quem não sabe (eu não sabia, claro) a Terra leva 23 horas 56 minutos 4 segundos e 9 centésimos para girar os 360 graus.

- - -
bem, isso não me importa. mas é tão interessante.
quando era pequena, ela deve lembrar, eu queria ser cientista. gostava mesmo era de insetos e tubos de ensaio. bem depois vieram os domingos.

- - - -

conversando sobre o meteoro bem louco com um amigo enquanto olhávamos para o capim do sítio, eu delimitando que se dia e noite vieram indissociáveis graças ao meteoro, foi uma massa voadora pelo espaço que criou em base todas as nossas questões (a começar por nós mesmos) em um choque. e ele todo feliz e anti-eu: "mas, escuta, se metade do mundo fosse escuro e a outra metade fosse claro, você moraria em qual lado?" e eu "taí, você tem uma boa pergunta. não sei e você?" e ele "ah, acho que eu ia viver na fronteira." cheers!
 

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