28.12.07
27.12.07
20.12.07
acontecimento biográfico I
hoje eu estava modestamente dormindo quando às 7h o interfone me acordou. ah, deixa tocar, e o interfonador insistiu e insistiu. quando atendi, disse ele assim:
-oi! esse edifício é da opus dei, não é?
-...
19.12.07
é "muito mais do que isso ou nem tanto ainda"
o escuro está amanhecendo ou foi o sol que se foi agorinha?
e todos se calam.
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
Lembro da última festa de aniversário que fui, depois de beber quase meia garrafa de vinho do Porto um amigo tentava me fazer entender o que é um poeta da continuidade. Tive calafrios na nuca quente. Eu não, olha, sou artista da ruptura do sono. Sabe aquela história do é preciso? É preciso se ter os olhos abertos, mas somos obrigados a dormir. Dormir é uma das espécies manifestadas da ilusão. Foi para não ser pega dormindo acordada, que comecei a me estipular certas atitudes. Acordar bem cedo, de madrugada, virou a minha primeira ruptura, e, como era bom! começava logo cedo a minha força.
:::::::::::::::::::::::::::::::::::
O silêncio já estava absoluto, todos prestavam atenção. Só eu ainda não tinha conseguido uma posição confortável. Subi na ponta da cadeira do cinema, sentado sobre o calcanhar. Estava empertigado pela dúvida de todo personagem: entre ser eu e ele, você sabe bem como é estar sozinho e acompanhado a todo tempo. Na tela, estava na ponta da borda da terra, quase no mar, parado bípede, os pés se fincando pela areia conforme a umidade subia. Uma cena cinza, o mar tão da mesma cor que o céu, que a areia também, só podia ser mesmo um recurso técnico, alguma espécie de filtro nas lentes. Uma alteração freqüente e sempre repentina entre os pontos do foco. Essa alternatividade ia acompanhando os arbustos, se via o último casal saindo da areia para o apartamento e de repente os gestos dos dedos estalando o ar, tão próximos do punho onde se notava, de antemão, a ausência de relógio fronteiriça com o início da pele coberta pela capa de borracha, de um azul-marinho focado sem dispersão, tonalidade no dia tão ausente no água do mar. O que essa história tão imóvel poderá contra a minha agitação ancestral?
9.12.07
7.12.07
fado
Colocaram o Rei num grande barco, para visitar o além-mar, só dento me avisaram o impossível regresso, dizendo-me que um dia, quem sabe, poderia eu voltar, caso a terra girasse ao contrário, mas que vontade deles de me jogar no mar.
Da terra eu trazia cinco ou seis pedrinhas, que me agitavam o bolso num lamento inútil "pedro, queremos regresso" e quem não quer, quem não quer!, minha pobre ânsia lançada ao Atlântico. Mas também me livrarva da necessidade de partir ao meio o homem que esperam de mim e o homem que quero lançar ao mar, correnteza de cinqüenta pés, temperatura de vinte e três celsius, só Deus sabe como venta, tanta umidade no mar.
Se tivessem o feito com meu pai, bem que ele iria gostar, despregado feito a terra estivesse debaixo dos seus braços, ou quem sabe, talvez sequer notasse, talvez nem Domitilia chorasse e ausente aquele homem, se... Porém eu, o filho, como acontece sempre aos reis, eu filho de Rei e Rei, me lanço as pedrinhas do solo fértil, estéreis em meu bolso, a perguntar:
-por quem me tomam, Pedro?
-----
para que me retirar deste modo junkie de estar me levantando da cama e apagando a fumaça, se o mundo continuará distante, cartas de suicida por debaixo da porta quando o interfone toca, os amigos me trazendo rostos com lições que não quero, bilhetes de afogados, personagens que não sabem se cuidar, correntezas de pensamentos; e todos os horóscopos me dizendo que é hora de procurar entender o porque de que, recorrentemente, perco o senso e a vontade e a fé em tudo.
30.11.07
não quero sugar todo seu leite/ nem quero você enfeite do meu ser/ apenas te peço que respeite/o meu louco querer/ não vamos fuçar nossos defeitos/ cravar sobre o peito as unhas do rancor/ lutemos mas só pelo direito/ ao nosso estranho amor
O indivíduo é múltiplo uno ou fragmentado? O indivíduo é indivíduo? Apesar de curar da doença, o texto tem um sintoma. ah mainha, eu queria mesmo era ser poeta.
29.11.07
this time tomorrow where will we be
agora pouco por um acaso uma entrevista do antónio lobo antunes na tv a cabo. eu não o imaginava assim hoje, velho.
uma lacuna, claro, entre o entrevistador e o entrevistado. o repórter perguntou 'e o senhor se sentiu como na porta da morte?'- ele teve um câncer recentemente e foi muito simpático com a besta- 'eu? me senti vivo. estamos sempre na porta da morte. mas da vida também.' então o antónio contou de algum outro escritor que 'com a morte beirando sua cama' em tom irrisório dizia mas é só isso? é só isso a morte?, e o lobo antunes sorriu, sorriu muito.
(aqui o link para o vídeo)
28.11.07
eu lembro de uma tarde, ele se soltou um pouco, fez meia dúzia de piadas e uma dancinha com as mãos. sem perceber, já tinha reprimido. havia uma mesa nos separando sem crueldade. teu maior riso é tão pouco. e eu ainda não sei pra onde olhar.
já escrevi tantas vezes
"evitar a ironia
e o tango, sobretudo o tango,"
o vestido preto com véu e sem fenda
que visto e me emboto a tecer eu,
tua prenda,
a luz tão branca do que é mudo
e quando chega a noite, exausta tiro
o que da boca foi parar na lapela,
a flor vermelha murcha
largada em cima da mesa
cansada de ser rosa
**
reler memorial de aires
26.11.07
god save the queen
***
estou desintegrada demais para escrever. estou? no entanto, escrevo, retomo. caio nas drogas, café, cigarros próprios (tanto pelo gesto!), chocolate e farinha branca. entendo que Roland Barthes está errado. no Análise Estrutural da Narrativa, diz que quando se narram coisas que o narrador já sabe, tipo "este joão, meu irmão, era médico", é uma marca do leitor implícito. Mas só concordo com isso se o leitor for também o próprio escritor. Se fosse assim, não existiriam diários. Sei que, numa ânsia tremenda de delimitar as coisas, o cara (que é foda, eu acho muito) acaba falando demais. É bom que ele sempre se arrisca! Porque em"a marquesa saiu às 5 horas", "ela mesma para comprar as flores" ou, "estou desintegrada para escrever" podem ter marcas que não são de ninguém. Ou também, porque escrevo coisas que eu já sei que sei e é para mim mesma que desconheço. Os símbolos são inseridos sistematicamente ou podem ser coisas óbvias de desconhecidas para mim e que acontecem. E eu antes de ontem tinha anotado o que o Barthes escreveu com muito afeto. Tinha escrito que o António Lobo Antunes nunca marca o leitor, então, porque ele escreve dentro da perspectiva, sempre, do narrador.
***
escrevi uma carta ontem para o antónio lobo antunes. assim:
antónio, se no meu país existissem sultões, eu te convidava para ser o sultão aqui de mim,
cheio de crueldade você me daria o arbitrário de tudo
ah, eu iria sorrir e você também sorria, sim
***
"escrevo em desordem", escrevo para ter. Tudo aqui passa pela posse. As palavras, fazê-las, tê-las. Se o ato está sempre no presente, se é por tudo ser presente que me apavoro, se é disso que Eliot fala, se eu bem entendi, as palavras não preenchem espaços ou funções. As palavras são o espaço. A palavra é inerente.
***
hoje tomei uma absurda chuva de verão. É verão, ouviram bem? Por mais que a cidade o evite, é verão. É bom anunciar porque a cidade sempre aceita o inverno resignada, mas o verão? A cidade fica apavorada, você vê nos rostos as pessoas quase querendo se comprometer com o verão. Nas noites mais quentes, ninguém agüenta e explodem para as mesas quadradas sentadas de bares. Mas somos tão provincianíssimos! o medo do verão está nas pessoas, medo de que alguém te veja correndo na chuva, correndo dentro da chuva com a chuva, sem fugir da intensidade do excesso, do barulho, do corpo largado sem roupa; isso é medo de se alegrar, não podemos sorrir muito além do 'obrigado', se não começaremos a interagir com o outro, que pode ser alguém de más intenções, gente com a qual não se faz uma festa, aliás, festa na rua? só as patrocinadas pela pomarolla. todos os feriados milhões descem a serra. e é para o interior que o tietê corre, mário de andrade já dizia.
Eu saí para comprar a rosca sabores da padaria nova, todos os meus melhores amigos estão tão longe, saí para devolver os filmes, a água arrastando pela canela morro abaixo, pensando que daqui a pouco anoitece, já vai ter terminado o trabalho e eu poderei continuar sozinha, bem assim, por quanto tempo? não sei, nem quando isso começou.
***
bem, para todos vocês que não estão presentes, também ficam dadas minhas notícias.
***
ah! o trecho de herberto helder:
O coração já não pode mais. Entre os bichos e as plantas, acontece-lhe dizer: Que fertilidade!- e a vida corrompe-se nos próprios fundamentos. Sente-se como um apóstolo sem fé. Desejaria morrer, arder no fogo apocalíptico das cidades. Ou ser devorado pela inteligência, estiolar de excessiva lucidez no meio da loucura campestre. Tradição, compreende uma: ama-a. Perdeu o nome, essa sabedoria. Beleza, é pouco. Verdade, é muito. Trata-se de um termo sútil que participa de uma e outra, que se tornou inútil, insensato.
20.11.07
mas eu não minto, não minto
estou longe perto
Uma vez, anos atrás, fiquei fascinada pela história que o Sábato ouve do Borges (um escritor argentino), a respeito de Güiraldes e o respeitável fracasso de seu livro El cencero de cristal (só o título nos faz recomendá-lo pela animação aos domingos), que, mesmo o satisfazendo ao ponto de ser publicado, foi um fracasso absoluto no mundo das vendas literárias. Parece que nem os amigos o quiseram. Daí, o escritor vaidoso e creditoso ao mundo das especulações imobiliárias, resolveu cometer um ato que fosse, de uma vez só, contra aquelas páginas e que o livrasse da memória futura dos leitores de manuais de cultura literária. E o que Güiraldes fez? (primeiro, nunca mais sugeriu um encadeamento através de uma pergunta) Güiraldes pegou com as próprias mãos todos os exemplares a que teve acesso e jogou um por um num lago. A questão que o Sábato e o outro escritor argentino se fazem é: poizentão, que bonito que é, já que o mais comum teria sido jogá-los ao fogo. E por que Güiraldes não optou pelo fogo? eles não respondem, para cada um está implícito, mas, talvez para nós não, talvez porque fosse um ambientalista avant-la-, talvez porque tivesse medo de fumaça, talvez porque não tenha lhe passado fogo pela cabeça, talvez morasse numa região dos lagos, talvez, porque tivesse ainda algum apego aquelas páginas,
talvez porque preferisse formas lentas, por darem tempo de se perceber o definitivo, o silêncio da putrefação aquática, apagando pouco a pouco aquelas letras, desfazendo devagar as folhas de papel, talvez gostasse assim, de gestos monótonos, aquietados, um silêncio que de tão fundo, ecoasse pra ninguém, mesmo que você colocasse o seu silêncio ouvindo de dentro do lago, você não escutaria nada; ouviria tão pouco nítido que talvez você já tenha mesmo num lago desses afundado e, não vendo nem ouvindo nem tocando, de nada desconfiou; mas eles estão lá, os cenceros de cristal, cheios daquelas imagens de candelabros com parafina cor-de-rosa, umas tábuas rangendo fantasmagóricas, uma vontade indefinidade de se deitar nessa planície, um lençol branco em cima do gramado, até a noite chegar e tudo que se entende depois.
when i was younger, eu talvez já soubesse que é para poder ouvir essas palavras que escrevo, é dessa água absurda que falo, que de tão enlameada- é noite- se confunde com o subterrâneo do mundo, fazendo achar, por vezes, que toco o magma. não é. disso aqui se bebe. dizem que é bom, contra a inquietude.
10.11.07
Espero viver sempre às vésperas. E não no dia."
C.L.. que fazia da dificuldade, procedimento
A realidade é que resolvi deixar de ser ingrata, meu bem. Sinto sua falta, mesmo que ligeiramente, sem sobreaviso. É que no decorrer mais amplo do tempo eu estou enrodilhada, ocupada demais em construir um templo, entre as minhas severidades e os meus afogamentos subterrâneos. E, se não te encaminho essas palavras escritas, é porque sei que quero fazê-las em você como se eu nunca mais te encostasse, um pouco por orgulho, síndrome do advogado de defesa, e porque hoje sei que ninguém garante que quando se chega na compreensão, se há chegado também no momento de compreender (fazer caber) e quanto mais expressar (palavra ambígua). Talvez seja por isso mesmo, ainda mais ao nível da experiência pessoal, que a literatura seja intransitiva.
E todas essas vontades de reiterar a unidade de si e a distância entre os seres. Aqui dentro, nessa casa, encontro até alienígenas para me sevirem. Escrever um texto é como a porra da mesa que ontem eu pintei de amarelo. Não se trata de mim, se trata de um objeto. Meu? Não sei, é um objeto em que se entra, como num vestido colocado na retina, uma teia de aranha na cara no meio da noite. Como se, a partir disso, você saísse por aí, se debatendo, simplesmente assim, vivendo.
Tear com palavras, para nós, que transformamos tudo o que é sensação em fala, é uma equação infinita, gravada na rocha do sangue (o sangue é um mineral?), cujo resultado resulta sempre: "é quase isso ou muito mais ainda". São entre lacunas como essas, é, eu vivo.
Tradition and the individual talent, T.S. Eliot, em 1920, escrevendo para hoje. O ensaio completo pode ser lido aqui.
5.11.07
3.11.07
julieta
ó:
........................................
Nasci para administrar o à-toa
o em vão
o inútil.
Pertenço de fazer imagens.
Opero por semelhanças.
Retiro semelhanças de pessoas com árvores
de pessoas com rãs
de pessoas com pedras
etc etc.
Retiro semelhanças de árvores comigo.
Não tenho habilidade pra clarezas.
Preciso de obter sabedoria vegetal.
(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã
no talo.)
E quando esteja apropriado para pedra, terei também
sabedoria mineral.
.......
(m de barros)
Abra sua conta no Yahoo! Mail, o único sem limite de espaço para armazenamento!
http://br.mail.yahoo.com"
2.11.07
E fique sabendo: quem não se arrisca não pode berrar. De repente, que loucura fina. Ser capaz é um dos modos de ser vulnerável. Olhos queimando, correntes de sangue, louvor transformado em vazio. Vamos acelerar, romper a concentração e toda a idéia de aperfeiçoamento. "Não tenho inveja às cigarras, também morrerei de cantar." A concentração será deixada para momentos mais solenes do que este, não é? Não, é não sei. Estamos inteiras na intimidade de não agüentarmos mais, o eu múltiplo, reificação solene do indíviduo, chegou ao limite. Não seremos mais destros. Não toleraremos o riso escarninho dos presentes afigurados.
Quem sabe de mim, é a minha própria aproximação de mim. Bela morena em seu vulto de carne, por exemplo: Estou indo para Cannes vestida de branco. Estou indo para Cannes esbanjar, mostrar pra todas as usuárias de diurético que a realidade que eu conheço é reter e, que, por isso, todas as coisas me atingem. Misturei nossas vidas com as dos outros e agora não sei se posso; te aceitar: como? Agora você me cansa pelos excessos de estágios de encenação que eu tenho como destino a levar te sucumbir? As pessoas nunca me comoveram tanto.
Solicito a entrada de um novo expediente. Que venha de patins, o novo expediente.
Pensei, pensamos, dissemos: por que ninguém nos escreve cartas de amor? Estou interessadíssima em cartas de amor. Estou explícita para cartas de amor.
1.11.07
31.10.07
I'll be your king volcano right for you again and again
Ok, então, ok,...
- - - - - - - - -
carlos drummond de andrade completaria hoje 107 anos. tá morto, o poeta, no meu coração meio enterrado também.
26.10.07
que tiravam frutos do pomar
e descascavam laranjas com facas sem corte:
não se ponham a arrancar as ervas do chão que a gente pisa
como meninas desprezadas e raivosas.
no pátio interno
depois de uma ciranda
é proposto pedagogicamente
que se faça um desenho feito um contrapeso do que a nossa cabeça pensa
e as crianças todas riem de satisfação
e o menino mais novo,
um cata-vento trazendo o cheiro do laranjal
veio na direção do meu amigo Lero - - - o guindaste,
e disse pra ele que não dava pra jogar aquele jogo:
-é a cabeça que pensa ou é o corpo inteiro?
o Lero que era só corpo
o Lero que não lia Sontag
o Lero quando se agitava
a gente ia junto pra praia
ele imensão pegava os prédios em redor com a sua garra
pegava as pessoas e as barracas de sorvete
arrancava as pedras do calçadão
tirava de mim toda essa lembrança
e lançava tudo ao grande verde.
feito tudo fosse aquário cheio de peixes
que um dia se descobre decorativo
e afunda no meio da água do atlântico
silêncio violento que se ouve do cais
e os peixes libertos todos
se põem a contar notícias de além-mar.
17.10.07
- - - - - - - - - - - - - - - - - -
todo amor que houver nessa vida, pra vocês.
14.10.07
Foi preciso chamar a atenção das crianças: parem de arrancar a grama, vamos fazer um desenho feito um contrapeso do que a nossa cabeça pensa. É a cabeça que pensa ou é o corpo inteiro?
O orelhão de perto de casa já tocou umas três vezes essa noite. Parece que perdi o sono. Parece que não me chamam de casa. Parece que a casa deixou de ser e esse cobertor morno só me enrola. Se você me convidar pra dançar eu recuso. Tenho o meu bailado, mequetrefe que seja, comigo mesma, noite adentro.
Vou extravasar num e dois e três: essa língua portuguesa é uma realidade mesmo, que coisa estranha, Clarice Lispector - - - a coisa estranha- - - dizer que queria não ter aprendido outra língua de tanto que te ama, português. A frase dela é bonita também porque prevê um comentário como o meu: se não tivesse aprendido outra língua, claro que não saberia como é está portuguesa. Português do Brasil. Faz diferença? Beibe, há quanto tempo assumi que muita. Mas será possível não desejar o alcance de outra língua, como o inglês, o latim ou o sânscrito? Me parece que seria como aqueles que pedem perdão a todo tempo o tempo todo, sendo que pra pedir perdão mesmo, pra ser perdão acabado, tem que ter cometido. E se eu cometer noutra língua, como vou enfiar a minha na boca e andar por aí? Tá certo, Clarice.
É e eu também quero os pés leves e desamarrados dos tecidos. Queria também ter mais fotos do dia de ontem. Tirei uma do guindaste. Guindaste é lero-lero dos iniciados. Diga sim que isso me diz muito, vou me aproximar cada vez mais desses sorrisos. Não tenha medo de colar em si mesma, ela tanto já te habita. Dias muito irrigados. Luz que arrebenta a cabeça, fecha os olhos irrigados de sangue. Sangue que se expõe ao perigo.
deixas o verão deslizar de mansinho
para o cobre luminoso do outono e
às primeiras chuvadas recomeças a escrever
como se em ti fertilizasses uma terra generosa
cansada de pousio – uma terra
necessitada de águas de sons de afectos para
intensificar o esplendor do teu firmamento
(al berto)
7.10.07
parede branca do meu quarto
se saio dela logo me permito
a resolver ir a rua
convidar algum amigo para
uma cigarra canta perto da minha janela
nessa terra coberta de espigas não-halógenas
de vida útil muito longa e eficiência constante geralmente apresentam em seu bulbo uma certa quantidade de iodo
e os amigos são como flores
secas que a gente leva na lapela
às vezes ao alcance da boca
palitando dentes feito cowboy
até que um dia a gente mastiga
e cospe nada além de pó
cantem, cantem todos nas fileiras do meu pensamento
logo estaremos daqui um quilômetro
estrada de terra percorrendo o milharal.
2.10.07
O céu descoberto para vê-los passar. Se olharmos de cima, além da cabeça retraída, vamos ver a tensão no ombro que vem desde o meio do peito, porque carrega um dilúvio que nunca aconteceu, nem nuvem se formou, como se o tempo tivesse ficado tão sem água, tão sem chuva, que, de tão seco que ficou, cristalizou-se. Ela também tem uma forma cristalina, mas não rochosa como a dele, para ela só não existe fora ou dentro. Ela passa num mundo sem gravidade em que o sol poente não precisa de nada para ir. O leitor mais desconfiado com ele se parecerá. O mais impreciso, com ela. Mas e se ambos, na verdade forem um só? Em meio a tantas adversidades é necessário narrá-los.
1.10.07
14.9.07
de mademoiselle de noailles nem os dias que
aos ziguezagues vão passando iguais e monótonos
falta-me o tempo para procurar o tempo perdido
e não estou deitado na recordação da infância
confesso
que odeio escrever cartas ou enviar recados
do horto de incêndio, do al berto.
12.9.07
Essa noite sonhei que estava deitada na areia da praia, olhando o céu enorme cheio de estrelas. Feito uma mulher primordial onde ainda não se traçaram as constelações, os signos e os destinos, cabia a mim escolher o desenho daqueles pontos de luz. De repente eu vi uma estrela cadente e eu queria fazer um pedido, mas não sabia o quê. Passou outra estrela cadente. Caiu mais uma. E eu não conheço o pedido. Acordei pensando que era isso: o que é que eu quero querer?
6.9.07
de novo na noite
se é meio-dia de sol imenso lá fora
e o que ainda arde em nós
nunca foi pela corda-bamba
só uma passeata de meio-fio
numa que às vezes chovia às vezes parava
e quando ventava me secavam as lágrimas
e isso foi desde o início
e é daqui pra segunda-feira também
os caranguejos come-dorme
vão até a praia marchando
sua verdade sanguinolenta
daqui só aparece mesmo
o trópico, o trópico
não há como viver nessa casa como se fosse uma caçapa
coube-me aqui aos sábados
a vizinhança tão vazia, que pena, ninguém aqui pra ouvir meu
joão gilberto no último volume
a cidade que te partiu,
28.8.07
25.8.07
na cadeira de palha a senhora de maiô segura um copo de gin que não bebe
há quem diga demora anos presses acentos caírem
também é um tanto cedo ainda
para dizer que não vou mais ao parque passar a tarde escrevendo
mas tudo bem, também ainda não deram à crase o silêncio
de não humilhar mais ninguém
20.7.07
Enrique Vila-Matas, em Bartleby e companhia.
*disso eu discordo.
13.7.07
no escuro, como me acontece sempre, mas agora no do seu quarto você recosta a cabeça no travesseiro empilhado no batente da cama e o seu sangue aterrorizado e também os braços e as suas pernas caladas enfim repousam
como se nunca, nunca antes por mim sepultados
na primeira vez era sair da cidade
na segunda o cais e a eternidade
finalmente resolvi sair do país
foi na noite que atravessei o jardim da minha casa e fui dar numa escada de concreto
um caracol de ângulos retos,
9.7.07
5.7.07
Theodor W. Adorno e Max Horkheimer - Dialéctica do esclarecimento: A Indústria Cultural.
(vindo dos arquivos do brejão do umbigo)
22.6.07
To be John Lennon or Leonard Cohen
para c.
sempre as janelas e os quartos, adensados nas paredes que a memória divide com a vontade de fugir. era pequena, menina de lágrimas enormes sempre que montava a mala, uma trouxa de roupas com bolachas de água e sal e tirinhas do calvin.
one night i saw a mexican film pela janela
a casa do vizinho:
um delegado prostituído que tudo o que fazia com a vida se sintetiza na encoxada na empregada no fogão. botava para ouvir um disco de hinos no dia da independência do brasil.
não havia saída.
existia era um telhado, entre os muros das casas de planta quase igual, a outra acentuadamente mais cimentada que a nossa, muito tapete de grama verde sem folhas por cima. eu caminhava pelo telhado, atravessava da janela do meu quarto para a janela do quarto do meu irmão. era uma grande façanha para uma criança triste.
one day i had to leave my country, calm beach and palm tree
a casa do vizinho foi soterrada por um lago de água salgada.
era o mar avançando a cidade, a fuga, a escolha, a memória e a renúncia.
minha mãe andou de barco num lago que cresceu dentro da bacia de um vulcão. a água borbulhava doce e incandescente.
como ela, não sei caminhar sobre outras águas. quando estaremos livres disso e de todo o resto, minha mãe? só nas horas de partir? sinto, mas não vou te chamar dessa vez. a janela do meu quarto de criança é minha, a casa do vizinho invisível e finalmente mareada e o marulho só restam na memória
no entre nós
o muro do fim da nossa casa de criança e o mar imenso
eu também já tive muito medo por você mas
o muro é também o porto para o caos
o navio cargueiro imenso, meu cruzeiro encosta. eu tenho o bilhete de entrada, esse direito de passar, meu destino contraditório nos bolsos e nas mãos uma só cruzada. uma nova parede se me coloca a frente, não me deixando alcançar o olhar pelas escotilhas. o que eu não vejo, me enjôoa e foram entorpecendo o meu nariz aquele cheiro de diesel misturado com chumbo, ferro, tudo dentro feito de aço com o níquel. embaralhada, perdi esse navio das duas, o do meu bilhete. sem cálculo sentei-me na pequena área do muro, abraçada com a minha mochila e ficamos esperando, calmamente esperando.
quando o das cinco chegou vi sua porta lá longe e minha vontade de alcançá-la enorme. tão longe e tão alucinada tive que percorrer o em cima do muro com pé ante pé, num galope como um teste de equilíbrio, que, diga-se de passagem, muito me satisfez. um pouco mais gasta e com o fôlego alterado, alcancei o portal imenso e entrei no navio.
por dentro o navio era como um ônibus da viação gato preto, com os bancos pintados de azul com mancha de giz. dei o meu bilhete das duas para o maquinista de navio das cinco. o cobrador nada me perguntou e vi sentados, logo na primeira fileira, dois passageiros muito familiares.
meu pai não me disse palavra, carregava uma sacola de feira amarela e azul e estava já muito velho com uma bengala. fez um trejeito irônico e barrueco com a cabeça, foi para mim. já minha mãe ao lado dele, não me viu, vestida de vermelho e negro, sorrindo estática seu olhar para o futuro.
eu me sentei num banco qualquer do navio, me sentindo um gato com fones de ouvido
foi aí que me lembrei que quando o joão cabral de melo neto morreu, meu pai me disse que era um dia muito triste para ele.
17.6.07
26.5.07
ali onde bate sol
percebo que sonhei com você. e ninguém vai saltar da janela ou sair da porta do banheiro para me fazer companhia nessa manhã tão fria. claro como isso só a exatidão que não sei quem é você?, mesmo que a imagem do seu corpo esteja presente, essa xícara de chá está mais próxima de mim do que o retrato do seu fatal lado esquerdo esforçado em se vestir como mamãe queria
reparei que o meu gato, quando crescer, vai parecer com o gato da janela do vizinho, como um heterônimo do sol e, que apesar de afônica e cheia de metafísicas,
estou de pé, acordada e repleta de esperanças
pois jamais tentei dormir sobre essas páginas
e te peço pra que veja na carne do poema o que já não é escrita, pois o gato vive em nós,
e fatalmente se sabe que isso já não é amor e talvez nunca tenha sido, é sempre crise
mas tão diferente da crise do sonho
em que eu te dava um beijo e te chamava de meu bem tão no canto da boca e me arrependia dessa também, coisas que me fogem pelos lábios, gestos tão ágeis e certos e logo tão ásperos.
16.5.07
now it's time to leave the capsule if you dare
eu era um avião dando voltas em berlim. com o punho encoberto no dourado, carregava um gerânio talhado em cada asa. nesses parafusos da alta-costura me escondia, o espadachim vestido de lataria, eu firmava a grande patente do céu, azul e doido, demais.
deixando em paz a germânia, voando em círculos, vivendo, como quem vindo se desfaz para trás, aeronave foi rompendo, reluzindo para cima. nem se via lá debaixo, quanto de mim partia. na cabine a conversa dum construtor com o meu pai. descubro que sou assim, tão sem dona de mim, nessa minha falta de cais.
a janela da cabine forçando, que não era de tais alturas, os botões convulsionando, não sei mais arranjar estrutura. e o painel do radar estoura. nesse caco o co-piloto perde a glote e eu aeronava, subindo, subindo o terror das aeromoças
enfim.
4.5.07
one from the heart
Ela dorme, morna. E não sabe para onde ir. Quando acorda também, mas
No sonho ela está numa paradisíaca Ilha, chão de conchas brancas, aguazinha cor de piscina. Onde ela se conheceu com ele. Quando olha para o lado, está num posto de gasolina shell Amarelo e Vermelho. Blue, like monday evening, está o coração dela. Ela quer amar e para isso não precisa amarrar os sapatos brancos. Mas alguma coisa que falta. Entra na loja de conveniência, conversa com o cara do balcão. Trata-se da recepção do jornal do país. Pelas paredes de vidro blindex ela olha lá fora. O azulzinho vem do vidro e se remete para a água. Parece que começou a chover. “Pensei que tivesse entrado pra comprar uns cigarros”.
-Cigarros? eu tenho muitos. Quer?- diz a outra pelos ombros dela.- Eu vou até ali em cima pegar. Quer?
Ela pensa que a outra pelo menos deve ter notícias do outro e escolhe ficar junto dela. A outra sobe as escadas e ela sobe também. Não se lembra dos cigarros e não sabe se subiu pelas notícias. Ela não repara que está indo atrás da outra que abre uma porta de madeira clara e entra pra um outro compartimento. “Ali eu não posso ir," ela pensa e senta na frente de um Ibook. Espera, espera olhando o descanso de tela. A outra sai de uma porta e por trás d’Ela atravessa a sala retangular, entrando em outra porta. A outra
repete a mesma passagem por trás d’Ela algumas vezes. Como os homens da família, hoje ela está de camisa e procura pelo maço no bolso. Ainda sem. E decide levantar. De repente uma nublação na cabeça. Não lembra mais se ela subiu porque a outra deixou. A outra parece atravessar a sala com olhares cada vez mais persecutórios. De repente “não era para eu estar aqui”, de repente desconhecida, “de repente a outra me reconhece”. Não salta da janela, filha minha, encontra a porta de saída descendo a escada, vira a maçaneta com tranqüilidade. O porteiro nem te olha. “Vou ter que explicar para o outro o que eu vim fazer aqui?” e atravessa a rua, as lagoas sumiram, não se volte para o mar, e ele há de voltar, vai lá, continue nessa, assim, street walking cheetah, with a heart full of napalm
29.4.07
28.4.07
O oficial do registro civil, o coletor de impostos, o mordomo da Santa
Casa e o administrador do cemitério de São João Batista
Cavaram com enxadas
Com pás
Com as unhas
Com os dentes
Cavaram uma cova mais funda do que o meu suspiro de renúncia
Depois me botaram lá dentro
E puseram por cima
As Tábuas da Lei
Mas de lá de dentro do fundo da treva do chão da cova
Eu ouvia a vozinha da Virgem Maria
Dizer que fazia sol lá fora
Dizer i n s i s t e n t e m e n t e
Que fazia sol lá fora.
(manuel bandeira)
22.4.07
No seas tan celosa, no hay ninguna como vos/ Además te ves preciosa cuando el celoso soy yo
Inicio minha luta pelo sono. Apaziguo as atividades de amanhã, lembrando de ontem e antes de ontem, falo pra ele sobre o meu pulso dobrado que incomoda. Falo pra ele que desde criança o medo de dormir me obriga a falar. Hoje, como se pedisse desculpas e com isso me avantajasse de liberdade, me peço sossego.
(continuo avaliando. do amor, o medo do sono, o medo da velocidade, são todas as quebras da minha entrega? já vejo assim, como um risco em termos de “entrega”, “escolha”, tudo tão pejorativo quando se rastreia!)
Logo voltamos a uma tarde inteira de passos alados, com o cansaço da sua mão me puxando os ombros para trás (é por causa da idade, que delicado) e, depois de perceber, alinha a nossa postura.
Conta sempre que não há despedida pra mim? Sou o seu esboço, a moça dessa cena que te olha e sorri dizendo:
“Tenho medo de que não seja para sempre.
Você me vê na estrada invisível da beira d’água? vamos olhar os olhos no reflexo?". Cenas brancas e cenas estáveis. Depois cenas da hora de escurecer. “Olha pra lua, eu não te esqueço”. A minha fraseologia cravada nas suas costas, faz você lembrar que quer tirar a roupa das minhas palavras? "Dispa-se, mulher".
Passa os dedos entre os fios do cabelo dele, retoca o cabelo dele pra sentir a falta de uma mímica condensada do amor. Saímos do universo do gesto. Estamos sós, eu me desencantei de mim mesma, acontece sempre. Minha cabeça encosta na sua, fazendo o contato entre as partes desentendidas. Quantas horas será que eu vou conseguir dormir, se você vai acordar antes?
Em algum momento me venci, passei, é de manhã finalmente.
Ele gosta tanto de cantar quando é cedo. Canta um pedaço só de cada música, sem perceber, como um afresco que só tivesse cheiro. Coloco sua voz como o meu fone de ouvido, quando você se levanta, debruço na sua fronha da minha casa. Bem cedo te farei um café, toda manhã seu. Eu sou a moça dessa cena, lembra? que todo trecho entende como sendo dela e para ela, porque o homem que canta de ouvido e acaso, canta dentro do clima e por ossatura.
algumas culturas vêem no arco-íris duas cores, outras doze.
na escola se aprende quantas cores tem o absurdo:
(são sete)
a noite, a visão, o vigor,
a falha,
o riso e o esquecimento
(http://saidthebird.multiply.com/music/item/276)
13.4.07
---:----
roland barthes: "todo estilo é um segredo".
clarice lispector: "quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo".
---:----
vamos caçar razões e astronautas?
lendo humano, demasiado humano: "assim como aumentam as geleiras quando nas regiões equatoriais o sol atinge os mares com mais ardor do que antes, também um livre-pensar muito forte e abrangente pode ser testemunho de que em algum lugar ponto o ardor do sentimento cresceu extraordinariamente".
---:---
como será que o rosto dele vai ficar quando envelhecer mais?
(vinte anos daqui em diante,
sem beijos de despedida dessa vez
seu charme ainda, espero, vai me fazer sofrer
boa viagem que você se exploda dentro de mim
até o fim.)
a minha voz também tem muita questão. você chega lá quando?
antônio diz:
comecei a contar essa história pra saber o que não é.
cassandra diz:
sei, daí os papéizinhos voam milhares no chão de cimento que parece granito.
antônio diz:
eu prefiro caixas ao chão, cassy. prefiro nenhum termostato da dor.
cassandra diz:
não deixe barato. vou comprar nívea sun pra gente comer: o barato é que deus me deu.
antônio:
eu parei de comer.
cassandra:
e eu não queria ter fome.
31.3.07
27.3.07
ele está apaixonado. faz dias que eu vejo e sei: aquele homem está apaixonado esperando, procurando com os olhos ela que não chega. todo dia é a mesma coisa: ele, apaixonado, fica inquieto onde não deve, não consegue só se sentar e esperar, ele está consumido, não deve dormir nem comer direito,
está consumido, como todos nós seremosoufomos, os incinerados pelo amor que não chega. ou que chegou e a gente não sabe oquemaisquerer?
isso porque, horas antes,
oprofessordeliteratura dizia com risinhos da tópica ingênua do amor no lixodoromance em questão: "como se a paixão fosse uma doença". eu deveria ter abordado uma questão de indignação? vou levar o moço que acompanho com os olhos a vivência da falta, levarei a mim mesma num tribunal e uma dúzia de amigos justos
mas você, se você chegar e quiser participar da nossa turma te daremos suas cinzas. vão rir de você, gargalharemos dos seus fingimentos, da sua ridícula parecência.
não vem que não tem, meu bem. eu agora não sou mais fatual.
26.3.07
23.3.07
12.3.07
4.3.07
o espetáculo
vejam as asas e os sapatos
que viraram irmãos no delírio
que encantados agora são pássaros de couro ornamental
dos sapatos não se usam meus ossos, e as asas estão sem as plumas, a renda continua sem a chegada do apresentador, um cão escapa de dizermos que não há público e morde a falta de sangue do inferno
e os homens estão na fila dos carros fingindo que são homens dentro de carros
o pássaro de couro ornamental não move uma sílaba
essa gota precária de saliva
(o adorável desenho é da eva, muito mais aqui)
2.3.07
no cinema godard repete o que no consultório o psicanalista afirma: a comunicação entre-um-e-outro é intransitiva. isso ele diz de dentro do consultório onde não teve o amor que eu tive, de comunicação impermitida. afinal, de que serve uma saudade ou mesmo um número de telefone se ele se encontra irremediavelmente ultrapassado?
26.2.07
El miedo a envejecer nace del reconocimiento de que uno no está viviendo la vida que desea. Es equivalente a la sensación de estar usando mal el presente.
do diário de susan sontag, pedaços aqui
20.2.07
19.2.07
quebramos em falso três bisturis para ver se ela acordava
seis vezes escutamos timbres que do coração divergiam
de vez em quando ela agonizava e gemia:
-paris! paris!
ela sofreu três fraturas na costela
mas a senhora me perdoe, também quem não sofre enquanto espera,
'vai ver que nunca mais o amor faz de mim alguém?'
era uma dessas pontas de aço esterilizado que estavam por dentro do meu estômago e me fizeram acordar. a cidade, meu bem, estava pegando fogo. dez mil habitantes resolveram aleatoriamente seguir as prescrições da velinha de amsterdã de como atear fogo em uma metrópole sem perder o sentido. era o acaso minhas costelas estarem quebradas hoje de manhã. quando comecei a discar no celular, parei. pensei em ficar sozinha. pensei. fiquei lembrando da minha última corrida num táxi pensando que quando volto pra casa nunca sei se deixei mesmo o gás desligado. pensei que então era eu, claro, em mim que aquele fogo tinha começado.
17.2.07
:
"onde o meu rápido risco no espaço também se perca, suas cascatas me levando até a água, e finalmente a água infinda e estranha nas mãos em volta de tudo, quando o conhecimento também sofre o seu risco. vou e nunca sei quando volto, será normal, como você que olhará bem fora do tempo, talvez desconfiando de algum lugar, quando ler este nossa companhia que é o texto na ausência, principalmente de algo tão presente quanto instigante que pode ser o desconhecido. você sempre se pergunta onde é que está? ou tem muita certeza ou muita dúvida do que se encontra, ou respira de improviso uma conversa? e o texto, o quanto poderá ele expulsar os nossos nomes, e o quanto poderemos voltar como aqueles cegos principiantes de que você me falava?, na praça a dar pombos com as mãos ao ar, saberá alguma lembrança física, como poderia ser o pensamento? o pensamento é um sentido?"
3.1.07
ao acaso hoje li isso que me impressionou tanto pela compatibilidade do que escrevi aqui dois dias antes:
"Jodoigne, 23 de março de 1977.
Hoje reconheço esse sonho. Foi um sonho que tive durante uma noite do princípio do mês de Março. Um lago- enquanto eu dormia voltada sobre o lado esquerdo-, estava ao meu lado; era imenso, embora limitado pelos contornos de lago, espelhado, parecia querer ver-me calmamente dormir.
hoje, dia 23, acordei susceptível, mutável, dispersa na concentração de ligar várias imagens. Lágrimas, sempre à frente dos olhos. Conheci- porque a vigília do lago me veio à idéia-, esta coisa simples sobre as mortes. Eu já fui, em verdade, lago- sua borda de terra-, o corpo dessas reminiscências está em mim; apodrecer é o meio de voltar à terra, à água do lago, de trazê-los e levá-los consigo. A morte é a noite obscura desta passagem, o único meio de sublimar a pedra cativa.
meu pai era um lago rodeado pelos meandros de minha mãe; se ele tivesse sido a lagoa escura, as montanhas que o cercavam, olhava-as ele de cima para a imagem lacustre de fundo. Fui educada para saber que, quando se olha com profundidade, a profundidade é a superfície."
Maria Gabriela Llansol em Finita.
e essa foto é do Duarte Belo