12.7.09

CANÇÃO DE BERÇO

O amor não tem importância.
No tempo de você, criança,
uma simples gota de óleo
povoará o mundo por inoculação,
e o espasmo
(longo demais pra ser feliz)
não mais dissolverá as nossas carnes.

Mas também a carne não tem importância.
E doer, gozar o próprio cântico afinal é indiferente.
Quinhentos mil chineses mortos, trezentos corpos de namorados sobre a via férrea
e o trem que passa, como um discurso, irreparável:
tudo acontece, meninina,
e nada fica nos teus olhos.

Também a vida é sem importância.
Os homens não me repetem
nem me prolongo até eles.
A vida é tênue, tênue.
O grito mais alto ainda é suspiro,
os oceanos calaram-se há muito.
Em tua boca, menina,
ficou o gosto de leite?
ficará o gosto de álcool?

Os beijos não são importantes.
No teu tempo nem haverá beijos.
Os lábios serão metálicos,
civil e mais nada, será o amor
dos indivíduos perdidos na massa
e só uma estrela
guardará o reflexo
do mundo esvaído
(aliás sem importância).

Drummond, no Sentimento do Mundo.

- -
arde em prata.

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