31.12.09

retrospectiva

quando eu for escritora, uma coisa que eu gostava de fazer, além de ganhar o Nobel, é escrever crônicas. é um gênero cabisbaixo, sabem vocês, cabe o maleável achar de velha, escreveria crônicas épicas, denunciando a política, e quando me cansasse com as bixigas d'água dos sobrinhos contaria como eu também um dia já acordei fumando droga e passei assim, semanas, até aprender a escrever, mas que não, escrever não é salvação nenhuma, a única salvação possível é a vida.

#

além de que um jornal poderia pagar por isso, bom seriam os dias temáticos. mas mantendo algum lirismo juvenil escreveria, por exemplo, no 31 de dezembro, pela habilitação do último dia do ano como um dia em si importante e não mais NUNCA MAIS um dia de véspera.

etc.

enquanto isso não acontece,



quem não dançar assim em 2010 tá com nada, não

#

passei o ano-novo de 2009 para 2010 em angra dos reis, era um baile de máscaras. teve show do latino (!) e, antes disso, a virada do ano. estava longe de todos meus conhecidos na contagem regressiva, fui pra perto de um cais, e, num impulso, no 3, 2, 1 FELIZ ANO-NOVO tirei a máscara que estava no meu rosto e foi como se tirasse um véu, de que 2009 poderia ser como quisesse. sempre é, afinal. chorei no gesto, também porque o poeta é um fingidor, porque cargas d'água tava eu tirando máscara?

daí no dia 4 escrevi isso

reveillon ou poética para um artista do fracasso

Sei que posso ser salsugem na margem de outro
ou rabugem em mim que isso lá é mentira de poeta
então estalo os dedos,
por favor, anjo surdo
traga-me outra fumaça
me dê outra maneira
de fúria, adivinhação e máscara
quem sabe pintura, esgrima?
carruagem ou esquadro
ou tipo um jogo de tirar palavras
num amigo-secreto
quem perder primeiro o dadáme
a roupa que me ganha
num estouro de borbulhante
de primeiro do ano beba, babe
na boca, mergulho no mar
feito um gargalo de garrafa
se abrindo o peito enquanto engulo
toda a sua vaga, enamorado.


#

splash!


daí teve meu aniversário, a gente adora símbalo, fez baile de máscaras!



isso dia 12.

ganhei os presentes mais legais, incluindo um lápis peludo de oncinha.

#

depois teve um ano todinho.

#

agora chega, tenho que ir comprar camarão pra moqueca de hoje à noite.

de 2010 tenho medo e vontade. um ano que por um lado é o dobro, e por outro, metade. deve ser bom.

pra todos nós, cheers! & amor que venga!

28.12.09

te dou

estive perto das ondas o dia todo
não sabia delas se voltava
a mim me partia
como um cavalo sitiada

escolhi, espero
tudo o que é vago
pra começar em aberto
um iate, ateliê, morango

pro ano que vem/ tudo, tudo quero.

cem sugestões para o inverno

sugar o sol
sardas, céu

27.12.09

sonhei que eu estava numa casa, com o meu pai, a gente entrava nela porque eu pensava que era a casa que aparecia em todos os meus sonhos e onde tinha um alçapão lá no alto do alto onde era o meu inconsciente e então daí eu morria de medo. a porta de entrada nem abria nem fechava direito, pegava no piso e fazia nhhhhaaaam. lá dentro tudo parecia ser de alguém que era um ninguém. as casas sem personalidades das pessoas, a minha, não. e tinham cachorros. todos os cachorros do mundo que eu já tive estavam morando lá dentro, como uma espécie de canil ou asilo, uns 15 cachorros. quantos cachorros eu tive desde que nasci? estavam todos lá. e eu ia entrando e subindo pela casa (sobrado, uns 4, 5 andares) reconhecendo que aquela casa era de alguém e que talvez eu não devesse estar lá, mas algo me impelia em acreditar que talvez eu encontrasse a chave, como naquele poema do Drummond "trouxeste a chave?" e ia subindo as escadas. meu pai bem me incentivava daquele jeito dele inseguro, que sabe também que não deveríamos lá estar, mas segura a negativa, ou se lança em por que não?, e quando chegamos lá no alto tinha uma vista linda, vista essa que sempre tem o meu inconsciente, é uma vista pros Jardins como se olhasse do Jockey Club e apagasse a Marginal Pinheiros. é um lugar que não sei se já vi, já estive, mas o sonho aumenta as formas. mas eu fechei a janela, não queria ver SP. então lá do alto ouvímos que alguém abriu a porta nhhaaaam, desci preocupada tentando falar, mas minha voz não saía. até que eu disse "com licença", dentro de mim eu não conseguia falar isso, daí disse "estamos aqui!" e minha voz saiu, enfim, rouca. a 2a coisa que eu disse foi "estou rouca" e ri falsamente, para quem estava ali, a cunhada da minha cunhada, alguém assim? que nem sei quem é, mas a gente sorri. daí percebi que era dela a obrigação de ir cuidar dos cachorros. sentei no sofá como se nada estivesse acontecendo (e nada estavva, mesmo) e usei a técnica dos que amam os bichos e os entendem e os usam, enfiei a cabeça na frô, a minha cachorra querida, enquanto ela me lambia e eu apertava a cabeça dela. como que pensando, ah cachorros sim sabem ser tontos. e disse pro meu pai "quando eu morar em Lisboa vou ter um cachorro", meu pai riu "sim, vai ter sim" e eu acordei, onde estou onde estou? em Lisboa, não tenho cachorro.

26.12.09

revendo a chuva me arrecordo



se a safra não atrapalhar meus planos



23.12.09

quando 2010 chegar

ele bate na porta
eu GRITO
ele abre a janela
eu fecho a CORTINA
ele rasga a cortina
eu beijo ele na BOCA!!!

22.12.09

tradução espontânea

não bate mais
a poesia, a droga, o amor
deve ser
deve ser o inverno
deve ser capricórnio
deve ser o fim
deve ser o fim

mentiram pra você
depois não tem começo
mentiram pra nós
depois não tem começo
mentiram pro jejum
depois não tem começo
mentiram pra minha barriga
depois não tem começo
oh yeah
mentiram pra mentira

baila, baila, baila
é quase janeiro
as coisas já não te atingem
as coisas já não
as coisas

caetano veloso ou arnaldo antunes já utilizaram essa forma de as coisas as coisas têm as coisas têm peso as coisas têm peso massa e volume

uma talvez júlia não tem nada com isso.



ou talvez entregar tanto
hoje de manhã quando acordei do trem
chorei chorei de amor
chorei chorei
até não ter dó de mim
semana passada dormi 4 horas por noite
todos os dias
todos os dias
até encontrar o reset das formas
e de ontem pra hoje das 20h às 9h
encontrei as formas tão arredondadas de prazer
a simples dormência de tudo
Lisboa é como o Caribe
gostar de você é como da luz
gostar é gostar não tem nada mais
nada menos
com você me sinto bem
oh you pretty things
vera me diz que amor é paciência e vice-versa
leio o wisnik o nancy
não quero ninguém
não quero ninguém
hoje não tem fernando pessoa
hoje tem TODO MUNDO

todo mundo a gente vai dar uma FESTA FESTA FESTA

duas três quatro FESTAS FESTAS FESTAS

eu ainda não sei em que festa vou porque estou em todas
eu sou a voz do universo, vocÊ ainda não percebeu?

faço assim: uuuuuuuuuuuu
e não estou no estrangeiro, ou no superior. estou no centro do liquidificador.

escrevo aqui só pra não ter que abrir o caderno. o caderno me deixa metafísica. daqui eu desbanco tudo, do alto desse blogue muro é você

muro é você que me lê e acha que sabe do que eu estou falando.

todo muro é cheio de propriedade.

vamos dançar a propriedade das coisas?

do lado de lá ficam os filósofos. do de cá os poetas pendurados em cachos de bananas.
eu estou no centro. eu não cedo o sentido. eu invento. eu não tenho nenhum compromisso com você nem com a tradição. mesmo a paranóia, eu larguei pra ela que ainda faz análise. mesmo a paranóia, veja bem, alucinação, MESMO A PARANÓIA é pro ano passado.

2010!!! o primeiro ano da década. o último ano da década. 2010. 2010.
metade prum lado e dobro pro outro! tou do lado dos dobros e das metades.

sou como uma camisa engomada.
um homem passou com a mesma camisa que você.
você me pergunta "ele era tão lindo como a camisa?"
"só a tua boca".
digo "alto."
digo ALTO.

ALTO.

meus padrões são des-educados. eu sei. cresci com um cacho de bananas e faço questão de lembrar que sou amável, amadora, amante, amiga, rasante.

sou um back.
back and forward.
nem vem que eu sou hetero. nem bem sou homem.
tou pra lá da negritude.
sou um talude.
que quer dizer talude?

n substantivo masculino
1 inclinação na superfície lateral de um aterro, de um muro ou de qualquer obra; rampa
2 terreno em declive; escarpa
3 Rubrica: construção.
posição de acomodação de um terreno após sua terraplenagem
4 Rubrica: artes gráficas.
m.q. rebarba ('espaço')
5 Rubrica: artes gráficas.
cada uma das minúsculas paredes laterais nas cavidades de um clichê de fotogravura
6 Rubrica: topografia.
grau de clivo em que se encontra um terreno, um monte etc.; rampa, escarpa


tu gostavas (?)
NÃO SEI USASR ESSA LÍNGUA ALGUÉM POR FAVOR ME CONCEDA UMA OUTRA


é como gostar da luz

sardas, boca, sugar
o sol.

15.12.09



faça por ele/ como se fosse por mim

13.12.09

tou na pós-

que a teoria não me endureça
que a teoria não me plasme muito
vamos de mãos dadas.

todos os minutos

(estou sempre desesperada de dúvida lá no fundo)

12.12.09

todo dia de madrugada na cama escrevo um poema
mas tão frio que está não consigo me levantar
a noite descarrilha a seqüência toda
de ontem só me lembro

você é um homem
ao qual nunca sobrevivi

sempre amanhece,

e que tinha uma imagem de pedras cristalinas que voassem como peras nuns ramos.

11.12.09

amor

9.12.09

navegar é preciso

procuro o nome do meu pai no google // googlo depois a minha mãe // quando ponho os dois juntos é quase nada // ... // se eu perdesse a memória e dependesse do google não descobria-os como um casal // percebo: de nada saberia deles juntos // reparo: muito menos saberia que se tratam dos meus pais!

portugal radical

estava eu no metro entraram duas professoras com um grupo de uns 16 alunos
os miúdos de 5 anos todos vestidos com calças azuis e agasalhos vermelhos
todos enfileirados de par em par sempre menino dando mão pra menina
sentaram-se cada 4 em duas cadeiras e é aquela festaria de criança né
todos calados quietinhos e mirando e o mundo uns riem de nada
outros prestam atenção e abrem a boca pro se calar profundo
um bando de malucos delícia crescendo pra todo lado



entra na outra ponta do vagão (que aqui é carruagem)
o cego da sanfona do metro (que aqui é acordeão)
em quem eu já pensava como toda uma instituição
(desconfio que o cego da sanfona tb tem um filho da sanfona só que não cego)

a professora então se põe a explicar o cego
o ceguinho a tocar a música e damos as moedinhas

pegou correndo a bolsa da outra professora
eu, que já havia cedido meu lugar pros miúdos
dei passagem ao cego no corredor
ele me disse muito obrigado

a outra com a bolsa uma moeda e disse pra criançada
agora a moedinha vai prali
e despejou no cofrinho de couro do ceguinho


o sorriso dos miúdos fascinados

tlim tlim.

8.12.09

02:57 eu: papai
taí?
papai
taí?
tava indo dormir te vi
aconteceu uma coisa engraçada comigo dia desses
02:59 eu tava aqui de repente me senti no brasil
me senti tremendamente no brasil, era fim de tarde
foi uma coisa impressionante
daí a música acabou
e era uma música argentina
trocou a música
e eu percebi q o q me fazia me sentir no brasil era a música
isso pq a música tinha gravado um bem te vi q se repetia
03:00 daí percebi q aqui não tem bem-te-vi
mas já são 3h da manhã aqui
eu vou dormir
03:01 beijos.
<3 saudades
ontem a gente foi na junta de freguesia ganhamos formulário carregamos telemóvel hiato íntimo fomos pra conferência que não existia depois existia depois tinha cadeira que pegar a luz azul era um lynch o guarda olhou assim O.O não vão ficar por que está cheio? daí vimos um carrão de velório e ficamos em dúvida se a redinha na janela era de verdade ou pintada (que era outro modo de ser verdade, só pensei agora) como se vê era de verdade veludão verde e o carro tinha uns trilhos fomos atrás do velório deve ser rico entramos na igreja quase que pela sacristia tinham folhas de árvore em toda parte eu tava angustiada a gente colocou os pés dentro e saltamos de lá pra internet tinha dois emails e o horário do cinema daí a gente desistiu e foi pegar o metrô daí a gente desistiu de novo e voltamos a pé pra queimar a minha angústia e o carvão vegetal dele daí chegamos em casa e hiato íntimo e convidaram prum café então a gente foi e não achou o estádio até que foram nos socorrer no miradouro e finalmente chegamos ao estádio e lá viraram cervejas e de lá descemos até o bairro onde encontramos uma promessa de concerto eu ri muito ele ficou bravo fomos até lá embaixo e eram uns punks de pantufas eu pulei um monte feito escorregasse no escorregador e então a lua estava pela metade alguém disse que já não sentia tanto tesão assim descobri que fresca e ficar nem sempre significam a mesma coisa e nem sei muito mais da vida a não ser quanta alegria vim sentindo tão elétrica demorei umas horas pra dormir e hoje cedo ai que dor nas costas.

por horas

você vai embora meus ouvidos ficam mastigando sua voz

7.12.09

lembrei quando eu te ligava e ainda não sabia o número de cor e só de abrir a página meu coração disputava entre tantos dígitos mas como a coragem caminha ou destrói o desejo e por entre nós sempre foi larga a rua você nunca sabia quem era quando atendia e também ficava louco por sem ter também tinha enfrentado aquelas hesitações e finalmente se sentia sem elas é tão mais fácil. depois foi um telefonema também, a última coisa que houve. mas a vida fluída, tão longa. a coluna vertebral do tempo é um fóssil vivo no fundo do oceano. queria me derrarmar nele pra fora das encostas colunares das agendas. entender que não tem data de validade. parece que vou mergulhar até encontrar o nunca-aparece a última coisa. hoje não ligo, não.

6.12.09

tão feliz quanto dispersa

o escorregador era um muro que eu subia as escadinhas e lá em cima o muro acabava estalava enquanto descia o metal tão longo e quando chegava na areia parecia que nada tinha acontecido mas o coração arfava

ainda tem lá aquelas mangueiras plantadas em quadrados
anos depois que fui lembrava dos bancos de cimento que espetavam
o pacotinho de mupy de maracujá ou maçã
o escorregador ainda era grande mas não cabia a minha bunda
mas bem que eu tentei porque não sinto vergonha dessas coisas
antes acho mesmo é de rir da cara de quem acha ridículo uma mulher usar um escorregador
de criança só consegui lembrar que o everton e o wellington comiam a bruna com 11 anos

na arquibancada
a menina feito um frango
os pintinhos deles


só o vai--e--vem
na linha do horizonte

era uma forma de ser amiga, a dela.
jogávamos bola juntas.
nosso cabelo tinha a mesma cor.
alguém perguntou se éramos irmãs.

o professor fumava maconha com os meninos do 3o colegial na saída de incêndio do prédio novo.
na aula tive que fazer uma reportagem contra o crack. lembro dos microscópios e que tinha um feto de cavalo no formol. a juliana não comentava mas via naquilo uma indecência.

eu sempre fui branca como uma tripa.

minha ingenuidade também era de tripa.


o marcos sempre fala
que não é fácil
ter 12 (ou 8?) metros de tripa dentro da gente.

tripa com memória
é ser pipa.

confundo

abro o caderno
achando o livro
misturo carvão
vago pelo fogo

a escrita sabe um pouco como o amor
não se sabe quem se possui a quem.

amor

não fugia
que voava

sala

onde ainda se acredita na diferença de um poema

sou eu

domingo
a louça é maior
há quanto tempo a louça me apavora
depois descubro que tem água quente
e que quente a água a louçar
é domingo ao menos



volto ao acordar
escrever



escrever: quanto mais ao menos.



um dia vou escrever assim:











com ponto final.

4.12.09

é pegar ou largar
you are cesariny
portugal is burning
cazuza generation

1.12.09

today is gonna be the day



o mar que me caminha

30.11.09

o creme é mais amarelo

no tempo que não havia tempo eu não esperava, adentrava. depois que os anos começaram a passar depressa um mês, dois, três, nada. em certa altura não sei se eu conquisto o tempo como um avançador marinheiro num azul noturno guiada por sei lá qual estrela ou se é o tempo que me vence como a barriga do seu dragão. no caso da estrela, ela me dá sorte, quer dizer, luz que sorteia.




escrever e pensar: o caminho que é livrar-me numa nova estrutura.



sonho em Portugal é bola de Berlim.

24.11.09

o livro do ano



ham-ham
pelo menos do meu ano, o livro
agora dá pra baixar em pdf o

cantos de estima
full edition sem cortes e remasterizado
clica aqui e mergulha

vento

qual o teu terror?
conta de me levar
se abro a janela.

23.11.09

carinho



agora, no 12 exemplares pode-se ver a maior parte das respostas dos participantes do projeto.
logo serão todas.

**

acho que é
intuição

metade de mim sempre já sabe das coisas antes
e a outra metade é crítica demais pra aceitar que já sabe
ou fica lá dizendo tá vendo tá vendo tá vendo
mas a metade que já sabe tem mais calma e ternura
pode até se dispor a humildade de não saber
mas a parte crítica também salva a que acha-que-sabe
de cair nos crocodilos e de voar com as borboletas
(borboletas morrem em três dias)
e é na reiteração de uma sobre a outra que vivo
ou na sombra de uma alegria guerreira
que cresce feito árvore

agora o que se vê é a copa no outono
mas está é mesmo crescendo raízes pro fundo
(lá é úmido e tem mais minerais)
daí às vezes sobem coisas pelos veios
(são os arrotos das árvores)
que brotam maçãzinhas pêras amoras
depende do desejo

**

intuição acho que é
como ir ao cinema sem saber que filme vai passar
e estar disposta a ver o filme que for passar

20.11.09

Não tenho paz nem posso fazer guerra
temo e espero, e do ardor ao gelo passo,
e vôo para o céu, e desço à terra
e nada aperto, e a todo o mundo abraço.

Prisão que nem se fecha ou descerra,
nem me retém nem solta o laço;
entre livre e submissa essa alma erra,
nem é morto nem vivo o corpo lasso.

Vejo sem olhos, grito sem ter voz;
e sonho perecer e ajuda imploro;
a mim odeio e a outrem amo após.

Sustento-me de dor e rindo choro;
a morte como a vida enfim deploro:
e neste estado sou, Dama, por vós.



Petrarca em tradução de Jamil Almansur Haddad.

19.11.09

céu

Trocaram as fontes sem sequer eu visse
olho pra cima e me atravessa o tráfego
luzes vermelhas se meus olhos se fecham são cor de flamingo e
os pássaros voam com a autoridade
que passeio pelo príncipe real
vendo vencidos nos bancos
pela pobreza, o amor, a um livro.

#

Eu tenho um beijo preso na garganta.
O mundo deu uma volta e o poema não está pronto.
Fico tão noturna quando é de tarde.

#

Passeio em mim como quem viajasse de trem
e é sempre amanhã que chegamos.

#

Espero a hora de dizer: o jeito que te vejo entrando em mim
como um cavalo derrubando as paredes pelas escadarias.

#

O mar guardado em tuas gavetas.

17.11.09

confidenciação

esse é pro B

tamô seguro usando meia.

16.11.09

s/títuloainda

as milhares de horas de vídeos
gravadas pelos japoneses
nesse minuto viajando no mundo
as câmeras guardadas em Lisboa
chove como se abrissem um lençol
e tentassem arrastar as colinas pro rio
enquanto desenhas
linhas de um mar apavorado
mas grande demais pra fugir.

14.11.09

amor

se quem puder ser for o que será?

*

um modo de cruzar os braços sobre minhas cinturas foi daí o conforto e nem percebes que eu entro pela sala pensando em deitar sobre você escondido numa cadeira de braços altos e todo trançado no próprio corpo entendo que hoje à noite eu sou de ninguém e o modo como diz duas vezes a mesma coisa a segunda com maior dura entonação e a palavra dura menos e é pra se fazer rir ninguém vê graça eu vejo.

*

agora estamos na praia.
como já disse
não quero que morra
em mim a admirável criança

embora ande com um desejo de envelhecer pra me aproximar
fazendo o elogio da retidão
então descubro que a serenidade é um sinal de declínio

13.11.09

talvez você não acredite

como eu evito
mas pra escrever o "cantos de estima"
tive que morrer muito

memória

vontade de ver neve sobre um mar
eu simplesmente ouvi a luz do vento

antónio franco alexandre

cujo nome por si só, já é o meu poema.

cumprir um destino

essa é a 4a casa em que vivo
mas se pensar bem,
em quantos carvalhos já me enrodilhei?
penso justamente em janeiros na bahia
como essa vida quente me define
de ter feito casca
virei a casaca
poucas coisas trouxe
mas não deixei o meu edredon rosa queimado
que me enrolava nas noites de ayahuasca
e agora me esquenta as cólicas e o pavor noturno
pavor noturno de evitar o pavor
clicando
a nova mensagem
tenho medo de abrir
e de ler dizer amor.

*

eu quero um livro de capa branca
depois um livro rosa ferrugem
toda essa meditação
consumiu as horas de leitura
porque eu estava a sonhar
com o futuro de um livro
que ainda não escrevi

*
ficar comigo

*
.

12.11.09

hoje eu vi o marcos

lá na casa da mamãe e do papai

11.11.09

está decretado que voltei a sonhar

*

faço desse blogue também de sonhos um diário.

*

essa noite sonhei que eu estava no sam's club de osasco com a minha mãe e o meu pai me dava um travesseiro novo. era a maior felicidade do mundo, eu abraçava o travesseiro. daí a gente saía de lá e pegava a av. escola politécnica e aquilo ia me dando uma angústia, uma angústia. eu pensava "quero estar em Lisboa". e sentia saudades, assim, violentíssimas. e a angústia virava ansiedade e eu começava a calcular "o que vai ser preciso fazer pra estar em Lisboa de novo?" e era impossível. então senti tanta angústia ao lado do córrego Pirajussara que acordei! abri os olhos já era de manhã cedo pensei "caraleo, onde é que eu sou?", vi minha máquina de escrever, "cacete onde é que eu estou? em que ano, que lugar, que direção?" e a luz de outono entrando nas paredes descascadas desse quarto me disse "ai foi só um sonho ruim" e vi que até onde não sei, continuo querendo estar aqui.

10.11.09

maturação

essa noite sonhei que tentava revisitar a parte da minha casa sempre não aproveitada que só existia em sonhos que eu tinha que havia um sótão onde eu nunca ia e sempre que nele chegava (creio que já escrevi sobre isso) havia a impressão de um desaproveitamento. então hoje sonhei que eu levava algumas pessoas pra conhecerem esse lugar (eram todas minhas desconhecidadas) e o lugar tinha virado uma biblioteca. de repente um rapaz, muito solícito, levava lá pra cima uma televisão. eu ficava bravíssima com ele. e dizia "não é necessário", ao mesmo tempo que tentava esconder minha ira das visitas e, por conta desse gesto, eu o perdoava um pouco.

saíamos de lá e eu estava sozinha com um pé de amora. não tinha nenhuma amora madura mesmo. e toda vez que eu pegava uma elas se enfiavam espinhos muito duros no meu dedo. apareceram umas mulheres e tiravam as amoras que ali tinham e comiam. uma delas olhou pra mim e me disse "essas são boas de um modo diferente". e eu disse "mas então há frutos verdes que se comem?". espetava o dedo, mastigava que diferente!, e era bom.

9.11.09

você tem um canyon escondido?

sabe como é, uma terra que se abre em duas e entre elas voam uns pássaros e nascem umas coisas.
o rio se dizia logo

axolote

vou comprar chocolate
nem tou sozinha
vou alimentá-lo.
eu fui pra Patagônia pequeninha.

a Patagônia cabia num grão-de-arroz.

eu hoje comprei uma Vespa.

e uma dúzia de chaves-de-fenda.

vou montar a minha cadeira vermelha.

que herói que se preza além da capa e da máquina de escrever encarnada tem a world famous cadeira vermelha de 14 euros do ikea.
o dormente morava dentro do rio e o rio se dizia lago olho bem fundo de boiar em marrom no centro da água meu ver de terra redor redor em cavei um umbigo pelo qual eu mirava você era a discordância de nuvem você na ausência até que é isso o que era você era eu e não me bastava a história de sempre da solidão apaixonada da paixão pelo vento que esfria/ a paixão e /ferve a vontade de deitar sobre mim, coração.

*

não me eram suficientes os dígitos, a música, a salvação.

eu queria morrer, dizer-te pulando de rua não desafie meu super-herói interior, que ele derruba montra/vitrine não fica nunca abandonado, meu coração é tão povoado!, vem meu bem, ver a vila que eu fiz em você.

*

depois me contaram que o modo de perder um homem era dizer "vem cá" puxei as cobertas e me virei pra lá.

*

tem gente que bebe.
de dentro da xícara de café esperava-se um líquido veio que não vou sugerir a quebra de linha e voou do bule fervente o som de uma asa de gaivota se abrindo era uma criatura que em mim renascia de dizer criatura como se ainda acreditasse em monstros indefiníveis eu que vim de criança sendo uma imaginação tantas vezes soterrada tantas vezes reles tantas vezes dormente tantas vozes

8.11.09

é melhor deflagrar a guerra do que
prender a respiração pra sempre

*911

-alou, AFOGUEI

5.11.09

uma crônica que me aconteceu mesmo ontem e eu resolvi anotar

eu aqui também moro em frente dum supermercado. e é importante dizer "super" porque se não em Portugal "mercado" é o que no Brasil se chama de "feira". pois então, fazia uma semana que eu não ia ao super. estava com as costas doendo e mal humorada. cheia de tristeza, de saudade, de dúvida e medo. e, principalmente, de saco cheio de tantos afazeres domésticos que, pensava eu, me emperravam o desejo de ir ao cinema, estudar, começar uma nova pesquisa na biblioteca, sei lá, andar até um miradouro qualquer e olhar o Tejo indo pro mar. mas fui lá, leite, ovos, espinafre, arroz, essas coisas. evitei o chocolate que sabia que melhoria meu humor, mas depois? é um respeito. que vontade de comer goiaba.

tava meditando que de novo comprava o trident tropical mix já no caixa quando um senhor de uns 90 anos se aproximou vindo da rua de bengala, naquele ritmo de passo a passo, vestido de fato xadrex em marrom, velocidade de 1/4 de metro por minuto e falou baixinho com o caixa, que nem pra ele olhou. carregava uma nota fiscal e uma embalagem de chocolate em pó fechada. passaram as minhas coisas na frente dele, os códigos de barra apitando e o senhor cabisbaixo esperando. quando terminaram com aquilo tudo o senhor finalmente se aproximou do menino do caixa e disse o que lhe acontecia

que ele ao chegar em casa conferindo a nota tinha percebido que aquele pacote de chocolate não tinha sido pago e que ele estava lá pra resolver isso. o gajo do caixa se enrijesceu todo daquela demonstração e muito duro sem nem olhar pra idade do homem nem nada passou o chocolate no apitador de barras e disse

-são 89 céntimos.

o senhor abriu o moedeiro com as mãos tremendo e moeda a moeda pagou. eu me retirei para casa enquanto a compra se finalizava. pensei? não. só me doí.

**
o que é que me doeu?


****.

1.11.09

espero que novembro amanheça bem

nenhuma esperança é feita de si/ tudo está para sempre acabado / redigo: que me queiram mal.

se todo o desvio é em si caminho, labuto na divergência: escrevo.

não mais.
não mais.
não mais.

e sobretudo no ato de escrever é que digo: escrevo.
e tomaste a minha pena a minha voz e agora a minha compreensão.

admiro muito minhas calças cor de camelo.

comprime o ritual nessa falta de mim.

e nunca estive tão só.

creio que poderia atirar-me ao rio e ir parar no Brasil.

se assim o fizesse, não seria feliz. mas que importa a felicidade?

é como um monte de musgo que um cavalo pisa indiferente se aquilo fosse bosta.

e eu tento falar contigo como outros falariam mas não consigo e tento te convencer como convenceria a outros e não consigo e me vejo mais uma vez na mesma cena de sempre só que dessa vez estás vestido de azul enquanto antes preferias o cinza, amor.

quem é que me vaga e vagueia?

não sinto nada, mamãe.

descubro à meia-noite de ontem que não te quero mais.

descubro é: meia-noite, és um gênio, e não tens um botão de play/ stop.

pela sabedoria não posso te odiar, nem chamar a ti de boneco de gelo.

se me perguntassem o que aconteceu eu responderia com "e azul". não diria outra coisa, não direi. podem dizer que vivo meu avesso. podem dizer que esperam das passagens das ruas coisas melhores pra mim e pra você, porque em fato tem todos medo de encarar a vida como ela é. o tempo.

no entanto, tu, encaras. e eu te olho como a um mamute num zoológico onde todos enlouqueceram achando que são macacos cheios de depressão no cu.

descubro-te rindo da crueza e com crueldade das coisas como ela são. odeio-te?

gostaria de gostar da idéia de levar minha mão na tua cara num tapa.

não sei o quanto silêncio há num sol escancarado. e quanto acreditar que as palavras vencem um corpo. ao meu elas sempre venceram. estou mais uma vez só com elas.

será essa a minha sina para sempre, estar comigo e com as palavras e te juro, que não me lamento, nem arrependo e nem gostaria que fosse diferente.

gostava de voltar a essa sinceridade mais vezes.

mas por hora me calo, espero o inverno passar.

não sei se a nossa nobreza nos consola ou piora. afinal, não somos deuses.

talvez se deuses fossemos poderia eu sublimar em criar estrelas.

mas, no fim, até posso. faço versos: cartas de adeus que dizem: fico mais um enquanto.

30.10.09

horóscopo te inibe a felicidade?

por exemplo: "dia difícil, cuidado com as palavras" e o sujeito cujo leitor apaixonado deve guardar a declaração pro dia mais adeqüado? é mercúrio, saturno, pôvo ê,

*




*

XII

Temendo deste agosto o fogo e o vento
Caminho junto às cercas, cuidadosa
Na tarde de queimadas, tarde cega.
Há um velho mourão enegrecido de queimadas antigas.
E ali reencontro o louco:
-Temendo os teus limites, Samsara esvaecida?
Por que não deixas o fogo onividente
Lamber o corpo e a escrita? E por que não arder
Casando o Onisciente à tua vida?



eu dei de presente pro B
esse da
Hilda Hilst, n'o "Via Espessa" dentro Do desejo


*

todo meu amor.

26.10.09

já não vivemos mais

já não vivemos mais na mesma cidade

de lá você não era
e eu tinha crescido em outra parte

*

sonho contigo
tem um bidê
fazemos amor
e me ensinas as coisas que a gente fazia questão de não ver

*

de todo modo cada vez mais apartada e convicta
do teu sexo

*

POEMA DE FINADOS

talvez a saída da cidade combine melhor com o teu drama
assim como Lisboa rima com o meu senso de me iludir

*

linda, sobretudo linda

*


POEMA DE FINADOS

e todo o medo do silêncio
da tua concha de amar e usar
óculos escuros pra mais chorar

-sempre um pouco impressionada com a minha cara limpa-

sobretudo por si mesma consumida
como as flores amarelas do teu planeta.
cemitério, ciúme, sitiado ardor.

*

POEMA DE FINADOS

que já tenho aprendido a conviver a ferocidade da tua delicadeza.

* * *

25.10.09

30

Já a luz se apagou do chão do mundo,
deixei de ser mortal a noite inteira;
ofensa grave a minha, que tentei
misturar-me aos duendes na floresta.
De máscara perfeita, e corpo ausente,
a todos enganei, e ninguém nunca
saberia que ainda permaneço
deste lado do tempo onde sou gente.
Não fora o gesto humano de querer-te
como quem, tendo sede, vê na água
o reflexo da mão que a oferece,
seria folha de árvore ou sério gnomo
absorto no silêncio de uma rima
onde a morte cessasse para sempre.



António Franco Alexandre
in: Duende

23.10.09

I

quando se fez um som: branco, parecia que alguém o calculava. entre precisão e desdém, um sopro concentrado no ouvido de alguém, a dizeres: quero-te, meu bem. e uma dobra de onda, vaga, esse desejo, meu cão, ao pé de presente, agora lambe suas mãos entre os dedos, salina viagem.

para atravessar o silêncio era preciso estar nele. ver as roupas que de molhadas se encheram de areia grudada e pensar: nada dizem essas minhas roupas longe da cidade? habitei dia a dia dentro delas, habitei dentro delas, se não me eram incógnitas, era eu a dúvida?

mas se eu sabia que te desejo assim como a uma casa, um prato de comida, um gato, o Museu del Prado, e um poema, não era isso já saber bastante, destino? eu que podia me satisfazer com um espelho e um destino de ninguém agora já não posso. escuta, fecha os olhos que eu estou aí. construo, reconstruo, adivinha se gosta de mim? mas desde que te conheço todo entulho, resto, nunca vai dar no mar.

espécie de salvação da espécie: um projeto: salvar o oceano.

22.10.09

eu queria uma espécie alienígena que tivesse tomado o meu itunes e colocado a tag "de amor para essa hora", e o play nessa especificidade desse a mim (e a todos, aqueles, ligados_ ) a sensação - aquela - que é um sorriso junto, de coragem

embora coragem seja uma palavra forte demais.

forte?
nobre?

na última vez que nos vimos eu disse que toda coragem é cheia de estupidez. um valente é um alguém que deu tão não certo, que acertou.

meu corpo tá malvado esses últimos dias comigo.
tô num mal humor cheio de boas intenções.

20.10.09

valentine, que tornou a ser sweet

amanheceu chovendo sobre a minha máquina de escrever

just like playing with
sex

sorri
do inverno tão esperado
agora já não tenho o veneno mais
levantei fechei a janela de vidro

a valentine molhada ali resiste tanta ternura quanto eu
e abri as abas de madeira que tapavam a luz pra luz entrar
quem sabe o dia seca na valentine
o que em mim cinza desses se viu em aberto
saltou na cama e voltou a dormir de de amor.

as aventuras de zuliem e gentsom

primeira composição em papel amarelo
composta conjuntamente por Zuliem e Gentsom
trata-se, em fato, de um forró:


Encruzilhada

coração engrandecido
a dádiva do vermelho agradecido
em um xale
que bate grande
faz mágica, transversa
cristalino
tem que ser masculino
eu liguei pro cajuíno
queria é bombar um
palestino no destino
transitório e teresino.


o ritmo é como essa linda música que eu conheci ontem no cinema São Jorge



antes desse filme passou um documentário com a bethania em '66 e entrando atrasados no cinema eu fiquei espantada com a mulherança toda novinha na tela enorme em preto e branco do são jorge e guardei água dentro da minha mochila e babei ali na maria bethania e percebi daí minhas perna tudo molhada era a garrafa que eu tinha colocado sem tampa guardada/ não eram as saudades do meu bem.

19.10.09

amor

*

e no encontro é como se uma gaivota a asa do teu olhar arriscasse
o mar

caixas

foi no ano que eu mudei de casa. era cavalar. tudo múltiplo e inacabado. passei 3 meses pulando nas casas da família que podia me receber. agora tenho medo de te telefonar. deixei minhas coisas na menorzinha, no mato, que quando eu falava com algum europeu dizia "mato" se era latino-americano "campo", só pra averiguar a diferença. acontece que eu sou baiana.

quando abri a caixa, de primeira vez, falava-se que seria duro e um canto sem canto. escolhia o que levar, o que ficar pra trás. a segunda caixa o inverno tinha meus sapatos mofados de verde. eu entendi como um recado, nesse meu ano de dois outonos-e-invernos que a primavera é a minha grande expectativa em 2010. o inverno não é brincadeira não. a terra toda se vai mesmo pra dentro dela mesma.

hoje aqui chegou o outono, parece. andei por aí e tinha cor de europa no eutono. as folhas caídas no chão secas, o vento, o branco ficando cinza. é preciso encontrar o amor e aquecê-lo. ficar bem magra pra não adoecer. ter gordura o suficiente pra não enlouquecer.

e as minhas coisas todas naquelas caixas de papelão ficaram pra lá de mim. como pode um corpo, de repente, ter que não precisar de nada?

aqui em Lisboa sinto falta dos meus amigos de anos, dos meus gatos e dos meus livros. o curioso é que estão vindo do Brasil minha obra completa do Herberto Helder e também a do Al berto, ao passo que me encontro em não lê-los no momento. pensei em pedir emprestado um ou dois, mas seria o disco novo tocando parado. os livros que já são meus ainda não são meus. e o correio me faz esperar. todo dia por volta do meio-dia uns miúdos tocam a campainha. moro no 3o andar sem vista pra rua e o interfone não funciona. é claro que não desço. e penso: meus livros ah meus livros?... abro a caixa da correspondência e já me chegaram 3 cartas de aventura ultra-mar, que mais eu posso querer? os livros, ah os livros.




*

agora voltei a olhar as coisas e as pessoas e a pensar em histórias, compor narrativas.

comecei a contar pra mim mesma ontem quando voltei pra casa a composição de um poema até começar a comer / a satisfação do estômago sossegou meu vocabulário farto.

e
acho que o "cantos de estima" acabou. embora em mim nunca.

17.10.09

dessa vez ainda não morri

dias atrás a insipidez lírica do meu olhar sobre as coisas fazia me sentir num conto da virginia woolf, pelas superfícies tomadas, as casas, os campos de trigo (se trigo houvesse), os jarros sobre a mesa na parede de veludo, se parede houvesse.

virginia não me visita essa noite.

levanto-me de pronto, é escuro. dei um grito porque voava sobre mim um lençol. me acontece de meses em meses. o remorso dos vizinhos não me impede de dormir.

encanto-me pelos poetas que são oratórios. encanto-me pelos poetas que são proféticos. não gosto dos poetas que falam como deus, ou por ele. gosto dos poetas na terra enterrados, que falam na altura do trigo, se trigo houvesse.

o que foi gerado e entre o que ainda está pra se gerar teve um branco feito lençol. multi ação sem cores. televisão que nutre pra aumentar o realce. fiquei calada. calada. Inês, tão linda, me olhava no carro e dizia "não vês?". eu queria sorrir para Inês, mas era o corpo que me impedia. o corpo como uma fronteira entre mim e mim mesma. e a gente subia por Alfama no carro. e eu em mim mesma fundia.

eu não existia. não sei se isso já lhe aconteceu. mas desde que cheguei, além duma fundura invisível que não me alcança, eu deixei de existir. ontem só que percebi que estou precisando contar os passos. um pra lá de adiante, pra cá e depois, sim. não, não tropecei, nem caí. foi a lua.

depois eu fui a praia, com o B. e descobri o mundo inteiro de tons azuis. o mar, o calção do menino muito loiro que corria de óculos de natação, a coleira do pastor alemão. se bem que de perto era verde o mar com Tejo. sobre o pastor dormia um rapaz. e um surfista da bunda linda se alongava ao lado duma geladeira. eles ali jogavam gamão. o B lia Llansol e eu Pessoa. o B foi pular na água gelada e eu entrei pra dentro de um telefonema, e para animá-lo, eu descobri como descrever o mundo por fora.

quando o B voltou pensamos em disputar com umas alemãs umas mangas e também o Nívea Sun. mas elas usavam óculos escuros, nós não. nós estávamos olhando pro sol. eu senti frio antes. voltamos pra Lisboa e tudo que eu vivo tinha sossegado.

*

são uns dentes tortinhos, sorrir seu, meu desejo.

As profecias de Abdul Varetti, Escritor Falhado

*
A "vida" e a "morte", indistintas finalmente, serão sentidas na sua raiz comum, como formas de ilusão e alegria excepcional.

*
As obras de arte terão uma existência exclusivamente lúdica. A experiência dos vários mundos, suprirá com enigmas e presenças.

*
Um anarquismo integral, de produção natural, será a forma que se antevê, irá ser escolhida pela humanidade emancipada

*
A linguagem afastar-se-á do consenso, e exprimirá o desejo e a imaginação.

*
Sendo o "exterior" à imagem do "interior", a vida será uma obra de arte. As obras de arte do passado serão tidas por curiosidade arcaica. Algumas serão conhecidas e estudadas.

*
O amor e as outras actividades de relação serão públicas e tribais. Eles serão reis e elas rainhas.

*
Uma guerra planetária deprimirá a humanidade actual. Depois o homem, envergonhado, conhecerá o horror dos ídolos.

*
O artista será confrontado com o "político" e com o "sábio". O artista será louvado, os outros serão excluídos.

*
As religiões serão desconsideradas. A experiência mística será reconhecida e um facto comunicável.

*
Os deuses, adormecidos, vão recuperar a atenção do homem livre. A curiosidade e a crença florirão.

*
A experiência interior será transmitida, "ensinada", musicalmente.

*
Haverá muitos vagabundos solitários de ambos os sexos. Mover-se-ão entre as tribus, como agentes de experiências.

*
A mais bela forma de ser será a preferida, depois que os homem reconhecerem seus tiranos, no interior de si mesmo.

*
O dia e a noite deixarão de opôr-se. A sua raiz comum na imaginação será reconhecida.

*
O sono e a morte serão mais um vez equiparados. O homem aprenderá a morrer.

*
Os antepassados animais serão venerados, como uma das faces da realidade.

*
Não se falará sem vergonha do velho tempo. Discutir-se-á de preferência o amanhã cotidiano.

*
A amizade será livre. O amor não.

*
O desejo será declarado. A linguagem e a ação enriquecer-se-ão permanentemente.

*
Sendo a vida uma arte, a linguagem será universal. (Cfr. Rimbaud), Incluindo tudo.

*
As crianças chamar-se-ão crianças, e os adultos crianças evoluídas.

*
A casa, lugar de repouso, será individual e pessoal. As actividades de relação serão consagradas como tais, públicas e tribais.


Álvaro Lapa
As profecias de Abdul Varetti, Escritor Falhado, 1972.
22 elementos, lona bordada montada em estrutura de ferro.


16.10.09

bom dia brasil

eu: papapapapapapai
João: Oi,Ju,ça va?
eu: êêêêêê
papaiiiiiii
tou bem preguiçooooosa
João: :D
eu: eu ia pra praia mas acho que vou estudar aqui mesmo
tem uma louça imensa pra lavar
João: Eu também, acordei pra comprar tinta, veja só
eu: papai minha aula de ontem foi INCRÍVEL
tinta de parede ou de impressora?
João: Sua mãe falou. Como foi?
eu: foi ótima, é uma aula-seminário
João: Parede.Melhor:porta
eu: todo mundo senta na mesma mesa, meio que em círculo se não fosse retangular
João: Que nem o rei Artur?
eu: é
a gente é a távola
João: E qual é o Graal que procuram?
eu: eu sou o Rei Artur papai
João: Isso eu já sabia.
eu: ah que bom não sou só eu que guardo o meu segredo
papai a aula foi sobre nietzsche
eu perdi a primeira, infelizmente, que foi sobre o romantismo alemão
João: Nietzsche? Vontade de poder e afirmação?
eu: não foi sobre
foi uma discussão a respeito dum texto de juventude dele
o "acerca da verdade e da mentira no sentido extramoral"
João: Foi nietzscheana então? Qual texto de gioventù?
eu: foi supeeeer nietzscheana
a professora é super aberta e firme ao mesmo tempo
inteligente pra caramba, uma erudição felomenal
João: Was übermoralsischesSinn ist?
eu: parle pas votre langue monsieur friedrich
curiosoooo é que ontem era aniversário do nietzsche
João: Erudição felomenal ou femolenal?
eu: papai ele enlouqueceu né?
o donato que falava Ferpeitamente e Felomenal
João: Sim, virou Dionísio-Cristo
eu: papai ele enlouqueceu ele encontrou tudo-nada e pirou legal
dionísio-cristo como assim?
João: A síntese talvez do espírito orgíaco da música + a moral
eu: entendi
mas ele pensava ou dizia que era Jesuiss Baco?
João: Não entenda tão rápido que não sei se é isso talvez nãoseja nada disso
Ele pensava-dizia, um pensar-dizer
eu: é eu tou acostumada não entendo tão rápido a vida é assim não é papai de repente não é mais
que é um pensar-dizer simultaneo?
é bonito isso né
agir-já-é
João: Sim, é preciso colher o instante como ele vem
Baco-Jesus é a realização afirmativa do trágico
eu: ai papai explica mais
João: O Cristianismo é uma moral de escravos que nega a vida propondo que a verdadeira não tá aqui,mas além. Nietzsche afirma a vida em toda a sua desordem, afirmativamente, dizendo que é preciso ter o amor fati, o amor do fado ou da sina ou do destino ou da Fortuna ou das coisas como são
Enviado às 13:43 de sexta-feira
João: O superhomem é o tipo afirmativo. Nietzsche retoma os gregos pra isso, a grande tragédia ática, Sófocles, Ésquilo, Eurípides, contra Platão. Vê em Platão e seu mundo de essências o fundador de religião na base do cristianismo
eu: papai eu sou nietzscheana também, posso?
quero ser a she-ha
João está digitando…

15.10.09

o menino na sala abriu a boca pra falar e era dúzia
de língua portuguesa de Portugal ouvir é pra mim
(às vezes)
como ter um rubi quente dentro do meu tórax
das minhas costelas uns olhos negros
(de netuno)
pares vivos desse desconhecido, amor.

* *

e quando um menino leu um conto do Sá Carneiro alto em voz alta a língua portuguesa dele era como se fosse um rubi dentro do meu tórax. tem algo de netuno nessa língua, dois olhos negros, que me enchem de nuvens e sonhos, o mar.

* *

12.10.09

e se não estou encaixando bem não sei se é chegada, falta, meus órgãos
mas
ando por aqui não vejo
tento sair de mim
não tenho o que dizer
quero te escutar, prometo
mudei tanto tanto e no entanto
é tudo tão bonito que me cega
não tenho olhos pra isso
já não tenho mais medo de ter medo
tô lendo o diário do Gauguin
a Penelope tá aqui comigo
piso com o piso dela
tenho um amigo Bernardo
a vida toda é um achado
Lisboa é tão bonita à toa
e a Inês trabalha no Chiado


agora não tem jeito
espelho, livro, vestido
pede traça
explode coração
tamô vivendo
e tudo que faça
em Euro é tão caro
gente minha
tamô na Praça
tô feliz? nem sei,
mas faço graça.

6.10.09

amor




quando ele passa eu danço
a gente é já faz algum tempo um duelo-dueto
e tá tudo saltando atlântico
eu em Lisboa e Marcos em Jundiaí
na grande província da nossa língua
a grande companhia papel visão e conversa
nessa nova casa que convido a passearem, passarem, estarem
(e me ajudarem a conjugarem novas formas verbais):
campos, carvalhos, capins

4.10.09

o amor agora desce a rua
como uma nave alienígena
que aterrisa e perde o prumo
a areia, o descampado,
campo raso,
afago o beijo do meu bem
no ar.

* *

"meu amor

do que eu sei, antes do século dezoito o sujeito que dava o cu era que nem um crime: ele no máximo seria um reincidente num ato, jamais uma personificação do ato. se não ia pra fugáira e jesusinho lhe tomava o curaçaum era eu-te-amo-meu-brasil. mas a gente vive num tempo médico em que o teu corpo diz quem você é, vitória do lombroso. o nazismo venceu tanto que ninguém percebe que ele venceu.

o que a galera partidária da epistemologia queer diz, bem à la united states, é que a gente não é essência e nem corpo a gente é: que o nosso corpo é discurso e, como tal, ele pode ser dito redito desdito. porque a liberdade individual e de escolha e blah né. feminists don't have a sense of humor

http://www.youtube.com/watch?v=ORfG4rpZv6Y

mas essa gente from my point of view é PARANÓICA e olha, meu amor, a liberdade que um pesadelo de palavras me dá não tá no meu quadril não, viu. o mato é muito maior."

* *

"um templo de mãos disponíveis para o amor"

* *

mais uma vez um poema
deixa acontecer

talvez a gente saiba um ao outro
o que se quer / talvez não

e me pergunto se as gaivotas
que anoitecem o céu

contam assim todas as estações?

tanto trazem o calor
como o terror a noite

que vem antes cinza
e depois se despede em dia


* *

.

3.10.09

tudo o que posso naquele que me fortalece

cinco vezes mais intensa, a mulher vulcão, incendiará a cegueira com ela comporá poemas do lançar-se ao desconhecido (coração) ele tem a voz que toma a minha voz a voz

falei com a Inês e agradeço a jisuis por dar-me sempre onde quer que eu esteja, no meio de toda a malta, alguém com bom coração (tão claro) por perto

- -
resolução de fim de ano pra todo mundo: viver mais, prever menos.

e que o medo engula quem o medo tem que engolir, que, ah, não é a mim.

2.10.09

"O amor é individual ou, mais exactamente, interpessoal: amamos unicamente uma pessoa e pedimos a essa pessoa que nos ame com o mesmo afecto exclusivo. (...) O desejo de exclusividade pode ser um mero anseio de posse. Esta paixão foi analisada com tão grande subtileza por Marcel Proust. O verdadeiro amor consiste precisamente na transformação do apetite de posse em entrega. Por isto pede reciprocidade e assim altera radicalmente a velha relação entre domínio e servidão. O amor único é o fundamento dos outros componentes: todos repousam nele; além disto, ele é o eixo e todos giram em volta dele. A exigência de exclusividade é um grande mistério: porque amamos esta pessoa e não uma outra?"

A chama dupla: amor e erotismo. Octavio Paz, em tradução de José Bento.
é tão bonito.
era tipo olhar pro céu muito azul
e ter uma nuvemzinha vindo
uma só, gordinha, rindo.

28.9.09

e na quinta feira fui até a praia, mergulhei e o atlântico gelado me trouxe raízes nos pés. de tanto que doíam os tornozelos! precisava me fincar contra/ com a fúria do mar. acho tão engraçado isso da metáfora, eu usei o mar tanto nos "cantos de estima" e de repente de dentro dele não há palavra, nem metáfora, o mar é uma espécie de monstro anônimo. às vezes leio a Sophia de Mello Breyner Andresen muito por aqui. ela me conta coisas inacessíveis do mar.

temos 35 ainda, entre Portugal e o Brasil, quem quer é que vai alguém querer?




26.9.09

chego da rua e encontro à lápis
se fosse simples, ah se fosse
mas antes de tudo havia o mar

agora
chegaram dois naufrágos numa ilha
e um sentia cócegas
(o outro se fingia de naufrágo pra ficar do lado desse)
na menor menção de uma mão ele segurava o ar
e ria

de fundo havia o mar
o mar uma espécie espantada de monstro anônimo
é feita uma declaração em silêncio
te mando uma carta em branco

então
depois mar ainda havia e era o mesmo e era novo

- -
e eu só consigo pensar como é indelicado ter razão.

24.9.09

sim, vou sair pra comprar um Proust.

sabes

vi os homens passando com os gelados
a água do atlântico (ao norte) tão fria
investi nos tornozelos ardiam
os pés se abrindo na areia
o mar branco e raio
mergulho saio
dormi sonhando que o pescoço era uma língua
e fechei os olhos de tudo dourado
as gaivotas no azul
os aviões de duas faixas

e eu estava do lado de cá
dormindo na areia do mundo, mira, outra vez
toda gente dizendo: veja, em outubro já não é,
quente ou tipo
eu querendo ter um amor livre e de família
aceito tanta coisa ou disse
já não aguento mais não trabalhar
nem escrever nem nada participar
não consigo prestar atenção
mas estou aqui, não estou aqui, estou
e o passado não me diz
procuro uma droga, uma toca, um começo
tudo pra acordar
ou seus dedos.

22.9.09

de barriga rosa

ele amou um cão antes de mim e um vaso e uma fonte e um spot de luz ele amou o que não tinha amor ele amou o e se aninhou consigo de caminho amou ele amou o abraço em mim até quando meu corpo não mais estava lá amou o figurino que usávamos nas tardes de um jardim com três sóis e uma ânfora de cor ele amou todas as criaturas que não recebiam amor como se tivesse uma lanterna na cabeça do cão que amou também o que amor já tinha ele um canto um topo seu círculo e um modo de dizer mais pequeno amou enquanto a luz atravessa uma frase em suspense ele amou a novidade de um regresso e esse jeito de não olhar diretamente e andar de costas numa notícia velha ele amou como se fosse uma novidade ele amou a árvore que há na rua da minha casa embora ele nunca tenha estado numa rua embora ele suba em árvores que existem ele amou o cão ele agora me olhou como se dissesse ninguém se perde na noite do amor e toda a cidade era um cavalo manso montado em nós.

21.9.09

13.9.09

o medo e o som

sonhei uma casa muito grande com muitas portas de saída e entrada que davam para um jardim de grama baixa e noturno sereno, dentro pelos corredores calma muito calma eu pisava sobre tapetes muito antigos de encarnados e de repente os cães, que eram cães do inferno, cães que de pedra no jardim viravam animais selvagens- peludos e brutais, o lobisomem do landis - que se punham a avançar sobre a casa e eram tantas as portas! e eu me atirava em fechar as portas, uma a uma, com medo muito, mas numa delicadeza sem fim, reparava as ranhuras das madeiras de cada uma e eles quase entravam, rugindo, luzentes de pêlo, pero comportados que eram não entravam por uma porta ainda aberta, mas sempre tentavam pela que eu estava a fechar. nenhum me atravessou, sentei em frente a lareira e abri um livro, enquanto eles latiam lá fora. fazia muito tempo que eu não tinha um pesadelo.

- -
pelo amor de deus, meu brasil, ouve isso aqui.

- -
e quando acordei sobressaltada pensei "gosta de trepar com lápides". isso sim foi assustador.

11.9.09

uma rotação completa

um movimento de insônia, vontade brusca de ouvir uma música
4 horas da manhã
segredo de música qual é
minha mãe me disse no g-talk: convive o silêncio, mora dentro dele
ah se ela soubesse os segredos que essas casas não contam

ou será que ela sabe?

eu moro muito perto do Jardim da Estrela
mesmo perto muito, tipo dá pra fazer de lá

e se algo nos metros parados dos jardins presos
se divide em áreas de ver e de estar
aprendo a viver somente o presente
foi essa crueldade que me deixou essa semana doente
então hoje de tarde fui ao jardim, ler e descansar


ontem me contei que está tudo em suspenso
hoje a Érica me disse por cima do Rossio
que dentro de mim tem um fio
eu sei o que é
uma coisa que eu conquistei
que eu não era assim
e eu te disse, garanto, um abraço de rodopio de brand new eixo

mudei tanto que nem me surpreendo ou glorifico as mudanças
nem pretendo falar das coisas que são

é engraçado, isso desde tanto, se te vejo
é para muito fora dos espelhos
é nos meninos sobretudo os de 12 anos
que ainda estão seguros de serem inseguros

na verdade hoje no jardim tinha um menino de uns 7 anos
ele era tão carnudinho que as rótulas davam vontade de morder
e o boné que ele usava eu queria morar nele
era tão forte o menino, um grande portuguesinho

e ele tinha um skatezinho
menor que a barriga dele
e ele deitava de barriga no skate
e descia a ladeira dando o impulso
é, de boca e queixo em direção a estátua do Antero de Quental
(como há bustos de poetas por toda a parte e é bom que eles não ficam no alto como o do Álvares de Cabral)
e o avô dele só olhava não dizia cuidado não dizia nada
e ele descia e dava impulso com as mãozinhas
e exclamava enquanto escorregava
'ah que giro ah que giro ah que giro'
e ao final dizia
'isso é muito MUITO giro'
e subia de novo

ah que giro ah que giro

eu quis correr cuidar do menino enchê-lo de beijos
e por isso mesmo fiquei só olhando a terra

7.9.09



mãe
caetano veloso


Palavras, calas, nada fiz
Estou tão infeliz
Falasses, desses, visses não
Imensa solidão
Eu sou um Rei que não tem fim
E brilhas dentro aqui
Guitarras, salas, vento, chão
Que dor no coração
Cidades, mares, povo, rio
Ninguém me tem amor
Cigarra, camas, colos, ninhos
Um pouco de calor
Eu sou um homem tão sozinho
Mas brilhas no que sou
E o meu caminho e o teu caminho
É um nem vais nem vou
Meninos, ondas, becos, mãe
E só porque não estais
És para mim que nada mais
Na boca das manhãs
Sou triste, quase um bicho triste
E brilhas mesmo assim
Eu canto, grito, corro, rio
e nunca chego a ti

5.9.09

revolution 9

em novembro do ano passado, em São Paulo, escrevi isso daqui: a respeito de um passarinho. isso realmente me aconteceu, o passarinho vôou para cima da minha janela e ficou preso. o que eu contei em um e-mail, mas não contei no post, nem no texto que virou poema do "cantos de estima" foi que na hora em que isso aconteceu, eu estava ouvindo um fado muito famoso chamado "gaivota", que começa é assim:

se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa

e de repente pá, um filhote de tico-tico acertou minha janela e se prendeu nas frestas. além da ironia, foi uma angústia sem fim de umas 15 horas, até o momento da libertação dele. e depois a sensação de que pra ele tudo tinha se resolvido, mas pra mim não.

ontem cheguei muito tarde do Bairro Alto, aqui na minha nova casa em Lisboa, onde estou faz 4 noites. e tive que acordar cedo porque vieram fazer uns orçamentos de consertos de coisinhas. da casa. com isso feito, almocei (o primeiro almoço que aqui preparei e que, como sempre, me faz muito bem), comi mesmo gostoso e voltei a dormir. acordei várias vezes, tendo uns sonhos altos (é muito bom que desde que não fumo voltei a sonhar) e sempre na dúvida de se queria levantar ou não pra viver o lindo azul e quente lá fora.

então acordei faz meia hora com um bater de asas, dessa vez entre a janela de vidro e a de madeira e quando desacreditando e sonolenta abri a de madeira, saiu voando um pássaro que ficou um pouco de tempo sem entender nada, atravessou o quarto voando, quase bateu na parede e saiu pela outra janela, que estava aberta. agora não estou mais só, sou livre, tenho o passarinho.

4.9.09

se dou o ritmo nas suas mãos
é porque eu atravessaria cavalos
rinocerontes, hipopótamos
toda a sorte de brutamontes
enquanto você sabe ser montanha
herberto, calado, suspiro e sigo reto.

3.9.09

eu tenho que comer as pedras pra entender, me lixar a pele da garganta com elas? na verdade ultrapasso meus dedos em tudo que é branco e rosa, essa cidade, viu, tanta delicadeza que às vezes meus pés escorregam. tanto passei o último ano andando por essas ruas de memória que agora tenho que atravessar o Atlântico nosso de cada dia, a pensar, ah que rapidez, por que tanto isso? com as texturas, pedindo que o material dessas casas (nós cantamos de verdade / e é sempre outra cidade velha) me dê a forma, esse futuro, tudo que eu já sei e nunca. ah, mais feliz, quem sabe? Lisboa está cheia de Leros, guindastes, ou é do corpo da cidade ser mais amiudado e com isso, ah vaga solidão, essa de sempre se estar acompanhando.

--
ah, como é melhor amar do que entender.

28.8.09

pra não dizer que não falei de flores

fui tomada nos últimos meses pela besta do racionalismo. ele veio galopante e triunfal, bateu três vezes entrou outras trezentas. não vou fingir que ainda sei escrever.

com isso, faço o anúncio de vende-se dos "cantos de estima", livrinho agora em off set e em 120 exemplares, e como não vou fazer propaganda dele e nem serei imodesta de ir logo mostrando uma foto pra você, meu mundo, dizer ficou lindo eu quero, por favor, para maiores informações e desejos, escreva: juliadecarvalhohansen@gmail.com

gente que eu amo demais

De Aquitaine Elelonora

para mim
mostrar detalhes 20 ago (8 dias atrás)

Júlia querida,
NAO VAI CHOVER, sabe? Só em Lisboa. Mas tanto faz, será uma chuvinha portuguesa. Parabens, boa estadia! No outuno vou passar pra Annecy, perto de Geneve, se vocé quiser de perto o Mont Blanc... é frio, grande, mas é bastante interressante.
Um beijo grande, obrigada o convite,

Ana (cozida)
carne

Seja a casa onde for
construir estantes no pensamento
de derrubá-las

forrar as prateleiras com flores
no papel de parede
e livros de capa branca

forrar todos os livros
todas as páginas dos livros
de branco

com algodão secá-los
da úmida solidão
do que está escrito.

- -

estou a citar-me. além do momento de mudança comovida, deve ser isso, hiato criativo.

22.8.09

o melhor o tempo esconde
longe, muito longe,
mas bem dentro aqui

*

metade de mim é desejo
a outra metade é largura.

21.8.09

quero esse blogue assim mesmo

fazer um novo blogue não faz sentido. ficar nesse aqui é difícil. então resolvi falar sobre isso. tive que fazer uma redação pra escola, em 199? e não conseguia. disse ao meu pai que eu não conseguia. ele disse: escreva sobre isso.

nisso, ele me deu metade da literatura.

semana passada um cara muito mais velho do que eu, e que muito estuda filosofias orientais, bacana de tudo, repetia e repetia para uma amiga em comum que o caminho da lógica só chega a isso, sempre, desdobramentos de uma mesma lógica. que se começar a perguntar / nunca vai parar. e por isso, atenção, desdobre-se em silêncio.

eu entendi. eu entenderia sempre.

mas não concordei. eu concordaria antes.

mas cessar-se como um astronauta sem viagem?

por isso, repito, um samba sobre o movimento, de volta pra nós.
no próximo post vou tentar explicar esse título.
ass: mãozinha.

19.8.09

abro as retinas dos acordes, então

agora parece que são paulo se abre lentamente
e tudo que está sendo dura mais dois segundos a mais do que durava
deixei o taxista parado minuto eu vendo no farol aberto tudo
me contando uma história
só porque ele queria contar
a história da juíza que tem o filho drogado / não é só gente pobre que cheira-cola
e no vidro as gotinhas da chuva que veio a luz dos postes
e minha mão sobre a minha barriga cheia
e o ritmo dele era da idade, as folhagens da Artur de Azevedo,
o couro do rádio-táxi
bom gente que se depura até conquistar a originalidade do ritmo
bom quando consigo ver as outras pessoas definidamente
deixar todo mundo ser, fluido mistério sempre há de pintar por aí

não sei o que vai ser
nem me importa crer em nada
porque como eu vou explicar o que eu já sei?


tantas vezes tão fundo e retroceder
ele que é como o mar

nem sei
já que sempre vou viver vivendo que só sabia um pedaço, um mísero pedaço

11.8.09

10.8.09

eu estou aqui, 3 horas da manhã, completamente apaixonada.
poderia escrever um romance, não fosse a matéria voando.

8.8.09

amor

na real, não dá pra ter coragem só no texto

-

é isso que me assustam algumas coisas que eu escrevo e depois leio eu me pergunto "então eu já fui assim?" e porque eu deixei de acreditar que eu já fui assim?

-

meu cachorro está morrendo.

2.8.09

hecho

30.7.09

notícias do equilibrista

uma vez um grande amigo, mais velho e sábio, que recentemente perdeu a mulher, me perguntou "como é que você vê o mundo?" e eu, em vez de responder, "a cores, ou nas cores que acredito serem cores, porque afinal saber um fruto é comê-lo" ou qualquer divação honesta, porém arbitrária, respondi "o mundo pra mim é um espetáculo".

nesse momento, eu me sinto a dona do cabaré, atrás das cortinas, puxando as meias finas pelas pernas das meninas. é claro que está tudo em cima da hora. no máximo se tudo não ficar pronto em tempo, eu viro pro x lá segurando o copo na abertura e digo "pô, x, deixa aí o vinho e vem segurar essa escada" .

é isso, gente, animação, fogo e maestria.
ou arrancar esta fantasia.

26.7.09

hoje a gente começa a montagem mesmo da exposição. por mais que esteja (quase) t udo projetado, programado e pensado, estou entrando de costas e no escuro. quem está pleno, não cria. não há risco sem abismo. nem criação sem risco. atravesso de costas o tato das minhas costas.

e quando eu me lembro de um rosto, como se o futuro estivesse num traço de lápis, num sorriso de alguém, penso: os bastidores são o palco.

e nada mais do que escrevo faz sentido

:::

há certas inegáveis

:::

inegáveis horas de amor.

:::::::::::::::::::::::::::::::::::::
aqui em cima
uma trilha
para os cegos

de amor, sobretudo.

25.7.09

virei um morcego uma asa delta
o que importa o areal, a morte e a desventura

aprendi tudo que eu sei sobre o rock and roll antes do que com ninguém foi com caetano veloso. caetano veloso nasceu em santo amaro da purificação, um ano antes, em Cosmópolis. não ouvi o último disco dele. não ouvi todos os discos dele.

quando eu não sei para onde ir ou me esqueço de quem tenho que ser
a única coisa que mesmo funciona é ouvir o caetano veloso

esse rapaz, teve uma vez, que eu fechei os olhos e era um trapezista vestido de verde que ria os jasmins entrando pelas narinas saindo espinhos das mãos misturando palmas com espinhos que ambos não se feriam de tanto sangue que tinham

e ele ou alguém ou a bailarina com o cavalinho e a estrela na ponta do bastão atravessavam aos ciclos o céu. e esse rasgar de asa de balanço vindo do céu, o circo da minha vida estrelava, eu me alagava entre os seres mas lhe tinha lhe tinha e ia indo.

um dia eu chegava. um dia eu voltava. um dia (ou muitos) eu estava. partindo.

depois inventei os textos, continuei entrando em meia dúzia de táxis.

eu vou te dizer o quê?

que é a coisa mais linda de todas?

acho que entre essas duas coisas está o que eu quero de mim mesma

daí vira meia dúzia e fala que ele decaiu que ele já era que ele ficou chato que ele

ah poupem-me meia dúzia de fulaninhos virando amassar de jornal

adeus, vou lavar o rosto.

23.7.09

12 exemplares em exposição




o projeto em que desde setembro do ano passado estou com tantos que eram 12 que hoje já são uns 25, 30, será apresentado em exposição
estou cheia de riscos e amores
vou dizer: amplia o convite e descobre lá.

19.7.09

os guardas dormem na fronteira

De repente manifesto
a gente

vai se voltar a um outro escalão:
montanha, névoa, marulho, o metrô que é o nosso trovão

então você acha que os cantos estão mudando de lugar
mas é a gente que vê os homens constrangidos da cidade

e tenta: enseada sobre asfalto, essa manhã,
porque tudo que é, é o nosso

estou no ponto pro Jardim da Glória, lendo a realidade
cientistas descobrem Alpes submersos na Austrália

na contracapa um coração selvagem pela metade
o cheiro de perto do sal um potro de pulmões novos

e o mar, ah oceano cavalgadura,
absolutamente estrangeiro a mim nesse interior sem tamanho

eu juro que esse túnel não acaba
estão nos levando a um lugar de verdade.

16.7.09

hoje

eu tive que arranjar um dois copos de café/ um bilhete de identidade d'um português/ cozinhei um lombo com sal grosso/ inventei um nome / recebi um presente eletrônico / um amor em folhas de liz/ maria bethânia canta roberto / o cabelo sujo deixei / um telefonema de obrigado por me levar adiante / do supermercado, o açúcar / recomendei um hotel/ me gritaram um aluguel / juro que eu não presto/ inventei um nome / tomei um tylenol/ pra conseguir fazer o mais difícil até agora / escrever / me sinto indo pra escola / não sei como vai ser voltar / agora que eu me divirto / três malinhas do meu meu irmão / mais o velho álbum de fotografias dos hansen / minha casa de infância foi vendida / vim ver meus gatos não me ligam / a vida a rosa o som/ se um carro q'eu fui, viajei.

12.7.09

vale dois

quem sabe brincar de telefone sem telefone
CANÇÃO DE BERÇO

O amor não tem importância.
No tempo de você, criança,
uma simples gota de óleo
povoará o mundo por inoculação,
e o espasmo
(longo demais pra ser feliz)
não mais dissolverá as nossas carnes.

Mas também a carne não tem importância.
E doer, gozar o próprio cântico afinal é indiferente.
Quinhentos mil chineses mortos, trezentos corpos de namorados sobre a via férrea
e o trem que passa, como um discurso, irreparável:
tudo acontece, meninina,
e nada fica nos teus olhos.

Também a vida é sem importância.
Os homens não me repetem
nem me prolongo até eles.
A vida é tênue, tênue.
O grito mais alto ainda é suspiro,
os oceanos calaram-se há muito.
Em tua boca, menina,
ficou o gosto de leite?
ficará o gosto de álcool?

Os beijos não são importantes.
No teu tempo nem haverá beijos.
Os lábios serão metálicos,
civil e mais nada, será o amor
dos indivíduos perdidos na massa
e só uma estrela
guardará o reflexo
do mundo esvaído
(aliás sem importância).

Drummond, no Sentimento do Mundo.

- -
arde em prata.

meu destino de vitrine

estou fascinada com meu castelinho. olho o meu cinismo nos olhos dos outros. de repente o mártir. de repente o léu. vou viver numa casa de jornal como a ilana sonhou uma gelatina verde cobrindo os livros e depois dançando violeta púrpura. no cairo. cairo da minha vida/ minha infância perdida. posso ficar aqui até amanhã. depois vou ter que ir. dizer: adeus. na hora do aviso prévio, meu bem, eu já perdi o ímpeto. eu vou ficar aqui sentada e vocês vão estar esperando alguma coisa acontecer e daí pá nenhuma coisa aconteceu. tipo estalinho de vela de bolo. a gente aceita. a cada um cabe o morango que lhe dão. ou que consegue? a sorte existe? porque agora eu descobri três longos trânsitos de saturno: depressão, pobreza, falta de cabelo. vou começar a passar queratina em dinheiro. gente, agora só em euro. eu vou dizer: que merda. deviam inventar uma língua só pro euro: e nela dizerem: "que merda de euro". nada de ovos orgânicos, frescoball só daqui 100 anos. e os meninos a tomar gelado/ na nuca/ na testa. vovó mesmo que me perdoe. vovó disse pra mim aos 87 anos que aprendeu aos 75 que o mais importante da vida são as emoções. foi o chapéu que a vida deu nela. a vida sem aviso prévio, saca? a vida meu amor/ a vida meu amigo/ pode ser bem uma espiga de milho. num sex shop uma vez eu vi um milho que era um telefone, mas que na verdade era um vibrador. um microfone eterno tocando billie jean em cima da minha tristeza. de repente vem alguém e diz pare. daí eu digo solidão não é nada/ depois disso/ nada é nada. eu não tenho nada a ver com isso. vou te dizer o que me disseram: imagina se a lua, meu amigo, a lua, sabe? imagina se a relação da lua com a terra puxa o mar, sabe o mar misteriôso mar, de embalar doçura e medo, mar mar mar mar mar mar mar mar (a palavra mar encadeada parece um endossamento de elefantes sobre a aldeia índia) mar é a lua quem te puxa. teu corpo imenso, imagina meu corpo, honey beibe, não sei você, ma' eu tenho 75% de água. tô falando. não tem pra ninguém.

esse poema abaixo não fui eu que escrevi

- - -

texto tem que ser justificado

- - -
tirei não era pro teu bico

.

só o rock and roll pode revitalizar um espírito a fundo fatigado de si/.

radiohead alto no mato/ e eu com saudade do donato.
 

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