31.10.08

Madrid - parte I

Nunca senti tanta angústia como em Madrid. Não logo quando cheguei, vindo de Cáceres e antes ainda, de Marvão, não. Sentia uma alegria tremenda com as cores das roupas espanholas e de ouvir uma língua estrangeira, en Lavapiés um homem berrou da janela, num robe de seda laranja:

-Víctôôr! Víctôôôr! - eu estava em um Almodóvar e mucho me gustan todos los Pedros.

O Victor apareceu correndo com um poodlezinho branco no colo. Jantei um iogurte, liguei para o Brasil com um cartão que comprei no mesmo chinês. Do lado daqui ouvi dizer que a minha voz estava boa, solta. Fui para o albergue, ainda não tinha visto o quarto. As camas eram tão da altura do chão que se aparecesse uma barata. Não me preocupo com isso. Deitei embaixo da janela, uns 30 graus às 23h. Não davam o lençol de cima na diária. As estrelas piscavam. Uma menina da Colômbia escrevia no laptop sobre variações lingüísticas para um congresso no dia seguinte. A datilografia me acordava. Levantei pra rua. Noventa por cento dos prédios desço pela escada.

Quase no segundo andar, alguém me ultrapassa pela escada e diz:

-mira, tu sapatillas,
-no, son los sapatos, son las pantalonas,
-Éres madrileña?
-yo? con mi portuñol?
-portuñol, que eso?
-soy de Brasil
-brasileña?!? yo soy latino-americano!
puxavidaencontreiummala e continou
-soy de Guatemala! que hacés para vivir?
-hm, yo terminé la graduación en letras,
-jura?!? yo soy escritor

- -
Num sumo de manga naquela noite descobri que no mesmo prédio do albergue havia o hotel em que estava hospedado, cobrando por um quarto de solteiro dez euros a mais do que o sujo albergue em que eu me encontrava.

A partir disso, Madrid foi a mesma. De manhã nos encontrávamos no hall, brioches no café, e íamos para algum museu. Depois do almoço voltávamos, eu delicamente explicava que necessitava de ficar sozinha por algum tempo e na hora do jantar saíamos juntos novamente. Fazia uma semana que ele tinha vindo de Londres, pra comprar livros em castellano e eu havia acabado de chegar, mas minha intimidade com mapas e sistemas de transporte (estratégias de ocupar o pensamento em geometrias de uma cultura alheia) fazia com que eu nos guiasse pela cidade desconhecida.

No Prado me contou que não gostava de Almodóvar e que havia sido expulso com um tapa do colégio interno na Guatemala, tendo até que mudar de cidade para poder estudar. Um cristo de El Greco lhe fez lembrar isso. A escola era católica, claro, e o menino de quatorze anos estava virando comunista. Isso no fim dos 60, acho. Las meninas cheio de japoneses na frente me fez fazer um discurso contra essa coisa toda de museu, vamos derrubar as prateleiras, as estantes. Meio intrigado ele sorriu. Enquanto andávamos atrás de um Bosch se contou um leitor de Hauser. Estávamos na ante-sala do Goya e eu disse "nunca me impressionou, este, não sei o que tanto vêem nele" e caímos nas suas Pinturas Negras. El cabrón. Eu comecei a chorar. Foi uma coisa impressionante. Ele, percebendo, me deixou sozinha e foi ao banheiro.

there's nothing you can show me from behind the wall

hoje de manhã a porta do quarto batia e batia de leve com o vento, numa mesma rajada eu abria os olhos e pensava: algo como uma intenção leve, não me lembro, sintetizava o desejo no universo, mas eu estava dormindo.

estou tão distante de mim que não consigo controlar o que escrevo, ou o impulso virou finalmente um andar?

encontro uma forma,
daí começo a destruir a forma.
a luz negra dos teus olhos,
o apocalispe do pétroleo de cada um.
I leaned on the wall
and the wall leaned away.

desde que voltou a calmaria
tenho medo de arremeter.

algum amigo me olha com aquela cara de que estou transformando o bom em ruim mais uma vez. deve ser saturno. mas eu explico: é ótimo viver como um ser solar. mas cuidado, o sol pode queimar, isso quem me disse foi meu amigo guatemalteco en madrid, jose, que nasceu cinco dias e vinte e seis anos antes do que eu. disseram que eu me preocupo com idades, não, eu só as noto.

30.10.08

o último capítulo

quem vai matar ana cristina?

pro dia nascer feliz

quando presa ao ar de vidro
em vigília minha insistência desistiu
você volta num ponto da penumbra
e me pede pra que abra novamente
pétala a pétala, em favor do dia
se o mundo fosse um estabelecimento
havia de pesar com destreza na planilha
portas sanfonadas que emperram
os ferros da dor no sangue de ontem
mas pelo teu modo de contagiar os descontentes
ouço: vim pra dizer que o dia te seja calmo
e não precises retirar prazer das coisas.
em dúvida, me recoloco a escrever
porque um fardo a gente deixa aflorar
depois te falo: silencio tudo aquilo
que do meu coração não parte.

29.10.08

acabou produto

bem, agora tenho um outro blogue, pra assuntos que me pareceram descabidos neste confuso e livre aqui. mais oficial do que nosso estimado cubo de noite, o novo já está funcionando como uma central de reclames, anúncios de projetos, processos, estimas, e por uma módica quantia do seu interesse, publicaremos notas fúnebres também,

enquanto isso este samba continua igual, assim,
ad infinitum,

- -

24.10.08

Sexta-feira, Dezembro 13, 2002 ::
"(...)Tranformar-se no profissional destas conversações? Desejar apenas que aqueles que foram atingidos não se afundem demais? Fazer subscrições e números especiais? Ou então irmos nós mesmos provar um pouco, sermos um pouco alcoólatras, um pouco loucos, um pouco suicidas, um pouco guerrilheiros, apenas o bastante para aumentar a fissura, mas não para aprofundá-la irremediavelmente? Para onde quer que nos voltemos, tudo parece triste. Em verdade, como ficar na superfície sem permanecer à margem? Como salvar-se, salvando a superfície e toda a organização de superfície, inclusive a linguagem e a vida? Como atingir esta política, esta guerrilha completa? (...)"
Gilles Deleuze
ontem no corredor o professor me disse
sai dessa cidade enquanto é tempo

me vira de ponta cabeça
me faz de gato e sapato
no ato
me enche de amor

daí eu aqui dançandinho a letra
toca meu telemóvel,

boa taRde o senhor francisco pedro pedreira

eu:
sim,
sou eu.

adeus,
fui conquistar a rapariga do telemarketing

- - -

22.10.08

sem título e bastante breve

tenho o olhar preso aos ângulos escuros da casa
tento descobrir um cruzar de linhas misteriosas, e com elas quero construir um templo em forma de ilha
ou de mãos disponíveis para o amor

na verdade, estou derrubado
sobre a mesa de fórmica suja duma taberna verde, não sei onde
procuro as aves recolhidas na tontura da noite
embriagado entrelaço os dedos
possuo os insectos duros como unhas dilacerando
os rostos brancos das casas abandonadas, à beira-mar

dizem, que ao possuir tudo isto
poderia ter sido um homem feliz, que tem por defeito interrogar-se acerca das melancolias das mãos
esta memória-lâmina incansável

um cigarro
outro cigarro vai certamente acalmar-me
que sei eu sobre tempestades de sangue? e da água?
no fundo, só amo o lado escondido das ilhas

amanheço dolorosamente, escrevo aquilo que posso
estou imóvel, a luz atravessa-me um sismo
hoje, vou correr à velocidade da minha solidão

al berto,
de sacanagem comigo.

17.10.08

neil young



eu tava lá, oeiras, me despedindo do jorge,
que era bonito mas usava aliança
já tinha desistido de que ele voltassse
e esse foi o bis do dinossauro
só que de frente
;)
essa noite faltava a parte de trás do coche que estávamos. você dirigia eu ia ao lado feito motoneta. os bancos eram decorados com papéis de oncinhas, cata-ventos azuis e barquinhos de marinheiro menino. por baixo deles esfregava minha mão, tecido grosso. era bem de noite e vínhamos por uma estrada de sítio, só os faróis pra iluminar o caminho. começou a chover muito. a marcinha nos esperava. e a metade arrancada do fundo aberta continuou. de repente uma baleia passou andando. eu vi pelo retrovisor. depois a água entrou pelos vidros, molhou os papéis,
e mais nada.

16.10.08

cartilha da cura

gostava de dormir tarde quando a cidade acordava
falar de al berto cazuza reunir
chamar a cida, toda dizer:
augusto,
os homens sairam a trabalhar e eu a perder a hora dos correios nacionais
teu abraço do sinal que não abre fez uma temporada
tinha o charme de criar poemas
o assalto nas clínicas
o gato estático a olhar
a champagne tombando no chão da cozinha

depois, acordei com a faxineira, dormi nada
você quer jogar tudo pra cima
e eu tento deitar a areia desse deserto ao chão
logo fui ao google:
"casas para alugar são luís do maranhão centro histórico"
ofertas para evangélicos, o caso?
fico me vendo lá
com os focinhos na areia
escrevendo num quarto antigo antigo de uma casa antiga de azulejos
(prisão por prisão temos lisboa)
paredes descascando de verdade
quero um chapéu panamá
truman capote que
mergulha no atlântico do norte
fica saradinho

será?
meu amigo, vamos sofrer,
vamos beber, vamos ler a Rolha de ontem,
vamos dizer que a estética é ruim,
meu amigo, vamos esquecê-la como esquecemos a Seja também.

vamos fazer um poema
ou qualquer outra besteira,
evitar por exemplo uma estrela
por muito tempo, muito tempo
e dar um suspiro fundo
aiinferno são paulo
ou qualquer outra besteira.

vamos beber uísque, vamos? não gosto
beber cerveja preta e barata, detesto
beber, gritar e morrer, não quero
ou, quem sabe? beber, apenas, água

vamos fazer uma mulher,
dizer invertido: que difícil ser homem,
pra envenenar toda a paulista
com seus olhos e suas mãos
e o corpo bem mulherzinha
com um diário em mãos.

meu amigo, vamos xingar
o drummond e tudo que é dele
e que a gente vive apegado.

meu amigo, vamos cantar,
vamos mijar de mansinho o masp
e ouvir muita vitrola,
(hein?)
depois lúcidos vamos
bater a carteira dos assaltantes
(o olhar obsceno e a mão cheira-cola)
depois iludir e cair
e dormir.

15.10.08

i'll be seeing you

E essa é a razão por que
quando as pessoas se vão
(como em Alcântara)

apagam-se os sóis (os
potes, os fogões)
que delas recebiam o calor

ferreira gullar

- - -


Na última lua cheia eu estava em Lisboa. Agitada, fazendo usos, de noite queimei meu polegar com um isqueiro mal posicionado, criando uma bolha imensa que escondi com a mão no bolso na hora de passar pelo controle de imigração na manhã seguinte. Agora, se olho bem de perto ainda encontro essa ferida marcando o desenho das digitais.

Na lua cheia anterior, estava em Csopak, e fui com minha amiga Ana até a margem do Balaton tomar um copo de vinho branco tipicamente húngaro. Enquanto falávamos de como universidades e homens são iguais no mundo inteiro, eu reparei bem fundo e disse "como a lua é diferente aqui na Hungria, mais linda, mais escura" e ela assentiu com a cabeça, me olhando sempre com a cara de que ela carinhosamente dizia menina maluca. Na manhã seguinte, enquanto preparava uns ovos estrelados, ela me traduziu rindo o cigarro entre os dentes que o jornal falava de um eclipse que assistimos na noite.

Na cheia ainda de antes, estava em Lisboa também, mais exatamente na Praça da Figueira, e um amigo tentou me convencer a pegar um comboio para Sevilha na manhã seguinte. Não fomos, as promessas de uma língua castelhana se abrindo em touros para aquela lua me seduziram, mas não o bastante para partir. E eu havia combinado de estar em Lyon dias dali.

Ontem meu pai veio até a porta da minha casa e, apontando a lua cheia, disse que viu na televisão que em Marte eles têm um problema sério devido a falta de lua. Por não ter a força de atração que a Terra tem com o satélite, o tempo lá muda a cada instante, tempestades de areia quente seguidas de gelados, porque Marte não tem um eixo gravitacional e suas faces (uma circunferência tem faces?) se cambiam para o sol ou longe dele em instantes. Fiquei me vendo em Marte. Ele continuou dizendo que se não tívessemos lua os oceanos seriam sugados para fora da estratosfera. Eu disse que seria de todo modo um oceano no universo. Ele me deu o remédio que tinha vindo trazer, riu dizendo que iam traduzir hoje uma fala dele para o japonês que veio falar na Veterinária. E, meio assustado com a ironia de ser quem é, continuou: que a lua se afasta da Terra continuamente, e que parece que em 4 trilhões de anos a força de atração terá se desfeito e sabe-se-lá o que será. Acendeu um cigarro, bateu a porta do carro e foi embora. Meu pai tem muita cara de romano. Quando eu era pequena, como os gauleses, tinha medo das noites de lua cheia, achava que ela tombaria nas nossas cabeças. E acho que aprendi com ele a adorar dizer e afobar catástrofes que não poderemos ver.

uma palavra que falta

Num ano de acordo ortográfico, me parece importante constituir algum lugar de fala da língua portuguesa que reúna. Não sei se isso também te interessa. Sabemos bem, por necessidades reais mas ultrapassadas em tempos de Internet e independência consolidada, que a literatura brasileira se constituiu desde os românticos até os modernistas numa tentativa de abrasileiramento contra Portugal. Desde o projeto de "uma língua brasileira de literatura" presente no Alencar, passando pela antropofagia, o imperativo foi negativizar Portugal. Alguns tropicalistas até tentaram parodiá-los, mas sim, continuaram no registro do arremedo. É difícil sair desse registro. Temos preconceitos claros contra Portugal. Nos constituímos tanto por marcar as diferenças necessárias que agora não sabemos mais onde encontrar Portugal. O que fazemos? Rimos. O que mais se sabe fazer com são piadas. Assamos o Sardinha, passamos tanto tempo negando Portugal que agora nos são uns estranhos. Mas uns estranhos de família. Aqueles indesejados que vem para o Natal e duvidamos se neles se pode confiar, ao mesmo tempo que nos excitam com a surpresa. E, sim, é claro, falamos uma mesma língua, viva e cambiante, escusada de dizer que periférica, mas semelhante, completamente diversa e a mesma.

E, esse acordo ortográfico?, é claro que somos a favor de qualquer acordo com um outro que se respeita, mas em primeiro lugar, o acordo tenta esconder as diferenças , camuflá-las, num movimento bem politicamente correto e pouco lúcido. E, principalmente, se a intenção é aproximar as línguas portuguesas o que eliminar meia-dúzia de códigos ortográficos pode produzir de aproximação frente à décadas e décadas e décadas, quiçá séculos, de distâncias? Se querem nos aproximar tanto quanto eu gostaria que nos aproximassem, deveriam criar formas de acesso culturais, históricas, permanentes. Mas não, isso temos em comum desde tempos imemoriais, isso nos une: criar solução de tomar uma pequena medidazinha e gastar mais em dizer do que em fazer mesmo.

Temos de partida esse problema do nome da língua que os falantes do castelhano não tem. Podem dizer tanto na Argentina como no Peru ou na Espanha que falam uma língua sem vinculá-la ao nome de uma nação atual. Se calhar, um mexicano pode dizer “hablo castellano” sem que a memória ligue necessariamente o nome ao antigo reino de Castela. Para nós, no Brasil, em Angola, Cabo-Verde, etc, não temos uma solução sintética. Temos a solução dupla: “português do Brasil” ou “português brasileiro”, que continuam vinculando a língua em alguma nacionalidade específica. Mais, para um desavisado confuso, vincula a língua em duas nacionalidades. Nos falta uma palavra. Essa falta significa algum sintoma? De todo modo, não me sinto à vontade em dizer: sou a favor de uma língua portuguesa, portuguesa aqui como "castelhana", uma língua escrita em português que por conhecer as diferenças de seus vários usos expanda o uso lógico e vocabular, sintático e semântico, da mesma língua.

Ou seja: continuo lutando por um estilo.

13.10.08

oriente

se oriente, rapaz
pela constelação do cruzeiro do sul
se oriente, rapaz
pela constatação de que a aranha
vive do que tece
vê se não se esquece
pela simples razão
de que tudo merece
consideração

considere, rapaz
a possibilidade de ir pro Japão
num cargueiro do Lloyd lavando o porão
pela curiosidade de ver
onde o sol se esconde
vê se compreende
pela simples razão de que tudo depende
de determinação

determine, rapaz
onde vai ser seu curso de pós-graduação
se oriente, rapaz
pela rotação da Terra em torno do sol
sorridente, rapaz
pela continuidade do sonho de Adão

(gilberto gil, claramente)

12.10.08

9.10.08

exorcismos

Ana C:

O tempo fecha.
Sou fiel aos acontecimentos biográficos.
Mais do que fiel, oh, tão presa! Esses mosquitos
que não largam! Minhas saudades ensurdecidas
por cigarras! O que faço aqui no campo
declamando aos metros versos longos e sentidos?
Ah que estou sentida e portuguesa, e agora não
sou mais, veja, não sou mais severa e ríspida:
agora sou professional.


Foucault:

Esse tema da narrativa ou da escrita feitos para exorcizar a morte, nossa cultura o metamorfoseou; a escrita está atualmente ligada ao sacrifício, ao próprio sacrifício da vida; apagamento voluntário que não é para ser representado nos livros, pois ele é consumado na própria existência do escritor. A obra que tinha o dever de trazer a imortalidade recebeu agora o direito de matar, de ser assassina do autor. Vejam Flaubert, Proust, Kafka. Mas há outra coisa: essa relação da escrita com a morte também se manifesta no desaparecimento das características individuais do sujeito que escreve; através de todas as chicanas que ele estabelece entre ele e o que ele escreve, e o sujeito que escreve despista todos os signos da sua individualidade particular; a marca do escritor não é mais do que a singularidade da sua ausência; é preciso que ele faça o papel do morto no jogo da escrita. Tudo isso é conhecido;

- -
esse segundo trecho é para agradecer pela carona de ontem.
e combinado ao primeiro
para todos nós que ainda tentamos entender a ana
pela janela
- -

o primeiro é prum sítio
onde fecho os olhos as cigarras acumuladas
me parecem uma luz branca de cozinha
de escritório paulista
que se acendem todas juntas num zum zum
e o caetano me dizendo, mãos nas coxas, no sofá:

hoje não tem fernando pessoa!
se vocês em política forem como são em estética,
estamos feitos
eu vim aqui para explodir

esse caribe de merda, viu
nove graus na universidade
onze na heitor
tão de sacanagem
comigo.
5.
Como podemos florir
ao peso de tanta luz?


Eugénio de Andrade

5.10.08

pirataria já

- -

a cidade é uma manobra de erros
onde o condutor perdeu os dedos
umas deusas se suicidam
de uns bustos de mármore
naquela escadaria
vou te saquear todinho
aaah gritos a prataria
mamãe dê adeus a louçaria
e a mãozinha acenando

2.10.08

Passo a tarde montando nos meus hiatos. Encontro textos à máquina:

Por que a literatura brasileira atravessa uma fase de caretice? De algum modo, quando alguém se bota a escrever, é necessário pensar: quais são as margens desse quadrado chamado literatura nessa língua que cultura hoje? De algum modo, de novo, quando alguém escreve nossos padrões contemporâneos também são margeados (ou não), por uma série de valorizações, colocações, escolhas, que levam, por exemplo, a pensar: ele escreve: mas escreve como outro. Como Beckett seria melhor, mas ou o autor escreve aqui como - - paródia citação fagocitose soluço, etc -- Mas se são recursos, se falamos de recursos, na mesma medida que são controláveis os escritores repõem uma medida, centralizam novamente às margens, dão uma anestesia permanente no sujeito trancafiado em bares, convivendo com pessoas que na realidade detesta, mas que nem percebe!, afinal nem isso se pode sentir, já que, somos brasileiros e o mundo é norte-americano (por quanto tempo?), o que faz, afinal que respeitemos as diferenças. e, com elas, as adversidades. Mas essa literatura faz o quê? então? ameniza?

- -
Ao mesmo tempo que sabemos que o excesso de experimentação sempre pode revelar o negativo do arbitrário. O múltiplo do arbitrário. Quer dizer, o arbitrário como múltiplo exponencial. E cresce, cresce, cresce. Feito se tivessem colocado fermento no arbitrário.

E esse arbitrário em exponencial, de tanta consciência oriental de que você poderia ter nascido naquele besouro, como aquele besouro é você, o apagamento lógico de qualquer possibilidade de escolha. Isso, ao acúmulo do junk space. Isso. Ao excesso de publicidade. Isso, ao excesso de ofertas de sabonetes que me constrange, sabão em pó, produtos de higiene geral nos supermercados. Conteremos um dia todas as pragas se nem nós mesmos? Serão mesmo excessos? Ou o Largo da Batata. Vocês me desculpem, mas eu adoro o Largo da Batata.

- -

Escrevo num limiar muito concentrado em mim mesma. As linhas disso, só a antropofagia tropicalista nos une e toda mulher é uma sanguessuga qualquer. Dou muito em diários. Mas não sei quem vive meus diários. A grande experiência dessa escrita diária é que as linhas disso são menos regidas pelo que já está normalizado em literatura. Ainda somos modernos? Queremos a forma e a falta de forma. Queremos o in vitro e também o orgânico. Queremos sobretudo não falhar. Mas falhamos. Não precisa de mais ninguém pra dizer isso. Samuel Beckett já fez o bastante. Já? O bastante? Não me faça rir. Escritórios criam posições demais estupidificadas pra um corpo de gente. Ele, que vai descendo por todas as ruas. É sério. Eu não tenho escapatória de mim mesma. É preciso virar improvável. Mas o que é o literário? o falso? o deslocado? o fora de si? Dentro de oitenta anos estaremos todos mortos. No português não há palavras sintéticas para dizer o futuro.

slow show

há quinze poemas que leio para te mostrar
abertos na minha cara
sinto o cheiro dos livros percorrendo suas sardas

aperto os olhos muito até ver quadriculado
esquadrinhar que o amor só serve pra rasuras
mas se tocar o papel não se pode trocar de ser
outra mulher outro querer como escrever

agora era como se acordar fosse neblina
e a brisa fira uma promessa de que a noite teria te apagado
como as cinzas do último cigarro caídas na cama se perderam numa palma
quinze minutos para as seis notei que a bolha queimada no polegar
na Pensão Londres quinze dias atrás se desfez

vi na previsão
chove no Brasil inteiro
todo o tempo
por quinze anos daqui para diante

como se mostra, tudo é temporário.
eu quero um vulcão para nos proteger.
25 razões para o começo de outubro
  1. Quando eu chego em casa nada me consola
  2. Você está sempre aflita
  3. Lágrimas nos olhos, de cortar cebola
  4. Você é tão bonita
  5. Você traz a coca-cola eu tomo
  6. Você bota a mesa, eu como, eu como
  7. Eu como, eu como, eu como
  8. Você não está entendendo
  9. Quase nada do que eu digo
  10. Eu quero ir-me embora
  11. Eu quero é dar o fora
  12. E quero que você venha comigo
  13. E quero que você venha comigo
  14. Eu me sento, eu fumo, eu como, eu não aguento
  15. Você está tão curtida
  16. Eu quero tocar fogo neste apartamento
  17. Você não acredita
  18. Traz meu café com suita eu tomo
  19. Bota a sobremesa eu como, eu como
  20. Eu como, eu como, eu como
  21. Você tem que saber que eu quero correr mundo
  22. Correr perigo
  23. Eu quero é ir-me embora
  24. Eu quero dar o fora
  25. E quero que você venha comigo
 

Free Blog Counter