25.12.08

guantanamera

No sonho que o paul teve nesse natal morria ele no lugar do john uma injustiça as cinzas não incendiarem raízes de alguma orquídea filipina um terror ninguém aqui pra me dar a mão ao entrar na terra

E os redondos óculos que nunca usei pousam enquanto meus olhos fechados esperam ainda sobre o criado mudo ao lado das pílulas e do telefone branco desse hotel como vou conseguir o telefone da yoko? já faz tempo também

Paira essa nuvem de piano o paraíso é mesmo como eu branco tocando imagine sem o rancor do homem de lugar nenhum eu nunca mais esqueceria esse acorde todos os meus problemas de repente numa pá de cal

E a sonolência me fez perceber que não era tão difícil assim ser um beatle morto havia anos o fim do vietnã, os cotocos de homens voltando, os flashs de cameras mas espera eu sei que foram eles que mataram diana,

Vestido de caçador debaixo da chuva da xícara de papel estou com essa palavra enterrada e os cabelos crescem como jornais e prudente amanhecer certeza devia ter morrido

Era o amor anfíbio da água parada e era todo e aquele que usasse uma guitarra e cantasse um canto ameno e que não fosse um anjo e que não tivesse um rock and roll

24.12.08

quem me dera

hoje todos os que conheço estão com os seus, ou estão fazendo questão de não estarem. mais uma vez acordei de um jeito que a única coisa que me interessa é o mar. não sei mais escrever.

23.12.08

terra estrangeira



essa cidade que eu plantei pra mim
essa noite, tive um pesadelo. não sonhava assim desde a suíça. dessa vez não acordei berrando. e ao abrir a janela não havia montanhas para olhar, mas os prédios, não sei quais lições de duração eles podem me trazer.

sei que o sonho era o seguinte: havia uma grande estrada de terra, era de noite e eu andava por ela sozinha. não tinha medo. de repente passava um ônibus com toda a minha família dentro. alguns estavam de pé, animados. não me viam. e eu pensava que precisava segui-los e subia a colina adiante correndo correndo e correndo e o ônibus da minha família subindo subindo e eu atrás.

subia tão alto que parecia a estrada do castelo dos mouros em sintra. numa curva perdi de vista. quando cheguei lá em cima, arfando, encontrei um grande casarão todo fechado e o ônibus parado, todo vazio e incendiado. de dentro do casarão latiam cachorros e sem vê-los eu sabia que eram pastores alemães. voltava até a estrada e a noite era muito larga. eu estava sozinha.

do chão peguei várias pedras, cascalhos e comecei a atirar no horizonte da noite escura. atirava a pedra contra a noite e berrava. muita raiva. alguma coisa me dizia que se eu voltasse pela estrada encontraria-os. mas isso, só conseguia pegar as pedras e atirar em direção ao nada. não sei porque, mas só essa parte se parecia com um pesadelo.

amor de dupla

eu sou o chitão
ele é o solimões

22.12.08

21.12.08

a árvore do desejo

meu pai ia até cotia e comprava em algum recanto do fazendeiro ou loja de planta um pinheiro de natal num vaso. levava para casa e eu gostava quanto maior ele fosse. se precisasse de escadinha pra pendurar os enfeites, melhor! era disso que eu ia falar, de como gostava de uns dias antes do 24, puxar para pisar a cadeira de couro de grupo escolar do estado e tirar do armário a caixa de enfeites. o papelão a cada ano mais esgarçado e os enfeitinhos, como meninos empoeirados. e em frente a nova árvore que continuava sempre o mesmo pinheiro, pendurava os decorativos, bolinhas de metal, bonequinhos de madeira, casinhas de cerâmica.

até que veio um ano e alguém me deu, antes do natal, uma caixa de pequenos tsurus brancos amarrados em linhas e eu os pendurei dezenas pelas linhas nos galhos. não me lembrava disso quando fazia os tsurus de papel com dedos de vidro na biblioteca pra esquecer um amor esquecido. às vezes as linhas arrebentavam e eu só amassava os passarinhos, jogando-os no fundo da caixa com os estilhaços das bolinhas de metal muito fino.

teve um outro ano, ninguém olhando, num impulso arranquei a tomada de energia elétrica das luzinhas coloridas que piscavam no pinheiro e enfiei na boca, chupando. tomei um choque! na boca! meus lábios grudaram um pouco. não sei o que aprendi ali e nem quanto isso me marcou. foi horrível e tive vontade de rir. acho que, em verdade, dei um grande riso.

20.12.08

mutismo

o mais estranho nesses últimos dias não é o tempo, é que não tenho sentido nenhuma urgência da escrita. mas quanto mais isso me acontece, menos a palavra me deixa dormir.

resolvi sentar essa tarde aqui contra a insônia.
e a flora perseguindo os mosquitinhos que se refugiaram da chuva.

- -

17.12.08

terra

ou estou aqui sentada no mesmo lugar em que me sentei. quando? poderia dizer, lia um livro ou outro, passava as noites com quem, mas, não há. não há nada disso. nem os pés são os mesmos. cada época mutante, cada uma um modo de escrever diferente que existe, vai na minha frente e quando quase o alcanço, gira-gira. sou toda uma série de gerações. performática, silenciosa, cinzeiro. diferença entre a da poesia e a da crítica? somos duas. há muito vejo engenhismos. um ruído de roldanas que hora ou outra me impede de dormir.
ou saudades de alguém no meu corpo. enquanto isso, ausência, só ausência. e a pessoa desmedida em ser um buraco. não sei qual das duas não acreditava na existência do amor.
ou uma menina se levanta e pega a terra vermelha da poça e espalha pelo dedo indicador, atravessa a rua angular do antebraço com um risquinho de índio apache: o tracinho: confia, diz-me mãezinha. confia que tuas palavras sabem o que são: lagoa que vai dar em rio. se divertem alheias, não te desprezam como as do poeta, essas são tuas, não riem de ti, estão aos bolsos: existem. como também confia, confessa que achava que vinha da gente, mas não, chuva não são palavras, muito menos nossas, e não importa para elas, uma hora atingem a ilha de carne, um terceiro uso há de ser criado, mudo, enquanto não for hora de partir. agora isso é , só uma margem redonda, daquilo que chamam água.

16.12.08

how to be free



like the birds, like the bees

14.12.08

um ano do cão

Sou para mim mesma como um cachorro
às vezes o chamo de filho
e rolo a bolinha vermelha,
nem sempre ele vai atrás,
embora no escuro me rangendo
os dentes baba, é um estúpido,
late e rebola a cauda pras visitas
Desconfio que é ele quem rói
cebolas pela casa gota a gota
e de manhã a camareira do seu
hotel limpo com o kleenex gasto
Passo semanas sem vê-lo
embora na mesma sala empilhe papéis
jogos de montar, enquanto ele,
esquecido, dorme
Nunca a céu aberto
é um cão de compartimentado
na estante das vértebras é um peito
porta-porções fraterno largo
não ao amante todo meu cão é cruel
afeto, de fazer destino contra vontade
Embora finja, às vezes, a loucura dos mendigos
não sabe suspeitar a chuva
nem nunca confunde trovões
com estrondos nas noites de festa
quando ao longe ouvimos os artifícios
eu sorrio, ele tapa as orelhas caídas,
O cão é com quem atravesso a rua no colo
no momento de ano-novo
na noite de reveillon
da cidade em que nasci
É tanta luz dos nossos olhos
que dele no céu se confundem
às vezes o fogo cão me cega
e eu lhe sigo, em órbita
a lambida na minha mão pois
se do mar fosse marujo, lobo
o sul nossa estrela e cruzeiro
a sua língua é uma onda
a dobrar ternura sobre meu dedo.

8.12.08

história natural

ele pode até gostar dela
mas que sei eu das minhas próprias mãos?

5.12.08

amor

CENA DE SANGUE NUM BAR
DA AVENIDA SÃO JOÃO

4.12.08

d.C

sonhei com o real
sexo
& jesus cristo
coisa e tal

dia desses chego
a ser uma coca-cola

imaginação =
coleção
de imagens

?

tô adiante da minha memória
esse é o problema
horas de amsterdam e horas de lisboa
o relógio da cozinha com o horário da holanda
na 25 deve ter o de taiwan
agora, eu, outdoors dos olhos
vou até a bienal
comprar um jornal

2.12.08

amor

não sinto nada
é a lama é a lama
é ele quem vai partir
fico entre os escombros
mulherzinha na caçamba
a noite se estende cor
de rosa um céu mórbido
a umidade abafa o ar
como calços numa porta

1.12.08

amor

estou grávida de ti estamos a ver os patos a coachar e os marrecos correndo as canelas dos bandidos e na hora que estou quase parindo você me olha à meia luz e diz: ESTOU CERTO DE QUE O FILHO NÃO É MEU SUA MENTIHOROROSSSA e vai embora batendo a porta e apagando as velas depois sou eu que fico com o coração batendo abandonado vagabundo feito tatuagem vagabundo

29.11.08

hiato

lembrei de ser criança e montar cabanas por aí, sabe? no jardim, tentava muito, durava pouco. dispersão. morria de medo do jardim de noite e dos cantos escuros de dia. mas de dia, bem no centro, que é que tinha? um sol umas vespas a pedra quente. nunca ninguém me ajudava e eu não era destra direito.

e também de que a primeira percepção que tive do mundo como as que tenho cotidianamente era a de me esquecer do que ia fazer. isso bem no meio. deixava o quarto ou saia do jardim (todas as minhas memórias de infância são na casa?) e tinha que ir até outro lugar. no meio, esquecia-me.

no geral notava-me o esquecimento, ou era essa dispersão alegre de mil coisas. um dia percebi que se percebesse e voltasse ao lugar da onde havia saído, no meio do caminho, ou no lugar retornada, me lembraria do impulso que havia me levado pro outro lugar. poderia recuperá-lo, fazer. desde então vivo de trechos e de contornos assim.

Mensagem

Ter é tardar.

(Pessoa, Fernando.)

leia também:

25.11.08

suposições

1.

Se pelo menos tivesse nascido mais velho. Podia ao menos, com o pé em cima da máquina exclamar: sou o cavaleiro do aspirador de pó. Isso com a tolha vermelha nas costas. E os ossos magrinhos no raio-x. Mas, vênus em fúrias, essa mulher sem cabeça pra vida. Fantasiava. Tinha uma herdada do irmão mais velho, de astronauta, que a mãe só lhe deixava usar pra lavar louça. Era a compensação de não ser menino. Nem sabia porque queria isso. Mas veio de tão antes que sumiu. Foi bem antes de você aparecer. Foi na época que sumiu bem antes de ser alguma coisa mais além do que uma mulher. Foi só quando você apareceu que comecei a me sentir sozinha. Não consigo visitar ninguém.

2.

Cheguei da fazenda pensando. E esse pensar, se ficasse no pensar, era uma coisa. Mas quem não tem destino e pensa, desdobra a existência nesse pensar. Pensei: um problema de existência carece então de teorização. Fui aos homens. Estou indo com eles ainda, não digo muito mais. Fui cair na teoria dos homens, mas discordo de tudo ou plasmo sem sinceridade. Poeta também não tem mais. A única coisa que me interessa é ficar vendo me devolverem as coisas.

3.

São fictícios os números dos títulos.
O mundo dos homens assim me recebe a convicção.

4.
Se pelo menos tivesse nascido mais velho.
Caia maduro da mãe.

5.

Sim, avistarei. A ti também. Avistará.
O que me intriga não é de vermos, continuemos, corredores.
A dúvida feroz está no fazer o amor.
Enquanto isso tento arranjar alguém em mim que cuide de ti aqui.

6.

Se pelo menos tivesse nascido mais velho.
Mas nasceu morto. Caçula que era.
Um abortado: menininho já era?
Ou ainda somente uma porção de treva de carne?


7.
AMOR:

lago

só nadei na superfície
o fundo do lago ficou lá

eu precise voltar
ao lago

lago

tem uma pedra do lago
no bolso do meu jardim

esférica

não diz nada

- -
fica decretado que
esse blogue assim volta a ser um blogue

de inéditos inesperados e confusos
textos

que é assim que eu gosto
fico olhando minha máquina de escrever como se estivesse de férias. ela foi viajar sem mim mas está aqui na minha frente. não ouve e ouve. gilberto gil em londres. pale blue eyes, after hours, i'm waiting for my man. smiths.

agora sofro que tenho que fazer mil coisas e só consigo olhar para uma foto de clarice. antes tinha uma perto de mim. agora são três. nem gosto tanto dela. tem algo que não entendo.

contando do fim de semana:

vi um lago dormindo
nadei na manhã do lago

afundei
o lago

os dedos
no lodo

está tudo
em dois
tempos


disse
agora gruda um dedo
agora não sofre mais

24.11.08

amor

você faz da ausência
um arte do retorno

21.11.08

amor

você tem que entender:
eu sou a doença.

20.11.08

amor

como os cegos em Lisboa
esse sapo só aparece para mim

19.11.08

amor

deseja salvar as alterações em amor?

sim não cancelar

18.11.08

amor

17.11.08

amor

ontem chorei por causa de um passarinho. às vezes acontece da vida entrar pela janela uma história da clarice. um passarinho do tamanho do meu polegar entrou entre as abas da janela e caiu no fosso em que elas se guardam. ficou preso lá dentro. às vezes suas asinhas batiam fazendo schuif schuif schuif. se eu abrisse a janela completamente o mataria esmagado. demorei a entender que ele era tão pequeno e que chorar não adiantava-nos nada. perguntava-me assim: o que tenho eu a ver com a vida desse passarinho que veio cair na minha janela por inexperiência? me respondia, tenho tudo a ver com ele e nada dele me diz respeito. mas é a vida, né, então fiz de tudo. bambus, varetas, lanternas, cestinhas, farelos de bolacha para mantê-lo vivo. deixei-o até muito quieto. não havia como abrir o fosso da janela sozinha. precisava de mão de obra especializada. hoje de manhã vieram salvá-lo, o pedreiro que já havia consertado essa janela uma vez pra mim. ele abriu e eu peguei o passarinho na mão. apavorado. vôou. estou só agora, sem o passarinho.

amor

decido não tomar mais medidas dos cômodos
vou me mostrando como as palavras não encostam nas coisas
e as coisas estão livres

tão livres que só o ar

quando eu era pequena achava
que não se devia tomar banho nos dias de chuva
que era uma redundância.

você quer que eu pare com esse papo de amor?

16.11.08

15.11.08

amor

querendo comprar uma quinta e uns patos
ficar vendo os patos e dá-los de comer aos filhos

13.11.08

amor

por mais que tentasse, não conseguiria.
o amor não consegue destruir nada.

9.11.08

amor

tenho medo que as palavras
se percam na mandíbula

mordo cadernos

8.11.08

amor

Queria que tua mão me guiasse no escuro do mundo.
Mas tua presença me aclara.
Fiquei confusa.

trocando em miúdos

Liberação.
O sudoeste é favorável.
Quando não resta nada a que se deva ir, o regresso traz a boa fortuna.
Se ainda há algo a que se deva ir, apressar-se traz boa fortuna.

Esta é uma época em que as tensões e as complicações começam a ceder. Em tais períodos é necessário retornar o quanto antes às condições normais _ este é o significado do sudoeste. Tais épocas de mudança repentina são muito importantes. Assim como a chuva provoca um alívio nas tensões atmosféricas e faz com que todos os brotos se entreabram, assim também o período da liberação traz um alívio ao que estava sendo oprimido, e um estímulo à vida. Mas uma coisa é muito importante: nessas épocas não se deve levar o triunfo a extremos. É conveniente não se procurar avançar mais do que o necessário. A boa fortuna aqui consiste em voltar à normalidade da vida assim que se alcança a liberação. Caso ainda restem resíduos por eliminar, é recomendável providenciá-lo o mais rapidamente possível, para que tudo seja esclarecido e encerrado sem demora.

7.11.08

anexo Madrid I

----- Original Message -----
From: "Jose " <>
To: "Júlia" <>
Sent: Wednesday, November 05, 2008 9:16 PM
Subject: Musica y otras maravillas

Magnifico video ese de cayetano veloso...excelente...gracias. Hola Juliah, como te dije estoy en guatemala visitando a la familia, pero sobre todo a Tikal, la ciudad maya precolombina del periodo clasico que siempre quise conocer...estoy a la orilla del lago peten itza, en un hotel de trasnochado romanticismo. En cuanto regrese a Londres te escribire como debeser. Ahora solo te adelanto que tambien estoy ocupad con una entrevista virtual que le hice a Sergio Ramirez, escritor y expresidente de Nicaragua durante la revolucion sandinista...es un buen tipo y la entrevista salio bien. Sera publica en la revista virtual enla cual escribo.Te enviare la direccion web en su momento.
Gracias por escribirme y no nos perdamos.
A ratos no entiendo bien tu portugues pero es mi torpeza...
te recuerda mucho y con mayor carino cada vez,
el trotamundo jose....

5.11.08

i think i need a new heart

tenho deixado para ir ao supermercado de manhã cedo, quando lá só há velhazinhas demorando nas filas. fico olhando as corcundas delas. mas, antes, no caminho, havia um fiorino parado na esquina, todo encarnado de amarelo e vermelho e verde: morangos. e em cima do reclame escrito bem grande: EU CREIO EM DEUS!

pensei, será que seria mais fácil se eu também num deus me apegasse?
depois pensei no meu método auto-destrutivo preferido: puxa vida, será que posso amar uma pessoa se não sei nem se ela acredita em deus ou não? tratando amar e deus como se fossem questões superficiais. só então notei que não que não posso garantir que nenhum dos meus ex-namorados acredite ou não em deus e que mesmo meus pais, quem saberá? porque a gente tende a acreditar que é todo mundo ateu & com uma vida sexualmente ativa. ou que no brasil é tudo sincrético & descabido.

mas por fim, que catzo alguém que crê em deus com segurança precisa escrever isso em cima dos morangos?

- -sei lá
justo eu dizendo isso, que preciso escrever coisas como: anda me faltando lucidez e sobrando corpo.

tudo posso naquele que me fortalece
(outra frase enigma para vocês)

alegria, alegria




suéter-rolê laranja

4.11.08

strike a poet

tiro fotos da minha casa até acreditar que ela é uma cidade
sigo abraçando cadeiras entre o olhar imperativo dos gatos
à mão que afaga esta solidão a materialidade dos discos ajuda
no colegial me chamavam de menina de outra época
meu pai dizia que minha avó era uma mulher antiga
isso resume pra mim toda a arte contemporânea
de repente ganharam o medo de dizer coração
é preciso paciência e a sensibilidade de um peixe

devem me ver como um dragão rasante, os miados
num abraço a gatinha tem fome e cheiro de ser vivo
pela primeira vez em um mês deixo a sala
é mais fácil o mar abrir em dois do que inter-
romper o trânsito é por isso lembro não saio na rua
meio-dia sou o Torquato de colar de contas descendo
as delícias de aves nas mãos o cabelo imundo no sol
de quase dezembro uma mãe me olha saindo pelo corredor

até o portãozinho de aço range com a filha pra escola
a mala de rodinhas, vergonha não é a palavra
finalmente, virei artista os dedos sujos de tinta branca
e o uniforme azul-marinho de dias embora a seda
tenha rasgado só consigo desafinar o coro dos contentes
me alimentar de drogas pra me manter escrevendo,
acordada e cansada e insuficiente, essa melodia
o texto ao fim e não reviso it's friday I'm in love

3.11.08

cacete novembro!

1.11.08

Madrid - Parte 2

Eu fui a Madrid uma outra vez, com meus pais. Foi na época do meu aniversário de 7 anos, ou seja, bem no começo de 1991. Também estava vindo de Portugal, de Marvão, e antes ainda, da Serra da Estrela, onde tinha visto neve e, mais, comido a neve num ímpeto de ter as coisas pelo estômago. Tenho sonhos às vezes com aquele dia, eu usava uma bota de pêlo amarela, um casaco cor de rosa pink e umas orelhas-tiaras daquelas de pelúcia, cinza-coala.

Quando eu tinha uns dez anos pegaram os posters que havíamos comprado naquela viagem e resolveram emoldurar. Eu tinha escolhido um recorte de um rosto de cavalo num fundo negro, e tal imagem foi parar no meu quarto de paredes cor-de-rosa. Durante anos tive na minha cabeça que del Prado era uma cidade espanhola, da onde tinha vindo aquele poster. Na oitava série, quando minha professora de história de nome italiano escreveu Guernica na lousa e nos mostrou a imagem foi como se começasse a tocar um rolo de filme sempre com a mesma foto. Nesse reconhecimento havia algo de orgulho. Foi na época que comecei a me interessar por histórias de guerras, disputas e lutas num geral. Plutão que transitava o meio-do-céu? Ficava com os pés para cima na parede amarela, meu quarto era novo, o de frente da casa, do mesmo tamanho do quarto dos meus pais. Fumava marlboros que roubava do meu pai, ouvindo os Caetanos de dentro do armário descobertos, olhando o busto do cavalão e vivendo todo o senso histórico que alguém de quinze anos pode sentir. E meu quarto a todo momento se tomava por cinco, seis amigos (como cabia tanta gente?), alguém me disse que achava feio meu poster, querendo dizer bruto. E o Duda, sempre interessado nos desenhos, dizia que a língua dele parecia uma lâmpada, uma lança. Uma noite deitados na rede da sua casa, onde hoje não se pode pisar porque a varanda está ruindo, combinamos que estaríamos em Londres dali quarenta anos, abrindo arquivos nunca abertos sobre a 2a. Guerra. Durante anos li e assisti tudo que me apareceu na frente sobre o assunto.

Bem, voltando ao Prado onde estávamos, meu amigo me re-encontrou na frente de um Goya mais ameno. Eu disse a ele tengo ganas de mirar Guernica. E perguntei a mulher que vigiava a sala onde estava o tal Picasso? E ela, ligeiramente troçando do meu turismo barato, disse:

-En el Reína Sofía,

Mas como? E o meu poster? Museo del Prado, está escrito. E era segunda e o Reína Sofía estava fechado. Ah, como a vida é toda feita de desenganos, desencontros, atrasos. Nos perdemos dentro do museu procurando o guarda-volumes. Meu amigo fez uma dancinha de deslizar pelo meio de um dos corredores e carinhosamente entendi do estereótipo o que era a felicidade com que ele havia exclamado na noite anterior somos latino-americanos. Pensei se eu, mimética do jeito que sou, depois de viver vinte anos na Europa como ele (na Alemanha e na Inglaterra, note-se) saberia manter tal festividade clara ao alcance dos meus passos.

Era mais de meio-dia quando deixamos o Prado. Na calle me falou mal das regras de atravessar a rua dos alemães e me convidou para almoçar num restaurante perto da Puerta del Sol, onde havia comido no dia anterior. Eu estava cansada de comer qualquer bobagem, mas não tinha dinheiro. Fui clara, disse que não tinha. Me perguntou se eu já havia comido paella, eu nunca em Espanha! e fomos. No caminho ele parava a cada quarteirão pra perguntar a alguém se estávamos no caminho certo. Descobrimos aí que tínhamos o mesmo signo, capricórnio, e ele me cumprimentou com uma das mãos. Pensei se isso era algo de se parabenizar. Ele me disse do sonho que sempre teve de viver em Paris. Contei para ele sobre as livrarias de Buenos Aires, todas em castellano e as ruas com algo de Paris. Animadíssimo, me disse que seu livro preferido era Rayuela. E que seu avô era boxeador e poeta. Eu disse só faltava ouvir Chet Baker.

A paella estava grassa, pero buena. E, entre convites do garçom (!) para sair com ele numa festa de noite, juro por tudo, naquele almoço ouvi a história mais impressionante que alguém já me contou da própria vida.

31.10.08

Madrid - parte I

Nunca senti tanta angústia como em Madrid. Não logo quando cheguei, vindo de Cáceres e antes ainda, de Marvão, não. Sentia uma alegria tremenda com as cores das roupas espanholas e de ouvir uma língua estrangeira, en Lavapiés um homem berrou da janela, num robe de seda laranja:

-Víctôôr! Víctôôôr! - eu estava em um Almodóvar e mucho me gustan todos los Pedros.

O Victor apareceu correndo com um poodlezinho branco no colo. Jantei um iogurte, liguei para o Brasil com um cartão que comprei no mesmo chinês. Do lado daqui ouvi dizer que a minha voz estava boa, solta. Fui para o albergue, ainda não tinha visto o quarto. As camas eram tão da altura do chão que se aparecesse uma barata. Não me preocupo com isso. Deitei embaixo da janela, uns 30 graus às 23h. Não davam o lençol de cima na diária. As estrelas piscavam. Uma menina da Colômbia escrevia no laptop sobre variações lingüísticas para um congresso no dia seguinte. A datilografia me acordava. Levantei pra rua. Noventa por cento dos prédios desço pela escada.

Quase no segundo andar, alguém me ultrapassa pela escada e diz:

-mira, tu sapatillas,
-no, son los sapatos, son las pantalonas,
-Éres madrileña?
-yo? con mi portuñol?
-portuñol, que eso?
-soy de Brasil
-brasileña?!? yo soy latino-americano!
puxavidaencontreiummala e continou
-soy de Guatemala! que hacés para vivir?
-hm, yo terminé la graduación en letras,
-jura?!? yo soy escritor

- -
Num sumo de manga naquela noite descobri que no mesmo prédio do albergue havia o hotel em que estava hospedado, cobrando por um quarto de solteiro dez euros a mais do que o sujo albergue em que eu me encontrava.

A partir disso, Madrid foi a mesma. De manhã nos encontrávamos no hall, brioches no café, e íamos para algum museu. Depois do almoço voltávamos, eu delicamente explicava que necessitava de ficar sozinha por algum tempo e na hora do jantar saíamos juntos novamente. Fazia uma semana que ele tinha vindo de Londres, pra comprar livros em castellano e eu havia acabado de chegar, mas minha intimidade com mapas e sistemas de transporte (estratégias de ocupar o pensamento em geometrias de uma cultura alheia) fazia com que eu nos guiasse pela cidade desconhecida.

No Prado me contou que não gostava de Almodóvar e que havia sido expulso com um tapa do colégio interno na Guatemala, tendo até que mudar de cidade para poder estudar. Um cristo de El Greco lhe fez lembrar isso. A escola era católica, claro, e o menino de quatorze anos estava virando comunista. Isso no fim dos 60, acho. Las meninas cheio de japoneses na frente me fez fazer um discurso contra essa coisa toda de museu, vamos derrubar as prateleiras, as estantes. Meio intrigado ele sorriu. Enquanto andávamos atrás de um Bosch se contou um leitor de Hauser. Estávamos na ante-sala do Goya e eu disse "nunca me impressionou, este, não sei o que tanto vêem nele" e caímos nas suas Pinturas Negras. El cabrón. Eu comecei a chorar. Foi uma coisa impressionante. Ele, percebendo, me deixou sozinha e foi ao banheiro.

there's nothing you can show me from behind the wall

hoje de manhã a porta do quarto batia e batia de leve com o vento, numa mesma rajada eu abria os olhos e pensava: algo como uma intenção leve, não me lembro, sintetizava o desejo no universo, mas eu estava dormindo.

estou tão distante de mim que não consigo controlar o que escrevo, ou o impulso virou finalmente um andar?

encontro uma forma,
daí começo a destruir a forma.
a luz negra dos teus olhos,
o apocalispe do pétroleo de cada um.
I leaned on the wall
and the wall leaned away.

desde que voltou a calmaria
tenho medo de arremeter.

algum amigo me olha com aquela cara de que estou transformando o bom em ruim mais uma vez. deve ser saturno. mas eu explico: é ótimo viver como um ser solar. mas cuidado, o sol pode queimar, isso quem me disse foi meu amigo guatemalteco en madrid, jose, que nasceu cinco dias e vinte e seis anos antes do que eu. disseram que eu me preocupo com idades, não, eu só as noto.

30.10.08

o último capítulo

quem vai matar ana cristina?

pro dia nascer feliz

quando presa ao ar de vidro
em vigília minha insistência desistiu
você volta num ponto da penumbra
e me pede pra que abra novamente
pétala a pétala, em favor do dia
se o mundo fosse um estabelecimento
havia de pesar com destreza na planilha
portas sanfonadas que emperram
os ferros da dor no sangue de ontem
mas pelo teu modo de contagiar os descontentes
ouço: vim pra dizer que o dia te seja calmo
e não precises retirar prazer das coisas.
em dúvida, me recoloco a escrever
porque um fardo a gente deixa aflorar
depois te falo: silencio tudo aquilo
que do meu coração não parte.

29.10.08

acabou produto

bem, agora tenho um outro blogue, pra assuntos que me pareceram descabidos neste confuso e livre aqui. mais oficial do que nosso estimado cubo de noite, o novo já está funcionando como uma central de reclames, anúncios de projetos, processos, estimas, e por uma módica quantia do seu interesse, publicaremos notas fúnebres também,

enquanto isso este samba continua igual, assim,
ad infinitum,

- -

24.10.08

Sexta-feira, Dezembro 13, 2002 ::
"(...)Tranformar-se no profissional destas conversações? Desejar apenas que aqueles que foram atingidos não se afundem demais? Fazer subscrições e números especiais? Ou então irmos nós mesmos provar um pouco, sermos um pouco alcoólatras, um pouco loucos, um pouco suicidas, um pouco guerrilheiros, apenas o bastante para aumentar a fissura, mas não para aprofundá-la irremediavelmente? Para onde quer que nos voltemos, tudo parece triste. Em verdade, como ficar na superfície sem permanecer à margem? Como salvar-se, salvando a superfície e toda a organização de superfície, inclusive a linguagem e a vida? Como atingir esta política, esta guerrilha completa? (...)"
Gilles Deleuze
ontem no corredor o professor me disse
sai dessa cidade enquanto é tempo

me vira de ponta cabeça
me faz de gato e sapato
no ato
me enche de amor

daí eu aqui dançandinho a letra
toca meu telemóvel,

boa taRde o senhor francisco pedro pedreira

eu:
sim,
sou eu.

adeus,
fui conquistar a rapariga do telemarketing

- - -

22.10.08

sem título e bastante breve

tenho o olhar preso aos ângulos escuros da casa
tento descobrir um cruzar de linhas misteriosas, e com elas quero construir um templo em forma de ilha
ou de mãos disponíveis para o amor

na verdade, estou derrubado
sobre a mesa de fórmica suja duma taberna verde, não sei onde
procuro as aves recolhidas na tontura da noite
embriagado entrelaço os dedos
possuo os insectos duros como unhas dilacerando
os rostos brancos das casas abandonadas, à beira-mar

dizem, que ao possuir tudo isto
poderia ter sido um homem feliz, que tem por defeito interrogar-se acerca das melancolias das mãos
esta memória-lâmina incansável

um cigarro
outro cigarro vai certamente acalmar-me
que sei eu sobre tempestades de sangue? e da água?
no fundo, só amo o lado escondido das ilhas

amanheço dolorosamente, escrevo aquilo que posso
estou imóvel, a luz atravessa-me um sismo
hoje, vou correr à velocidade da minha solidão

al berto,
de sacanagem comigo.

17.10.08

neil young



eu tava lá, oeiras, me despedindo do jorge,
que era bonito mas usava aliança
já tinha desistido de que ele voltassse
e esse foi o bis do dinossauro
só que de frente
;)
essa noite faltava a parte de trás do coche que estávamos. você dirigia eu ia ao lado feito motoneta. os bancos eram decorados com papéis de oncinhas, cata-ventos azuis e barquinhos de marinheiro menino. por baixo deles esfregava minha mão, tecido grosso. era bem de noite e vínhamos por uma estrada de sítio, só os faróis pra iluminar o caminho. começou a chover muito. a marcinha nos esperava. e a metade arrancada do fundo aberta continuou. de repente uma baleia passou andando. eu vi pelo retrovisor. depois a água entrou pelos vidros, molhou os papéis,
e mais nada.

16.10.08

cartilha da cura

gostava de dormir tarde quando a cidade acordava
falar de al berto cazuza reunir
chamar a cida, toda dizer:
augusto,
os homens sairam a trabalhar e eu a perder a hora dos correios nacionais
teu abraço do sinal que não abre fez uma temporada
tinha o charme de criar poemas
o assalto nas clínicas
o gato estático a olhar
a champagne tombando no chão da cozinha

depois, acordei com a faxineira, dormi nada
você quer jogar tudo pra cima
e eu tento deitar a areia desse deserto ao chão
logo fui ao google:
"casas para alugar são luís do maranhão centro histórico"
ofertas para evangélicos, o caso?
fico me vendo lá
com os focinhos na areia
escrevendo num quarto antigo antigo de uma casa antiga de azulejos
(prisão por prisão temos lisboa)
paredes descascando de verdade
quero um chapéu panamá
truman capote que
mergulha no atlântico do norte
fica saradinho

será?
meu amigo, vamos sofrer,
vamos beber, vamos ler a Rolha de ontem,
vamos dizer que a estética é ruim,
meu amigo, vamos esquecê-la como esquecemos a Seja também.

vamos fazer um poema
ou qualquer outra besteira,
evitar por exemplo uma estrela
por muito tempo, muito tempo
e dar um suspiro fundo
aiinferno são paulo
ou qualquer outra besteira.

vamos beber uísque, vamos? não gosto
beber cerveja preta e barata, detesto
beber, gritar e morrer, não quero
ou, quem sabe? beber, apenas, água

vamos fazer uma mulher,
dizer invertido: que difícil ser homem,
pra envenenar toda a paulista
com seus olhos e suas mãos
e o corpo bem mulherzinha
com um diário em mãos.

meu amigo, vamos xingar
o drummond e tudo que é dele
e que a gente vive apegado.

meu amigo, vamos cantar,
vamos mijar de mansinho o masp
e ouvir muita vitrola,
(hein?)
depois lúcidos vamos
bater a carteira dos assaltantes
(o olhar obsceno e a mão cheira-cola)
depois iludir e cair
e dormir.

15.10.08

i'll be seeing you

E essa é a razão por que
quando as pessoas se vão
(como em Alcântara)

apagam-se os sóis (os
potes, os fogões)
que delas recebiam o calor

ferreira gullar

- - -


Na última lua cheia eu estava em Lisboa. Agitada, fazendo usos, de noite queimei meu polegar com um isqueiro mal posicionado, criando uma bolha imensa que escondi com a mão no bolso na hora de passar pelo controle de imigração na manhã seguinte. Agora, se olho bem de perto ainda encontro essa ferida marcando o desenho das digitais.

Na lua cheia anterior, estava em Csopak, e fui com minha amiga Ana até a margem do Balaton tomar um copo de vinho branco tipicamente húngaro. Enquanto falávamos de como universidades e homens são iguais no mundo inteiro, eu reparei bem fundo e disse "como a lua é diferente aqui na Hungria, mais linda, mais escura" e ela assentiu com a cabeça, me olhando sempre com a cara de que ela carinhosamente dizia menina maluca. Na manhã seguinte, enquanto preparava uns ovos estrelados, ela me traduziu rindo o cigarro entre os dentes que o jornal falava de um eclipse que assistimos na noite.

Na cheia ainda de antes, estava em Lisboa também, mais exatamente na Praça da Figueira, e um amigo tentou me convencer a pegar um comboio para Sevilha na manhã seguinte. Não fomos, as promessas de uma língua castelhana se abrindo em touros para aquela lua me seduziram, mas não o bastante para partir. E eu havia combinado de estar em Lyon dias dali.

Ontem meu pai veio até a porta da minha casa e, apontando a lua cheia, disse que viu na televisão que em Marte eles têm um problema sério devido a falta de lua. Por não ter a força de atração que a Terra tem com o satélite, o tempo lá muda a cada instante, tempestades de areia quente seguidas de gelados, porque Marte não tem um eixo gravitacional e suas faces (uma circunferência tem faces?) se cambiam para o sol ou longe dele em instantes. Fiquei me vendo em Marte. Ele continuou dizendo que se não tívessemos lua os oceanos seriam sugados para fora da estratosfera. Eu disse que seria de todo modo um oceano no universo. Ele me deu o remédio que tinha vindo trazer, riu dizendo que iam traduzir hoje uma fala dele para o japonês que veio falar na Veterinária. E, meio assustado com a ironia de ser quem é, continuou: que a lua se afasta da Terra continuamente, e que parece que em 4 trilhões de anos a força de atração terá se desfeito e sabe-se-lá o que será. Acendeu um cigarro, bateu a porta do carro e foi embora. Meu pai tem muita cara de romano. Quando eu era pequena, como os gauleses, tinha medo das noites de lua cheia, achava que ela tombaria nas nossas cabeças. E acho que aprendi com ele a adorar dizer e afobar catástrofes que não poderemos ver.

uma palavra que falta

Num ano de acordo ortográfico, me parece importante constituir algum lugar de fala da língua portuguesa que reúna. Não sei se isso também te interessa. Sabemos bem, por necessidades reais mas ultrapassadas em tempos de Internet e independência consolidada, que a literatura brasileira se constituiu desde os românticos até os modernistas numa tentativa de abrasileiramento contra Portugal. Desde o projeto de "uma língua brasileira de literatura" presente no Alencar, passando pela antropofagia, o imperativo foi negativizar Portugal. Alguns tropicalistas até tentaram parodiá-los, mas sim, continuaram no registro do arremedo. É difícil sair desse registro. Temos preconceitos claros contra Portugal. Nos constituímos tanto por marcar as diferenças necessárias que agora não sabemos mais onde encontrar Portugal. O que fazemos? Rimos. O que mais se sabe fazer com são piadas. Assamos o Sardinha, passamos tanto tempo negando Portugal que agora nos são uns estranhos. Mas uns estranhos de família. Aqueles indesejados que vem para o Natal e duvidamos se neles se pode confiar, ao mesmo tempo que nos excitam com a surpresa. E, sim, é claro, falamos uma mesma língua, viva e cambiante, escusada de dizer que periférica, mas semelhante, completamente diversa e a mesma.

E, esse acordo ortográfico?, é claro que somos a favor de qualquer acordo com um outro que se respeita, mas em primeiro lugar, o acordo tenta esconder as diferenças , camuflá-las, num movimento bem politicamente correto e pouco lúcido. E, principalmente, se a intenção é aproximar as línguas portuguesas o que eliminar meia-dúzia de códigos ortográficos pode produzir de aproximação frente à décadas e décadas e décadas, quiçá séculos, de distâncias? Se querem nos aproximar tanto quanto eu gostaria que nos aproximassem, deveriam criar formas de acesso culturais, históricas, permanentes. Mas não, isso temos em comum desde tempos imemoriais, isso nos une: criar solução de tomar uma pequena medidazinha e gastar mais em dizer do que em fazer mesmo.

Temos de partida esse problema do nome da língua que os falantes do castelhano não tem. Podem dizer tanto na Argentina como no Peru ou na Espanha que falam uma língua sem vinculá-la ao nome de uma nação atual. Se calhar, um mexicano pode dizer “hablo castellano” sem que a memória ligue necessariamente o nome ao antigo reino de Castela. Para nós, no Brasil, em Angola, Cabo-Verde, etc, não temos uma solução sintética. Temos a solução dupla: “português do Brasil” ou “português brasileiro”, que continuam vinculando a língua em alguma nacionalidade específica. Mais, para um desavisado confuso, vincula a língua em duas nacionalidades. Nos falta uma palavra. Essa falta significa algum sintoma? De todo modo, não me sinto à vontade em dizer: sou a favor de uma língua portuguesa, portuguesa aqui como "castelhana", uma língua escrita em português que por conhecer as diferenças de seus vários usos expanda o uso lógico e vocabular, sintático e semântico, da mesma língua.

Ou seja: continuo lutando por um estilo.

13.10.08

oriente

se oriente, rapaz
pela constelação do cruzeiro do sul
se oriente, rapaz
pela constatação de que a aranha
vive do que tece
vê se não se esquece
pela simples razão
de que tudo merece
consideração

considere, rapaz
a possibilidade de ir pro Japão
num cargueiro do Lloyd lavando o porão
pela curiosidade de ver
onde o sol se esconde
vê se compreende
pela simples razão de que tudo depende
de determinação

determine, rapaz
onde vai ser seu curso de pós-graduação
se oriente, rapaz
pela rotação da Terra em torno do sol
sorridente, rapaz
pela continuidade do sonho de Adão

(gilberto gil, claramente)

12.10.08

9.10.08

exorcismos

Ana C:

O tempo fecha.
Sou fiel aos acontecimentos biográficos.
Mais do que fiel, oh, tão presa! Esses mosquitos
que não largam! Minhas saudades ensurdecidas
por cigarras! O que faço aqui no campo
declamando aos metros versos longos e sentidos?
Ah que estou sentida e portuguesa, e agora não
sou mais, veja, não sou mais severa e ríspida:
agora sou professional.


Foucault:

Esse tema da narrativa ou da escrita feitos para exorcizar a morte, nossa cultura o metamorfoseou; a escrita está atualmente ligada ao sacrifício, ao próprio sacrifício da vida; apagamento voluntário que não é para ser representado nos livros, pois ele é consumado na própria existência do escritor. A obra que tinha o dever de trazer a imortalidade recebeu agora o direito de matar, de ser assassina do autor. Vejam Flaubert, Proust, Kafka. Mas há outra coisa: essa relação da escrita com a morte também se manifesta no desaparecimento das características individuais do sujeito que escreve; através de todas as chicanas que ele estabelece entre ele e o que ele escreve, e o sujeito que escreve despista todos os signos da sua individualidade particular; a marca do escritor não é mais do que a singularidade da sua ausência; é preciso que ele faça o papel do morto no jogo da escrita. Tudo isso é conhecido;

- -
esse segundo trecho é para agradecer pela carona de ontem.
e combinado ao primeiro
para todos nós que ainda tentamos entender a ana
pela janela
- -

o primeiro é prum sítio
onde fecho os olhos as cigarras acumuladas
me parecem uma luz branca de cozinha
de escritório paulista
que se acendem todas juntas num zum zum
e o caetano me dizendo, mãos nas coxas, no sofá:

hoje não tem fernando pessoa!
se vocês em política forem como são em estética,
estamos feitos
eu vim aqui para explodir

esse caribe de merda, viu
nove graus na universidade
onze na heitor
tão de sacanagem
comigo.
5.
Como podemos florir
ao peso de tanta luz?


Eugénio de Andrade

5.10.08

pirataria já

- -

a cidade é uma manobra de erros
onde o condutor perdeu os dedos
umas deusas se suicidam
de uns bustos de mármore
naquela escadaria
vou te saquear todinho
aaah gritos a prataria
mamãe dê adeus a louçaria
e a mãozinha acenando

2.10.08

Passo a tarde montando nos meus hiatos. Encontro textos à máquina:

Por que a literatura brasileira atravessa uma fase de caretice? De algum modo, quando alguém se bota a escrever, é necessário pensar: quais são as margens desse quadrado chamado literatura nessa língua que cultura hoje? De algum modo, de novo, quando alguém escreve nossos padrões contemporâneos também são margeados (ou não), por uma série de valorizações, colocações, escolhas, que levam, por exemplo, a pensar: ele escreve: mas escreve como outro. Como Beckett seria melhor, mas ou o autor escreve aqui como - - paródia citação fagocitose soluço, etc -- Mas se são recursos, se falamos de recursos, na mesma medida que são controláveis os escritores repõem uma medida, centralizam novamente às margens, dão uma anestesia permanente no sujeito trancafiado em bares, convivendo com pessoas que na realidade detesta, mas que nem percebe!, afinal nem isso se pode sentir, já que, somos brasileiros e o mundo é norte-americano (por quanto tempo?), o que faz, afinal que respeitemos as diferenças. e, com elas, as adversidades. Mas essa literatura faz o quê? então? ameniza?

- -
Ao mesmo tempo que sabemos que o excesso de experimentação sempre pode revelar o negativo do arbitrário. O múltiplo do arbitrário. Quer dizer, o arbitrário como múltiplo exponencial. E cresce, cresce, cresce. Feito se tivessem colocado fermento no arbitrário.

E esse arbitrário em exponencial, de tanta consciência oriental de que você poderia ter nascido naquele besouro, como aquele besouro é você, o apagamento lógico de qualquer possibilidade de escolha. Isso, ao acúmulo do junk space. Isso. Ao excesso de publicidade. Isso, ao excesso de ofertas de sabonetes que me constrange, sabão em pó, produtos de higiene geral nos supermercados. Conteremos um dia todas as pragas se nem nós mesmos? Serão mesmo excessos? Ou o Largo da Batata. Vocês me desculpem, mas eu adoro o Largo da Batata.

- -

Escrevo num limiar muito concentrado em mim mesma. As linhas disso, só a antropofagia tropicalista nos une e toda mulher é uma sanguessuga qualquer. Dou muito em diários. Mas não sei quem vive meus diários. A grande experiência dessa escrita diária é que as linhas disso são menos regidas pelo que já está normalizado em literatura. Ainda somos modernos? Queremos a forma e a falta de forma. Queremos o in vitro e também o orgânico. Queremos sobretudo não falhar. Mas falhamos. Não precisa de mais ninguém pra dizer isso. Samuel Beckett já fez o bastante. Já? O bastante? Não me faça rir. Escritórios criam posições demais estupidificadas pra um corpo de gente. Ele, que vai descendo por todas as ruas. É sério. Eu não tenho escapatória de mim mesma. É preciso virar improvável. Mas o que é o literário? o falso? o deslocado? o fora de si? Dentro de oitenta anos estaremos todos mortos. No português não há palavras sintéticas para dizer o futuro.

slow show

há quinze poemas que leio para te mostrar
abertos na minha cara
sinto o cheiro dos livros percorrendo suas sardas

aperto os olhos muito até ver quadriculado
esquadrinhar que o amor só serve pra rasuras
mas se tocar o papel não se pode trocar de ser
outra mulher outro querer como escrever

agora era como se acordar fosse neblina
e a brisa fira uma promessa de que a noite teria te apagado
como as cinzas do último cigarro caídas na cama se perderam numa palma
quinze minutos para as seis notei que a bolha queimada no polegar
na Pensão Londres quinze dias atrás se desfez

vi na previsão
chove no Brasil inteiro
todo o tempo
por quinze anos daqui para diante

como se mostra, tudo é temporário.
eu quero um vulcão para nos proteger.
25 razões para o começo de outubro
  1. Quando eu chego em casa nada me consola
  2. Você está sempre aflita
  3. Lágrimas nos olhos, de cortar cebola
  4. Você é tão bonita
  5. Você traz a coca-cola eu tomo
  6. Você bota a mesa, eu como, eu como
  7. Eu como, eu como, eu como
  8. Você não está entendendo
  9. Quase nada do que eu digo
  10. Eu quero ir-me embora
  11. Eu quero é dar o fora
  12. E quero que você venha comigo
  13. E quero que você venha comigo
  14. Eu me sento, eu fumo, eu como, eu não aguento
  15. Você está tão curtida
  16. Eu quero tocar fogo neste apartamento
  17. Você não acredita
  18. Traz meu café com suita eu tomo
  19. Bota a sobremesa eu como, eu como
  20. Eu como, eu como, eu como
  21. Você tem que saber que eu quero correr mundo
  22. Correr perigo
  23. Eu quero é ir-me embora
  24. Eu quero dar o fora
  25. E quero que você venha comigo

30.9.08

desde que voltei meus hiatos são tão grandes que às vezes encontro
coisas como um arquivo .doc de antes de eu ir viajar com o nome de "sobre o talento"
quando abro o arquivo está vazio
consta nele uma só página
e está em branco

28.9.08

o alfredo nasceu numa casa na frente do ibirapuera na década de 50, oito quartos, estilo suíço, governanta francesa e o escambal. aos quatro anos ele achava que "lumbertchuw" era a palavra para cocô, as fezes sim, em inglês. isso porque os adultos falavam certas coisas em inglês na frente dos empregados: alguém ia ao banheiro: "number one or number two?", o outro perguntava, ao passo que lumbertchuw veio daí.

daí a gente se pergunta que espécie de aristocracia é essa que, ao ir para uma outra língua para escamotear da senzala discute intenções desse tipo.


- -
minha vó até os vinte e cinco anos
achou que o nome de faca de pão era "simplício"
meu bisavô, segundo ela, inventava nomes para tudo
eu que tenho agora alguns meses nos vinte quatro
acho que ainda tenho chances
de que
não sei
- -

a palavra da vez do meu vocabulário é: "vigor".
agora que tenho uma nova lógica, ela ainda é em português. tem muito caminho ainda, essa língua. pruns séculos ou mais. pega a senha. a lógica logo na frente ali vou ter que trocar. tudo bem, já estou acostumada. me acostumei com muita coisa. não mais do que eu devia. em verdade não sou uma pessoa muito acostumada. aprendes com os gatos: nada te surpreende, tudo te estranha.

encontrei meu guarda-chuva cor de rosa que viajou todo o tempo a europa comigo, sem sair da mala. de certo modo ele viu mais do que eu, no escuro da mochila negra. não sei o que perdi, talvez ele saiba? se eu seguerasse pelo cabo talvez ele conseguisse ver no fundo dos meus hiatos e pudesse me reportar tudo o que acontece. mas não vou tentar, sua linguagem de nylon me asfixia.

de todo modo aprendi a dobradura dos mapas de ruas. ontem escrevi um poema muito bonito. nem parei pra admirar. comi milho verde na augusta, queimei a língua, dei metade pro engraxate. e agora tenho a ressaca de que nunca mais essa escrita do poema nunca mais novamente nada.

26.9.08




verão de 1991
lau, o pudim, caju
gente bacana
jardim lá de casa
da época que eu não precisava ir até amsterdam
pra ter uma botinha do recanto do fazendeiro

24.9.08

--

ato falho mesmo foi que, cortando a parte de cima da estante,
não sobraram lugares para as biografias.

- -

e descobri que tenho uma constituição de bolso,

falhos atos

comecei a arrumar os livros.
qual seria a ordem?
"dessa vez quero os romances acima de tudo".

e depois, para uma amiga,
"quem vê meus livros até pensa que estudei letras".

- - -
trouxe de Lisboa, Adrienne Rich:

II

I wake up in your bed. I know I have been dreaming.
Much earlier, the alarm broke us from each other,
You've been at your desk for hours. I know what I dreamed:
our friend the poet comes into my room
where I've been writing for days,
drafts, carbons, poems are scattered everywhere,
and I want to show her one poem
which is the poem of my life. But I hesitate,
and wake. You've kissed my hair
to wake me. I dreamed you were a poem,
I say, a poem I wanted to show someone...
and I laugh and fall dreaming again
of the desire to show you to everyone I love,
to move openly together
in the pull of gravity, which is not simple,
which carries the feathered grass a long way down the upbreathing air.

IV.

I come home from you through the early light of Spring
flashing off ordinary walls, the Pez Dorado,
the Discount Wares, the shoe-store...I'm lugging my sack
of groceries, I dash for the elevator
where a man, taut, elderly, carefully composed
lets the door almost close on me. - For God sake hold it!
I croak at him - Hysterical, - he breathes my way.
I let myself into the kitchen, unload my bundles,
make coffee, open the window, put on Nina Simone
singing Here Comes the Sun...I open the mail,
drinking delicious coffee, delicious music,
my body still both light and heavy with you. The mail,
lets fall a Xerox of something written by a man
aged 27, a hostage, tortured in prison:
My genitals have been the object of such a sadistic display
they keep me constantly awake with the pain...
Do whatever you can to survive.
You know, I think men love wars...
And my incurable anger, my unmendable wounds
break open further with tears, I am crying helplessly,
and they still control the world, and you are not in my arms.


hoje eu desejaria de maneira voraz ter escrito cada um desses vinte e um poemas de amor aqui

na concha ultramarina de amar

e eis que quando começo a desistir, às 5h da manhã me chega uma resposta do norte:

"Claro? Nao?

Ele pessoalmente trato assim este processo fora da ordem- segundo as regras nao pode fazer tais sacanagens - mas ele aparecau em frente de quem manda dizendo, que quero uma fémea/mulher para mim. Tá bom, foi a resposta.
O que aconteceu em Paris?
Porque é que vocé ficou debeixo de si, com tanatas saudades de Sao Paulo? Sentimantos e pensamentos estao tomando forma duma leque? Escreva o seu primeiro livro! Forca!

Saudades, beijo,
a cuzinheira do jardim zoologico.

P.S.: Todos os homens sao do outro tipo de macaco."

- -

23.9.08





21.9.08



tratar-se como um ralo de matérias invisíveis,
uma calha do invisível onde cai lá embaixo um líquido
que ninguém enxerga e brotam da sombra úmida
umas ervinhas onde ninguém vai ver.

20.9.08

vi em verona as fotos desse fotográfo, duane michals
humor, memória, narrativa, técnica,
enlouqueci por ele,


This photograph is my proof there was that afternoon,
when things were still good between us and she embraced me
and we were so happy. It did happen. She did love me. Look for yourself!


The Unfortunate Man could not touch the one he loved. It had
been declared illegal by the law. Slowly his fingers became toes
and his hands gradually became feet. He began to wear shoes on his
hands to disguise his pain. It never occured to him to break the law.


paradise regained, 1968


self portrait as if I were dead, Duane Michals

- -
eu casava.

18.9.08





i.

há algo em mim que se esconde
e depois aparece muito tão forte que
as nuvens se confundem com o atlântico
azul e branco lá embaixo
não sei não sei não sei

assim eu gostava que fosse minha última página
que se lançasse por sobre essa janela
e que quem a lesse comesse feito se bebe água
da chuva a boca atravessada de pingos

sem ter as vilas montes praças pra olhar
tenho tantas imagens disso e daquilo nos olhos
que acho que em casas de viagem
para sempre vou ficando

e de repente, olho para fora e vejo a borda,
isso só pode ser muita sorte,
estar a ver a terra à vista, o avião entrando de frente, o continente!
américa,

ii.

quando olhei a cidade vindo por baixo da asa do avião
o caule dessa flor inteira técnica
de homens em que voávamos
disfarcei costurando o botão imaginário de um reencontro
do além-mar que me partia

olha o monstrengo, vem lá vindo, disse
a voz dramática
meia furada
essa risada

o monstrengo tem braços de morcego
tamanduateí jabaquara anhangabaú
nomes de antigos povos que lhe deram
às veias cinzentas e cheias de pelo

um casamento do mamífero voador com polvo já frito
axolote esnobe que me fascina
ninguém sabe o nome de são paulo
se vem de espécie rara ou é doença de família

- - -

de quando em quando me despeço

13.9.08

gerar

---
descobri uma poeta na fnac dessa Lisboa
Wislawa Szymborska
em tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio Neves

UM NÃO ACABAR MAIS

Sou quem sou.
Um acaso inconcebível
como todos os acasos.

Outros antepassados
poderiam, afinal, ser os meus,
e então de outro ninho
sairia voando,
de debaixo de outro tronco
rastejaria, coberta de escamas.

No guarda-roupa da natureza
há trajes de sobra:
o traje de aranha, da gaivota, do rato do campo.
Cada um assenta de imediato que nem uma luva
e usa-se obedientemente
até se gastar por completo.

Eu tampouco tive alternativa,
mas não me queixo.
Poderia ser alguém
muito menos individual.
Alguém do cardume, do formigueiro, do enxame zuninte,
uma partícula da paisagem agitada pelo vento.

Alguém muito menos feliz,
criado para dar a pele,
para a mesa festiva,
ou algo que nadasse sob a lente.

Uma árvore presa à terra,
da qual o fogo se aproximasse.

Um mero cisco esmagado
pela marcha dos acontecimentos inconcebíveis.

Um indivíduo nascido sob a estrela ruim
que para outros seria boa.

E o que seria se despertasse nas pessoas medo?
Ou só aversão?
Ou só piedade?

Se não tivesse nascido
na tribo certa
e todos os caminhos se me fechassem?

Até agora, a sorte
mostrou-se-me favorável.

Poderia não ter-me sido dada
a recordação dos bons instantes.

Poderia ter-me sido negada
a tendência para comparar.

Poderia até ser eu própria
mas sem o dom da admiração,
quer dizer- alguém completamente diferente.
- - -
da onde da capa do livro Instante
anotei a seguinte legenda:
13 de setembro de 2008
Lisboa.
Num dia que havia de tudo para ser terrível e triste e há uma particular alegria a imprimir seu selo nas nuvens. E essa poeta que agora descubro me surpreende e refaz, espero, a escrita e os tecidos, de um sempre para agora e adiante
numa avaliação ágil do passado
só belezas e estruturas
de conchas marinhas
feito nádegas de uma deusa menina
avançada em técnicas de não ter técnicas
e de se apaixonar por estátuas e amuradas
e neste Pavilhão Chinês onde me bebo de chá
passa o homem de terno bonito
de azul clarinho de linho
e diz a palavra, a frase:
«ela tem uma técnica», logo no momento posterior do que eu escrevi «técnica», pela 2a. vez.
há e não há
o acaso
a realidade
o amor.
- - -

CONTRIBUTO PARA AS ESTATÍSTICAS

Em cem pessoas,

sabedoras de tudo melhor-
cinquenta e duas;

inseguras a cada passo-
quase todo o resto;

prontas para ajudar,
desde que não demore muito-
quarenta e nove;

sempre boas,
porque não conseguem de outra forma-
quatro, talvez cinco;

dispostas a admirar sem inveja-
dezoito;

constantemente receosas
de algo ou alguém-
setenta e sete;

aptas para a felicidade-
vinte e tal, quando muito;

individualmente inofensivas,
em grupo ameaçadoras-
mais da metade, com certeza;

cruéis,
por força das circunstâncias-
é melhor nem sabê-lo,
nem aproximadamente;

com trancas na porta depois da casa roubada;
quase tantas como
aquelas que têm, antes da casa roubada;

não levando nada da vida a não ser coisas-
quarenta,
embora preferisse estar enganada;

agachadas, doloridas
e sem lanterna no escuro-
oitenta e três,
mais tarde ou mais cedo;

dignas de compaixão-
noventa e nove;

mortais-
cem em cem.
Número, até agora, não sujeito a alterações.

7.9.08

ontem
joguei futebol com uns rapazes no vondelpark
um deles tinha um blackpower e era filho de surinamenses e outro tinha olhos longos e azuis e seus pais eram franceses
eram muito inteligentes,
e gostavam das florestas tropicais sem nunca terem visto

à noite sai com meu amigo de navarra
procuramos um bar de blues que haviam nos recomendado
e quando nos perdemos sem o bar sentamos numa das pontes dos canais
e os fumavamos e ele me fazia rir
os pès dependurados sobre o canal
"aqi, en la venezia de europa las crianças solucionam problemas que nosotros" e pff, bufava com os dedos
depois cuspimos em uns barcos de sightseeing cheios de americanos
no teto de vidro de uns
dois ou tres

o ar era umido
e eu resolvi caminhar com ele atè o lugar em que havia visto o altar para a morte em outra tarde

em amsterdam as pessoas aproveitam suas vitrines de janelas das ruas para mandarem mensagens, no geral de venda. esse nao, alguem transformou sua sala em um ritual memorativo pra quem passasse: tu morres. nao era bonito, ironico, ou alegre. era para os outros ainda. e no fundo o espelho marcando isso tudo e na frente bacias cheias de coisinhas, galhos retorcidos e secos, alguma pintura classica em um cartao; caravaggio, acho. o miquel viu tambèm. me jurou que o osso era de verdade humana, que seu pai è mèdico, ele sabia. dessa vez nao tive coragem de me olhar naquele espelho amarelado. ele quis tirar uma foto mas eu nao deixei

"cambia tu idea hombre"

senti mais medo da pressao funda em que vive aquele que aquilo montou porque era noite
e quando voltamos andando o vento me destruia o rosto
percebi que os indices de fumaça nas minhas ideias haviam apagado tudo
caminhava muito querendo so dormir
percebi no vento minha idade real
sentia o tempo sulcando meus traços

ainda posso sentir.

5.9.08

recado
ouve-meque o dia te seja limpoa cada esquina de luz possas recolheralimento suficiente para a tua mortevai até onde ninguém te possa falarou reconhecer - vai por esse campode crateras extintas - vai por esse portade água tão vasta quanto a noitedeixa a árvore das cassiopeias cobrir-tee as loucas aveias que o ácido enferrujouerguerem-se na vertigem do voo - deixaque o outono traga os pássaros e as abelhaspara pernoitarem na doçurado teu breve coração - ouve-meque o dia te seja limpoe para lá da pele constrói o arco de sal a morada eterna - o mar por onde fugiráo etéreo visitante desta noitenão esqueças o navio carregado de lumesde desejos em poeira - não esqueças o ouroo marfim - os sessenta comprimidos letaisao pequeno-almoço

al berto

- -
estou feliz que é um desperdício

31.8.08

de ironias e ervas

perspectiva

duzentos mil coches pela autoestrada a fugir do furacao
acordo em paris com dor de garganta por uma corrente de ar na nuca durante a festa


- - -
primeiro escrevi que escrevo como quem corta o mato a abrir uma clareira, abrindo o mato para pelo caminho passar, ou simplesmente poder dormir em um espaco a chao aberto
pensei que havia escrito isso e quando voltei a anotacao percebi que escrevi: "escrevo como quem corta o mato dentro de uma clareira", e achei ironico que a clareira ja esteja feita e eu esteja sempre a cortar um mato imaginario
(ironico. e um pouco triste que eu ainda escreva como quem pede desculpas por isso)

nao sei se è lope de vega ou quevedo, mas escreveu que escrever è como
arar o mar

- - -
se felicidade se chama meios de transportes
felicidade è ovo frito no pequeno-almoco e highway 61 revisited no aparelho de som da sala 

- - -
em milao assinei um abaixo-assinado do povo italiano contra o uso de drogas pelos jovens
e amanha bem cedo volto a amsterdam 

28.8.08

a areia era tao longa, cinzentos olhos,
que se confundia com o mar ao fundo

feito um bondinho contava historias
do bordado da manga do vestido
lilas
no dia das maes de 1973, nao, o aperitivo era outro,
lambari e campari, serviam, nao, 1974?,
nao setenta e tres na certeza, porque o Dantinho brindou a fundacao do partido, ou 75 que havia morrido morto no escuro?

como um traidor
a torneira pingava.

e eu louca pra bronzear minhas pernas
aquecer as coxas
a memoria até um tempo sem historias

a crianca com o baldinho vermelho
afundar aquela ilha

nao nao continuava
eram bordados, pingentinhos e martini,

espantei uma formiga que subiu na perna
contou como o inseticida lhe corrompia as narinas
e voltou, o drambuie foi no de 82

era como a janela
meio aberta sem querer
quando a lufada de vento
subia e dancava a cortina para cima
depois ca'ia.

- - - -

a escritora bota fogo em seus
quatro diarios de viagem
em um gesto

(imaginario)

(que por nao ser levado a cabo
demonstra a fraqueza de sua vaidade
e sua reverencia pela memoria)

- - - -
nada é mais bonito do que uma brecha de ternura quando escapa de um homem e vem dar no seu rosto no quarto ao ceu da rua.

- - -

(a italia me faz entender melhor os homens)

- - - -

trabalho em circulos

vivo morrendo na floresta escura
e acordando no descampado
chao de barro rachado

escrevo como que corta o mato
dentro de uma clareira
iluminado pasto rasteiro.

27.8.08

conversas tipicas de albergues

(traduzindo do ingles)
a menina da coreia:
ah, bra-zil? eu vim aqui milao ver kaka!
eu:
o kaka, ah que legal, ele é realmente cute
ela:
e vc, aqui fazer o que veio?
eu:
aqui, onde?
ela:
em milao, - risos histericos
eu:
ah, estou a caminho de paris
(penso you mustttttt remember this: we always have paris!)
e continuo sem muita enfase:
e vim procurar uma olivetti typewriter machine, mas me disseram que é impossivel encontrar nessa época do ano que os antiquarios estao de ferias
ela:
ahm-aham
uma maquina do que?
eu:
de escrever,
ela:
ah, voce é uma typewriter - hahah datilografa-
eu:
a kind of
ela:
like?
eu:
a writer, as you know, we like stuff to write, computers typewriters machines paper
ela:
ahm-ahm
eu, tentando engatar de novo:
and do you play football?

e a cara dela de espanto.
- - - 
e nos alpes suicos

bem da minha idade a menina, Lorraine, chegou com uma mala de rodinha subindo pedregulhos
entrou no quarto
falou pra mim que adora a suica porque lembra sua casa no canada mas que sentia falta de jogar tenis tirou uma chapinha da mala e um livro de 300 paginas chamado
"around the world in eighty dates". e quando me perguntou quais lugares eu tinha gostado mais, eu:
-amsterdam, paris e lisbon
ela:
-lisbon? what is this?
depois no jantar ouvi dizer que nao acreditava no amor.

26.8.08

spingere

verona

in vino veritas

dizem que um copo de vinho por dia faz bem ao coracao. e quatro?

- - -

e se eu escrevesse sem a memoria do aeroporto na cabeça?
- - -

e eles, os italianos, assim como os espanhois nao percebem falar uma lingua amorosamente de humoristas amantes e canalhas. e as placas entao? as vezes ainda melhores que em portugal. a minha favorita até agora:

estintore

- - -
sonhei que um aeroplano com um casal vestido de gala caia na piscina da casa em que cresci,
no meio de uma festa, era noite de céu estrelado, parecia que ia explodir mas nao, me mandavam chamar os paramedicos (e eu pensava: por que nao os bombeiros?), depois alguem arrancava uma cama de um lugar e fazia dela um berço, mas chega, nao vou contar o sonho, vou contar so a minha interpretacao:

inadequaçao familiar
me tratam como inepta
nao sou mais crianca
o aviao caiu e ninguem se feriu
os noivos estao vivos
viva o amor e viva o brasil!

----
as saudades de casa me venceram.

estou farta de grandes cidades e
estou farta de cidades pequenas

(no elevador penso na roça
na roça penso no elevador)

paris boibepa desfiladeiro

e certeza que os carros sao o problema que liga todas as pessoas por uma ignorancia comum no mundo inteiro

- - - -
depois de dois meses de viagem, 9 paises atravessados (isso sem contar lichtenstein!) todas as trocas de lingua e a permanencia extensiva do ingles e do portugues, os amigos que fiz, as camas de albergues e casas de amigos em que dormi, digo que a educacao feita foi pelo minimo. pensei que fosse ter mais frescuras, sou uma pessoa fresca, afinal, mas que nada! bem mais simples, afinal aqui é verao, tanta coisa para se ver, tao poucas para se preocupar.

duas coisas me fazem falta: um lugar cotidiano em que eu possa fazer nada e olhar para nada e pensar em nada (casa) e comer cotidianamente bem (os pratos sao sempre caros e nem sempre bons como em sp, serio, sp é uma maravilha nesse sentido) :

em resumo:

felicidade é ovo frito com pao no café da manha
nao andar com nada nas costas
ter agua sobre o corpo
(chuveiro que desliga de dois em dois minutos, ter que lavar as roupas em meio a isso, metade da toalha estar molhada antes de tocar o corpo, ser sempre impossivel secar os pés e de repente, mesmo assim, com tudo isso, ser o melhor banho da minha vida)
e amigos em toda parte
e mais uma duzia de historias para contar

quanto as historias:

.invejo todas as vidas que nao sao a minha e por isso conto historias
.conto historias para, num movimento de apropriacao, nao invejar vidas que nao sao as minhas.

- - -
de dentro da loucura da consciencia passamos anos montando a consciencia da loucura
(i never lost control, ja dizia o bowie, o kurt tb)

e eu pensando jardins solidoes movimentos
amores no escuro e nao no claro
(é sempre triste, o filho, carlos)
e as plantas nao tem nada a ver com isso
absolutamente nada!
hoje nao tem fernando pessoa

mas tem jardim sem brutalidade
- - -
aqui tem um desenho de um telefonezinho no meu terceiro moleskine.

bacci tanti

(gente, isso aqui parece até a italia)

22.8.08

informes semanticos

em húngaro kiadó significa ao mesmo tempo: aluga ou casa editorial, editora.
hahaha cersibon eu hngrya morrouz de rir
manha verona bybye italia fui aiiii

- - -
tres dias já que abro essa janela de blogue para escrever contar dizer nada
budapeste tem cheiro de poluicao ai rinite atacou estomago ferveu
e a doce amiga ai ai dificil de deixar
e nao consigo escrever
no entanto ouco musicas que ja nao sabia quais eram com uma efusao e ana cristina cesar, por favor meus amigos, depois dessa tarde de absinto mais azul do que o danubio uma mentira cinza e larga, escutai

O Homem Público N. 1 (Antologia)

Tarde aprendi
bom mesmo
é dar a alma como lavada.
Não há razão
para conservar
este fiapo de noite velha.
Que significa isso?
Há uma fita
que vai sendo cortada
deixando uma sombra
no papel.
Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda.
---

boicote total aos rituais de atravessagem boa noite como vai adeus
meu gesto é no momento exato
sempre alegre ou triste
somente as emocoes
(que horrorosa é a vida sem cedilhas)

cersibon de peste


9.8.08

memoria

acalma teu brio de fugir, mulher
havia algo com que me deparar
que vinha desde a noite do nome que dei
a algo que eu sabia tao bem pequena
e que ate ontem nao sabia que sabia assim
alguma coisa com nome de amor
como uma luz que as vezes ilumina minhas maos
e a nitidez nas digitais

e sinto uma ternura imensa pelo passado pelo futuro
e lembro que tudo perece
tantas vezes 'e de noite
e me acompanha pensar na morte como uma insonia
uma insonia de clarezas
e noite passada acordei berrando porque pedia pesadelo para a amiga grita grita pra nos salvar
e ela nao gritou ao que eu gritei levantei a cabeca e olhei as montanhas
das minhas clarezas antes de dormir
e escrevi logo ao acordar:
esqueci
e fiquei olhando as montanhas e as estrelas pra ver se elas se mexiam

- -
estou nos alpes suicos
quando durmo da janela do quarto a lua
onde nunca antes havia me imaginado
no topo das montanhas agulhas de neve
nao furam o ceu
faz uma semana quase
que so falo em ingles
so leio em ingles, o wilde e o murakami, o melhor da estante
e finalmente consigo ler
e quando desco a cidadezinha tento me lembrar de dizer bonjour salut merci

- -
perguntei a diferenca entre o nome dele e o do pao
suscitou uma vogal e me mostrou outra musica folk
rimos muito for today i'm a boy
fez os cabelos da mulher que vai ser com feno
e depois com toda seriedade
pete seger james taylor nem sei mais
cabelinhos dourados
maozinhas ruivas
tambem ele ja se foi
'e lindo verao verde
ar tao limpo e gelado
vejo a neve no poster na parede do inverno e nao posso acreditar
de todo modo aqui 'e tudo tao controlado
ate as vacas so pastam para um mesmo lado
e quando voce acha que andou andou subiu para o meio do alto do teto do mundo
encontra uma lojinha minuscula servindo expressos e vendendo vaquinhas canivetes carandaches chocolates cuckos
tem la sua graca
no inverno deve ser uma paragem de descanso maravilhado

- -
hm, eu = miss brasil
o que mais sinto falta 'e da comida
ai ai que vontade de comer brasileiramente
em sentidos varios
- -

e leio minhas letras como se fossem de uma lingua estrangeira
ontem reli este blogue aberto
um tanto com esse olhar meio enjoado de resto de doente
e fui eu quem aqui escreve?
escreve aqui alguem com um universo muito particular
e pelo particular admiro
mas que nao sou eu
(mais?)
(mas?)

nao sei dizer se alguma mudanca com tanta velocidade de troca de cidade identidade de lingua de pessoas de imagens de espacos, em um mes e meio estive em 7 paises, acho
e esses textos que escrevi viajando parece como se a escrita tivesse
aereando branqueando apagando
ate ficar tao leve a ponto de ir
de ir com o vento

estou curiosa
para que va
e a palavra em portugues que mais penso e escrevo 'e:

"vontade"

calma essa cheia de vontade.

- -
amanha vou para berna, a capital,
ver o paul klee institut museum sei la
paul klee zentrum, é
4000 obras diz o lonely planet
mais vasto 'e o meu coracao

- -

3.8.08

genebra

a nota de cem francos suicos tem o giacometti figurado
o homem da minha vida que morreu antes de mim
afogo algas pelos rios imagina quando subir nos alpes
aparecem cisnes no meio da agua verde cristalina do rio
e juro que vi um pato a nadar contra a corrente empertigado
da obsessao fazer um gasto solitario de poder a caminho
e magnatas arabes passeiam suas ferraris lamborghinis e burcas

estou compenetrada nessa felicidade
meu caderno quase acaba e pretendo

nao ha tempo para dividir essa conexao

- - -
randon time

2.8.08


avignon, demoiselle

25.7.08

de sobre a rocha

uma folha quase em branco das minhas tentativas
tentou voar ficou presa nas pedras mas daqui ouço
seu desfolhar

venta venta venta

de manhã cedo tentei vir aqui
quando fui à caminho do que eu não via, andei andei e do alto da cidade a rodovia olhei um sítio com pedras crescendo e pensei que eu queria estar lá mas não sabia como
e fatigada por não saber olhar a terra que não acaba sem fim, voltei para casa almoçar,
e de pois, no fim da tarde, saí andando sem rumo como sempre, andando, e de repente estava numa porta da cidade, bem em frente onde eu tinha me esquecido que queria ir cedo e fui andando andando até que cheguei nas rochas crescendo fincada uma cruz e andei mais pra baixo um espinho entrou no meu pé nem liguei andei andei
até que me sentei nas pedras e o musgo laranja e cinza me adormeceu toda intranquilidade e escrevi:

é julho
o mês que tem o nome do menino que em mim festeja de tudo
a terra é tão extensa que assim só conhecia o mar
e eu e eu eu e eu
com o ouriço enfiado na testa e rindo
e à noite, quando fico bem quieta, meu ouvido é uma concha em qual se ouve o rugido

- - -

e depois voltei para casa,
olhos cinzentos que brilham
me contaram que naquele sítio em que eu estava aparecem raposas! e javalis!

javalis! e que são perigosíssimos, que atacam, que o melhor ao se deparar com um é não me mover, não correr e torcer, torcer.

será que ele me daria um beijinho?
de nariz de javali?
será friozinho?

- - - -
fotos em maisqueumarbusto

24.7.08

acordei aqui

escrevi como o mar que avança depois de muito retroceder
duas ondas juntando a água que veio de trás

e aqui em marvão, cidade amurada, do alto da muralha do castelo, vendo espanha, um lago adiante no meio das montanhas, como se faz para chegar lá? caminhos entre pinheiros, árvores de cascas grossas, e pontas das folhas no alto mais claras, palha seca e amarela pelo chão, relevos entre relevos, rochas muitas rochas, nessa muralha, os musgos cor de laranja pelo sol, plantas que tentando entender qual é o limite que essa vista alcança o quanto o que me visita cansa como olhando

e descobri que há um barulho que sempre pensei ser do mar mas é um som do vento
um marulho que o vento faz,
«dizer
que o amor nasce assim
às escuras
longe do amanhecer
cheio de dúvidas
cheira à fadiga
promessa falsa de cura
cera maleável
não se sabe se dura»

18.7.08

lisboa

julho de 2008
é verão e ao corpo de todos isso se grava neste continente. dizem «aconteceu num verão», e eu entendo como «a mais maravilhosa das épocas, quando fazemos coisas que não fariamos se não fossemos nós mesmos».

vejo cegos por toda a cidade
dois, cinco num mesmo dia
sobem nos elétricos, nos comboios, nos autocarros e seguem vivendo a escuridão em lisboa por toda a vida. parece uma espécie de punição divina, pela cor, pela luz,
nazaré me diz que estes cegos só aparecem para mim

e o camões e o vasco enterrados no mosteiro jerónimos, o navegante no escuro, o poeta embaixo da grande luz que vem do vitral, entendi que essa é uma terra de poetas e que não há como não ser fernando pessoa e pintor nessa cidade, e partir do corpo em heterônimos, quem me derá estou conseguindo só estar em ser uma só desaparecida, sumindo tudo que sei de cor, enquanto o sol me bronzeia as mãos nas ruas

ontem cantava pela cidade versos de um disco que ouvia com cinco anos:
água tanta deu na pedra
que até fez amolecer

isso é o tejo, que é mesmo dentro da gente, que é largo, pensamento e ação, retira de mim tudo que é um estado definitivo das coisas

- - - -
carne

seja a casa onde for
construir estantes
no pensamento de derrubá-las

forrá-la com flores no papel de parede
e livros de capa branca

forrar todos os livros
todas as páginas dos livros
de branco

com algodão secá-los
da úmida solidão
do que está escrito.

11.7.08

Angelita no norte dizia:
-Olha, mamãe, rasguei a perna ao descer a escada do Universo.
E por baixo do letreiro enorme do restaurante cósmico pude imaginar o garçom a dizer:
-Quer um chocolate, pequena?

- - -

lisboa

parece que há uma luz lá dentro
que não se apaga nem mesmo de dia
dentro do cômodo branco de cal
de modo que ficava dourado

e quando a luz
incendeia meus olhos cansados
é me encostar nas paredes
para estar à fresca

- - -
plantações seguidas de plantações
pela janela do trem a paisagem controlada
há tão mais começo no brasil
mesmo assim não sinto saudades dos latifúndios
nem de você, da minha casa, nem de nada

- - -
o show do radiohead não foi bom.
o do sigur rós foi maravilhoso.
e o do mgmt, ontem, aqui em lisboa, o mais divertido de todos.

- - -
me encontro em renomear o mundo
com as palavras que já são dele
amor, oceano é o mar que nos divide.

e o poema, pelo atlântico,
em vestes de submarino
nada escafandros sem oxigênio
asfixiada em mais um copo sobre a mesa
a espera da tua mão que levanta
a mesma sede de amor
no trópico, do ibérico, por toda parte.

5.7.08

meu deus, todo teclado frances 'e assim? (o Q estq no lugar do a, e pro ponto final è preciso apertar o shift; pra dizer o minimo)

toda essa vida aqui tem sido uma alfabetizacao:

e hoje perdi o onibus de amsterdam pra lille: o pior foi que vi o onibus partindo, e eu sentada no banquinho tomando o sol das 7h da manha, escrevendo dois textos de mesmo nome "a beleza compreendida de clarice"; em apreco ao marcos e a incrivel amsterdam perdi o buso

assim fui parar em bruxelas novamente, onde peguei um trem, passei pela imigracao britanica e seus cachorros e cheguei em lille onde fiz uma amiga chilena filha de chineses e que mora em tolouse. amanha cedo ligo pro indiano a quem contei dos cogumelos e vamos os tres juntos no show do radiohead em

arras

ô

2.7.08

deixei um cartão em um banco do parque
em amsterdam

contava a história completa
e as gotas no papel parecem nuvens.

29.6.08

amsterdam
me encontro nos acentos novamente
faz um sol lindo
as orquídeas dos restaurantes chineses são brasileiras
nessa cidade, a mais interessante que já vi
e só faz dez horas que estou aqui
clarezas repentinas e o fim da doença,
todo primeiro dia em uma nova cidade vai ser assim?
devolver à terra o sal da terra,
ao chão, vivendo
uma desterritorialização diária e nela, o corpo limpo de tantos combates depois da gripe
e choro
- -
no ônibus para cá fiz um amigo indiano,
menino de tudo, franzino, de 20 anos, com cara de 16, com um inglês de pronúncia confusíssima, hinduísta, morando por 3 meses no norte da frança. depois de umas duas horas de conversa ele me perguntou o que eu vinha fazer em amsterdam e eu, meio desconversando de uma pergunta tão radical (ando me desviando de perguntas radicais quando elas são falsas), respondi ah, van gogh museum, etc, foi ele quem falou em grass and weed, e eu, interessada em perguntar pra ele sobre as castas (que ele me disse que não vigoram na realidade atual e que money, etc), mudei de assunto entrando em outro exotismo, contei a ele que "mushrooms in the cow's poo, you know, you have a lot of cows in india, don't you?", no meu inglês menos capenga que o escrito, e ele ficou surpresíssimo dizendo que não sabia que são alucinógenos e quando eu disse, mas as vacas são sagradas, não são?, ele me respondeu "Yes! but we drink the milk!", e eu pensei, que o diga a merda delas, mas não disse, a tudo tenho respeito, e nesta globalização, espero ter instaurado um novo nível de experiência meditativa na Índia central,
 

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