30.12.06

retrospectiva

foi a época em que não se tirava mais o mofo do guarda-roupas. estava seco, semi-cerrado. olhava para o areal desse computador ruídoso comendo com as mãos essa farinha sem sal. apareceram médicos com grande aparelhagem para me recomendaram primeiro o sono; tentei o hábito, mas quando a insônia mandou, me propuseram as caminhadas; com as pernas pesando, obrigaram-me a morar para dentro do armário. ficava olhando a pesada porta da frente, azul e aristocrática, que de madrugada tomava um aspecto imenso crescendo dentro das minhas pálpebras apertadas. os anos, os meses foram atravessando o peso moldando minhas costas de caixa. estávamos a sós e não sabiamos, eu, a terra deglutida e os ombros de pedra, mas como não havia nada que se agarrasse em nós, se saissemos do cubo, arderiamos debaixo da cama da outra. ou viajando num banco de ônibus dos passageiros duvidariamos: há coisas do mundo que não são eu?

(muita coisa aconteceu sem pausa)

descobriram no quênia novas constelações nunca avistadas, que começaram a ser nomeadas. conheci, assim, os nomes de dois amores. foram dados os nomes. foram estudados os nomes. foram alardeadas as faltas de nomes. há e não há.

os meses foram entrando, os dias um a um sempre tão diferentes, como se cada fosse todo. a tranqüilidade começou a gostar dos dias. primeiro noto os contornos das minhas mãos se separando da madeira, a direita toca a superfície da maçaneta azul e noto as palavras voltando. os nomes se recriam em sentido e rima. esse som vem de lá até mim? da onde vem? começo a me perguntar: será chuva que ouço vir de mim? gota gota, como se de água o peixe se alimentasse, enquanto aos homens se devolve o ar. com meu traço de fidelidade à raça dos rituais jogo-me ao fogo

(estamos próximos da virada do ano, o tempo se contraí. penso na morte, não haverá tempo, tempo haverá? onde estão as peças do mundo em pedaços de desconhecido?) .

Nenhum comentário:

 

Free Blog Counter