Eu fui a Madrid uma outra vez, com meus pais. Foi na época do meu aniversário de 7 anos, ou seja, bem no começo de 1991. Também estava vindo de Portugal, de Marvão, e antes ainda, da Serra da Estrela, onde tinha visto neve e, mais, comido a neve num ímpeto de ter as coisas pelo estômago. Tenho sonhos às vezes com aquele dia, eu usava uma bota de pêlo amarela, um casaco cor de rosa pink e umas orelhas-tiaras daquelas de pelúcia, cinza-coala.
Quando eu tinha uns dez anos pegaram os posters que havíamos comprado naquela viagem e resolveram emoldurar. Eu tinha escolhido um recorte de um rosto de cavalo num fundo negro, e tal imagem foi parar no meu quarto de paredes cor-de-rosa. Durante anos tive na minha cabeça que del Prado era uma cidade espanhola, da onde tinha vindo aquele poster. Na oitava série, quando minha professora de história de nome italiano escreveu Guernica na lousa e nos mostrou a imagem foi como se começasse a tocar um rolo de filme sempre com a mesma foto. Nesse reconhecimento havia algo de orgulho. Foi na época que comecei a me interessar por histórias de guerras, disputas e lutas num geral. Plutão que transitava o meio-do-céu? Ficava com os pés para cima na parede amarela, meu quarto era novo, o de frente da casa, do mesmo tamanho do quarto dos meus pais. Fumava marlboros que roubava do meu pai, ouvindo os Caetanos de dentro do armário descobertos, olhando o busto do cavalão e vivendo todo o senso histórico que alguém de quinze anos pode sentir. E meu quarto a todo momento se tomava por cinco, seis amigos (como cabia tanta gente?), alguém me disse que achava feio meu poster, querendo dizer bruto. E o Duda, sempre interessado nos desenhos, dizia que a língua dele parecia uma lâmpada, uma lança. Uma noite deitados na rede da sua casa, onde hoje não se pode pisar porque a varanda está ruindo, combinamos que estaríamos em Londres dali quarenta anos, abrindo arquivos nunca abertos sobre a 2a. Guerra. Durante anos li e assisti tudo que me apareceu na frente sobre o assunto.
Bem, voltando ao Prado onde estávamos, meu amigo me re-encontrou na frente de um Goya mais ameno. Eu disse a ele tengo ganas de mirar Guernica. E perguntei a mulher que vigiava a sala onde estava o tal Picasso? E ela, ligeiramente troçando do meu turismo barato, disse:
-En el Reína Sofía,
Mas como? E o meu poster? Museo del Prado, está escrito. E era segunda e o Reína Sofía estava fechado. Ah, como a vida é toda feita de desenganos, desencontros, atrasos. Nos perdemos dentro do museu procurando o guarda-volumes. Meu amigo fez uma dancinha de deslizar pelo meio de um dos corredores e carinhosamente entendi do estereótipo o que era a felicidade com que ele havia exclamado na noite anterior somos latino-americanos. Pensei se eu, mimética do jeito que sou, depois de viver vinte anos na Europa como ele (na Alemanha e na Inglaterra, note-se) saberia manter tal festividade clara ao alcance dos meus passos.
Era mais de meio-dia quando deixamos o Prado. Na calle me falou mal das regras de atravessar a rua dos alemães e me convidou para almoçar num restaurante perto da Puerta del Sol, onde havia comido no dia anterior. Eu estava cansada de comer qualquer bobagem, mas não tinha dinheiro. Fui clara, disse que não tinha. Me perguntou se eu já havia comido paella, eu nunca em Espanha! e fomos. No caminho ele parava a cada quarteirão pra perguntar a alguém se estávamos no caminho certo. Descobrimos aí que tínhamos o mesmo signo, capricórnio, e ele me cumprimentou com uma das mãos. Pensei se isso era algo de se parabenizar. Ele me disse do sonho que sempre teve de viver em Paris. Contei para ele sobre as livrarias de Buenos Aires, todas em castellano e as ruas com algo de Paris. Animadíssimo, me disse que seu livro preferido era Rayuela. E que seu avô era boxeador e poeta. Eu disse só faltava ouvir Chet Baker.
A paella estava grassa, pero buena. E, entre convites do garçom (!) para sair com ele numa festa de noite, juro por tudo, naquele almoço ouvi a história mais impressionante que alguém já me contou da própria vida.
Quando eu tinha uns dez anos pegaram os posters que havíamos comprado naquela viagem e resolveram emoldurar. Eu tinha escolhido um recorte de um rosto de cavalo num fundo negro, e tal imagem foi parar no meu quarto de paredes cor-de-rosa. Durante anos tive na minha cabeça que del Prado era uma cidade espanhola, da onde tinha vindo aquele poster. Na oitava série, quando minha professora de história de nome italiano escreveu Guernica na lousa e nos mostrou a imagem foi como se começasse a tocar um rolo de filme sempre com a mesma foto. Nesse reconhecimento havia algo de orgulho. Foi na época que comecei a me interessar por histórias de guerras, disputas e lutas num geral. Plutão que transitava o meio-do-céu? Ficava com os pés para cima na parede amarela, meu quarto era novo, o de frente da casa, do mesmo tamanho do quarto dos meus pais. Fumava marlboros que roubava do meu pai, ouvindo os Caetanos de dentro do armário descobertos, olhando o busto do cavalão e vivendo todo o senso histórico que alguém de quinze anos pode sentir. E meu quarto a todo momento se tomava por cinco, seis amigos (como cabia tanta gente?), alguém me disse que achava feio meu poster, querendo dizer bruto. E o Duda, sempre interessado nos desenhos, dizia que a língua dele parecia uma lâmpada, uma lança. Uma noite deitados na rede da sua casa, onde hoje não se pode pisar porque a varanda está ruindo, combinamos que estaríamos em Londres dali quarenta anos, abrindo arquivos nunca abertos sobre a 2a. Guerra. Durante anos li e assisti tudo que me apareceu na frente sobre o assunto.
Bem, voltando ao Prado onde estávamos, meu amigo me re-encontrou na frente de um Goya mais ameno. Eu disse a ele tengo ganas de mirar Guernica. E perguntei a mulher que vigiava a sala onde estava o tal Picasso? E ela, ligeiramente troçando do meu turismo barato, disse:
-En el Reína Sofía,
Mas como? E o meu poster? Museo del Prado, está escrito. E era segunda e o Reína Sofía estava fechado. Ah, como a vida é toda feita de desenganos, desencontros, atrasos. Nos perdemos dentro do museu procurando o guarda-volumes. Meu amigo fez uma dancinha de deslizar pelo meio de um dos corredores e carinhosamente entendi do estereótipo o que era a felicidade com que ele havia exclamado na noite anterior somos latino-americanos. Pensei se eu, mimética do jeito que sou, depois de viver vinte anos na Europa como ele (na Alemanha e na Inglaterra, note-se) saberia manter tal festividade clara ao alcance dos meus passos.
Era mais de meio-dia quando deixamos o Prado. Na calle me falou mal das regras de atravessar a rua dos alemães e me convidou para almoçar num restaurante perto da Puerta del Sol, onde havia comido no dia anterior. Eu estava cansada de comer qualquer bobagem, mas não tinha dinheiro. Fui clara, disse que não tinha. Me perguntou se eu já havia comido paella, eu nunca em Espanha! e fomos. No caminho ele parava a cada quarteirão pra perguntar a alguém se estávamos no caminho certo. Descobrimos aí que tínhamos o mesmo signo, capricórnio, e ele me cumprimentou com uma das mãos. Pensei se isso era algo de se parabenizar. Ele me disse do sonho que sempre teve de viver em Paris. Contei para ele sobre as livrarias de Buenos Aires, todas em castellano e as ruas com algo de Paris. Animadíssimo, me disse que seu livro preferido era Rayuela. E que seu avô era boxeador e poeta. Eu disse só faltava ouvir Chet Baker.
A paella estava grassa, pero buena. E, entre convites do garçom (!) para sair com ele numa festa de noite, juro por tudo, naquele almoço ouvi a história mais impressionante que alguém já me contou da própria vida.
6 comentários:
que dia de janeiro?
12, por quê?
Por algumas situações do texto e principalmente pela observação sobre o signo. Enfim, curiosidades idiotas por eu mesma ser do dia 6.
capricornianos do mundo, uni-vos ; )
dia de reis, você!
Está explicado. Trata-se de um estudo para o cavalo de Guernica, não do próprio.
sim e não
porque o estudo também está no reina sofia
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