29.12.05
mentiras sinceras me interessam
nunca sonhei com você, nunca fui ao cinema, não gosto de samba, não vou a ipanema. não gosto de chuva, nem gosto de sol.
olhando pro chão, pé ante pé, mas às vezes tranço minhas canelas. esquecida essa lembrança, que retorna: filete entre gengivas. rede entre mangueiras. mar de ressaca. cigarras ensurdecidas. no seu cenário, não saia dele, no cenário à esquerda, por favor. isso assim continua: com você eu sempre chego atrasada. uma canção singela, brasileira, cifras que você não faria e eu nem sei mais. passava a tarde, chegaria o outono. meu respaldo no chão. e daí até? as lagoas de sono do esquecimento? ou verão?
28.12.05
eu vi o mar, eu afundei na lagoa
la tua Gioconda à paura di quest'onda...
ridere ridere ridere
di questo infelice qui
Adoniran Barbosa
Dizem que a vida continua a mesma ano após ano. É claro. E eu duvido. E como se cada ano fosse uma lacuna, experimento umas memórias.
2005 pra mim foi um ano de dúvida, frustração e muita solidão. Ruído mental inútil, dissolução, desespero e ansiedade. E ao mesmo tempo e com isso tudo, 2005 foi dos melhores anos da minha vida. O espírito é masoquista? Complacente? Ou como um herói de tragédia, o reconhecimento se dá pela dor? Porque é sim, como no livro dos prazeres, uma aprendizagem. E leva sim, nalgum lugar, nem a frente, nem pra trás, mas noutra estância. É que fiquei solitária de vida. Talvez o resultado de uma agitação mental absoluta, de quem encara o buraco de dentro e não pára a engrenagem. Mas foi a primeira vez que desautomatizei minhas formas sedimentadas de viver, de conversar, de amar, de ler, de ouvir música, de escrever, de dançar. E sei que eu quero mais disso, de outras coisas, de muitas vidas. Mais isso é agora, depois. Teve o absoluto cansaço de uma solidão de vida, de quem nunca rompe o dique: fiquei com paralisia: parei de ler, parei de escrever, parei de sair. E, se a vontade de amar em parte paralisava o trabalho, foi na superfície dela que refletia outro retrato: estava vagando pelo mundo como um cego que, embaçado, não sabe o que fazer com tanto tato e vai esbarrando nos muros, ou, antes ainda, se protege entre eles. Já me interessava pelos desertos. Comecei a amar os guindastes e outras formas banais de destruição, alardeei o meu búfalo e se alguma porta está aberta, é que só fecho depois de sair e o lixo pra chave. Então por charme eu aprendi a discordar do Drummond, já que o amor, como quase sempre, resultou útil. E os olhos não choram mais e entendem alguma coisa a mais.
Sei bem que os últimos dias do ano não são os últimos dias do tempo, mas faço minha missa pelos mortos e não vou dormir quando 2006 chegar. E não quero mais a contra-mão, que meu tempo é esse, de leito de rio: calmaria no tempo claro ou esboço de fúria; com o desembocar de preferência no mar:
Não sei muito acerca de deuses; mas penso que o rio
É um robusto deus castanho- taciturno, selvagem e intratável
Paciente até certo ponto, reconhecido primeiro como fronteira; (Eliot)
Espero que 2006 seja como será. E que o de vocês seja ótimo, queridos.
27.12.05
Than time counted by anxious worried women
Lying awake, calculating the future,
Trying to unweave, unwind, unravel
And piece together the past and the future,
Between midnight and dawn, when the past is all deception,
The future futureless, before the morning watch
When time stops and time is never ending;
(T.S. Eliot, The dry salvages).
25.12.05
natal é avaliação de conduta, reflexão de atitude
24.12.05
19.12.05
18.12.05
17.12.05
14.12.05
fofffffffffffo
-A senhorita poderia me conceder uma informação?
Eu, retirando os fones de ouvido:
-Claro. O que o senhor quer saber?
-A senhorita sabe qual é o preço de um sorriso?
Acho que o céu abriu, o sol brilhou e eu sorri inteira:
-É de graça, né?
-Então por que tanta economia?
11.12.05
8.12.05
1.12.05
non fu che la scialbatura,
la tonaca che riveste
la nostra umana ventura.
Ed era forse oltre il telo
l'azzurro tranquillo;
vietava il limpido cielo
solo un sigillo.
0 vero c'era il falòtico
mutarsi della mia vita,
lo schiudersi d'un'ignita
zolla che mai vedrò.
Restò così questa scorza
la vera mia sostanza;
il fuoco che non si smorza
per me si chiamò: l'ignoranza.
Se un'ombra scorgete, non è
un'ombra - ma quella io sono.
Potessi spiccarla da me,
offrirvela in dono.
(Eugenio Montale)
30.11.05
sobre toda estrada, sobre toda a sala
Como eu vou lhe contar aquilo do que eu ainda não me despedi? (o segredo do universo marcha nessa espera lenta, passando por cima das dálias e pisoteando hortências e até algum lepidoptero raro, de colecionador, em repouso. As a chinese jar still. Quer dizer, o que não se espera pela nossa espera. Eu nunca esperei avidamente. Expectativas sim, em tu-do, até mesmo no apalpar dos pães de forma no supermercado. "Foffo", "não-foffo", pretendendo aquele ou esse no futuro mastigar, mas sem prestar mais atenção. Claro, mesmo na mesma família pode-se optar pelo pacote amarelo. Passei os últimos 250 dias de hibernação com eles, mas agora chegou aquele momento em que tudo mudou, estou sozinha novamente, é bom não se. Tudo escuro. É bom mas não se. É bom, sim porra, o que é bom é bom. Mas não é só o bom que é bom, deixem de ser chatos em mais esta obrigatoriedade. A chave é mudar de assunto a cada? Não sei, sem assunto, não sei como mudá-lo. A tendência é ao natural, verão estampado ou liso, sabe? verão, veraneio, varanda, a lua branca por detrás da samambaia. Eu digo. Os Caymmi são o único foco de resistência no país! Todo o resto é cópia deles. Ou distorção! que é ainda pior. O próprio Caetano Veloso foi cantar body and soul, cantou em italiano, cantou como puta do almodóvar, deve ter cantado música gospel e cantou no faustão. Se o Caymmi cantasse no faustão, tudo bem, mas as sandálias dele nunca se arrastariam até lá. Devemos alimentá-los. Que se foda o seu hamster, sua chinchila, sua iguana. Agora eu sou da turma das hienas. Hienas que bebem heineken, embolsemos. Você já viu uma hiena soluçando? Ah, meu caro, é um espetáculo à parte. Mas os aplausos, só no fim, não entre os movimentos. Mas se for hino, querido, não aplaude não que não pode. Rouba a bandeira, pega ela que ela é tua, engole ela inteira, o Brasil, tão rememorado naquelas catacumbas engessadas; eu ainda estou falando disso e nisso? não pondendo acabar com essa penúltima frase de efeito tão conclusiva, esta, portanto, ficará sendo, perpetua e irrevogavelmente, a palavra última.) Sim, tenho lembrado bastante de você.
29.11.05
Uma vez fui a um médico.
(...)
A verdade é que eu ainda não havia encontrado o estilo. Mas ouça, meu amigo: conheço por exemplo a história de um homem velho. Conheço também a de um homem novo. A do velho é melhor, pois era muito velho, e que poderia ele esperar? Mas veja, preste bem atenção. Esse homem é velhíssimo, não se resignaria nunca a prescindir do amor. Amava as flores. No meio da sua solidão tinha vasos de orquídeas.
O mundo é assim, que quer? É forçoso encontrar um estilo. Seria bom colocar grandes cartazes nas ruas, fazer avisos na televisão e nos cinemas. Procure o seu estilo, se não quer dar em pantanas. Arranjei o meu estilo estudando matemática e ouvindo um pouco de música.- João Sebastião Bach. (...) Consegui um estilo. Aplico-o à noite, quando acordo às quatro da madrugada. É simples: quando acordo aterrorizado, vendo as grandes sombras incompreensíveis erguerem-se no meio do quarto, quando a pequena luz se faz na ponta dos dedos, e toda a imensa melancolia do mundo parece subir do sangue com a sua voz obscura... Começo a fazer o meu estilo. Admirável exercício, este. Às vezes uso o processo de esvaziar as palavras. Sabe como é? Pego numa palavra fundamental. Palavras fundamentais, curioso... Pego numa palavra fundamental: Amor, Doença, Medo, Morte, Metamorfose. Digo-a baixo vinte vezes. Já não significa. É um modo de alcançar o estilo.
(...)
Herberto Helder, "Estilo", d'Os passos em volta.
27.11.05
falar de amor em Itapuã
ora ora pro nobis
Mas nada disso, sinceramente, me importa. Nada disso me seria relevante (neste sábado à noite sem Claro que é Rock e cheio de tosse e poetas africanos) se eu não tomasse cada vez mais mais gosto pelas anedotas.
É da sabedoria universal que o fim da tarde de sábado é o horário ideal para encontrar um interlocutor em casa. Já que é assim, o telefone na dos meus pais tocou. Atendi. Tudo muito formal. A mulher do outro lado chamou pelo meu pai e disse a mim que pertencia aos Arautos do Evangelho. Uau! Não o avisei do 'detalhe' e me mantive na extensão:
-Olá, Sr. João, como vai?
-Sim, sou eu. Quem fala?
-Meu nome é Marisa. Faço parte dos Arautos do Evangelho, o Sr. já ouviu falar?
-Sim. Conheço.
-Não sei se o Sr. tomou conhecimento, mas nós estamos inaugurando um Colégio próximo a sua casa. Eu estou ligando porque gostaria de agendar com o Sr. uma visita à sua casa.
-Visita na minha casa??
-Sim, uma visita à sua casa para abençoá-la, com a imagem de Nossa Senhora de Aparecida, padroeira do Brasil, o Sr. deve...
-Acontece, Minha Senhora, que eu sou comunista.
-COMUNISTA?
-SIM. Comunista.
-Mas como o Sr. pode fazer uma coisa dessas?? O Sr. não tem religião? Sabe o mal que é isso?
-Minha Senhora, eu ligo para senhora para tentar convertê-la ao budismo? ao islamismo? ao COMUNISMO?
-DIABO! DIABO! DIABO!
-Passar bem.
-DIABO! DIABO! DIAB.
24.11.05
eu vou, por que não?
-Júlia de Carvalho Ansen?
Eu corrijo:
-Júlia de Carvalho Ransen.
Ela levanta do guichê, me deixando sozinha sem pedir licença e vai atrás conversar com outro agente. Penso que a polícia vai perguntar sobre a assinatura, mas "vai ser fácil, vou me sair bem como sempre", ainda mais que não levo nada nos bolsos ou nas mãos que me comprometa. Olho pro chão e estranho meus sapatos, mas que combinam com essa calça de risca-de-giz. Ponho a mão nos bolsos, o direito se avoluma, parece um chiclete, mas quando puxo pra fora é uma orquídea lilás. Carregarei pela eternidade a orquídea lilás que "veja, minha filha, não se alimenta de nada que não seja o ar".
A mulher volta e me oferece um kleenex. Aceito. E me diz:
-Olha, você não poderá embarcar. A Júlia já passou por aqui faz uma hora. Numa hora dessas ela já está no ar.
-Mas a Júlia não sou eu?- digo sem ansiedade.
-Ela perguntou o mesmo.
-E pra onde ela foi?
-Pro mesmo lugar que você ia. Por pouco vocês não se encontram.
:::
(Cacete. Nem em sonho eu sei pra onde vou? Mas olha só, já fui e ninguém me avisou. Eu estou aqui, mas não sou eu quem está aqui, Clearly non-Campos, já que dessa vez não é excesso, só não tem ninguém. Só sei que no sol de quase dezembro, eu quero seguir vivendo, amor.)
23.11.05
19.11.05
i do my best to make him stay (?)
Footfalls echo in the memory
Down the passage which we did not take
Towards the door we never opened
Into the rose-garden. My words echo
Thus, in your mind.
But to what purpose
Disturbing the dust on a bowl of rose-leaves
I do not know.
:::
o conjunto de 2005 foi eleito, por unanimidade, na categoria do ano mais comentado do século. quem mais vota nele?
13.11.05
8.11.05
escudos
estive no fantástico mundo que é uma papelaria. Os papéis em cores, texturas, tem as tesouras de cabo preto, de torto a direito, massas de modelar, goma arábica, potinhos de cores, tubinhos de cores, trechinhos de riscos, uma goiva. "É tanta coisa que está pra fazer o que ainda não é."
Foi que nem no supermercado quando a gente é criança, sabe? espremi os olhos, torcendo pra ser 6 da tarde, cerrarem as portas e eu, sozinha e esquecida, presa entre os lápis de cor e as caixas com os vidrinhos de tinner. Tiro o casaco, me livro deste cemitério. Lembro que quando chega o escuro duma madrugada é permitido sorrir e amasso um giz-de-cera entre os dedos, formando um elo, parece um brinco, está feito, e talvez, sem ninguém ver, eu comece uma coisa melhor?
:::
Um amigo disse a respeito dos meus amigos: "eles todos têm a mesma cara atormentada: 'estou dirigindo um carro-bomba a 150km/h". Eu achei estranho, nuncafreqüentei um sky-sos. Daí ele completou, rindo: "dirigindo um carro, mas o carro está parado!". Eu, segurando bem o volante, sorri e mordi uma passatempo, na falta dum líqüido pra enfiar um copo na cara. Como um francês ele repetiu, rindo mais alto: "está parado!! não vê!?!". Foi quando pensei num carrossel rosinha, girando alucinado, com o comentador girando nele, tão sabido e assustado com seu comentário. Meus amigos viriam e é! meus amigos vêm e explodem tudo! explodem tudo com TNT. E eu? assisti pica-pau demais na infância e, sim, fiquei assustada com aquela risada escabrosa.
:::
que se foda
6.11.05
(Cortázar, "O jogo da Amarelinha")
3.11.05
2.11.05
E eu calo? Faria o quê?
:::
Dia de finados. Precioso. Não, não quero ser reticente. Embora eu ande querendo escrever sobre "ir embora". Convivam seus mortos.
Fui hoje ao aniversário de um colega de serviço. Essas festas de meio de semana são sempre acanhadas. É preciso dormir cedo, controlar-se. Numa roda, um conhecido nos assegura que podemos estar sossegados. Em Paris estão guardadas as medidas: o Metro, o Quilo etc. Bebi três cervejas ou mais. E fiquei meio de lado tentando edificar-me uma Paris. Meus modelos são tão volúveis. Uma metafísica caseira me propõe questões extremamente embaraçosas. Busco éticas em lavar ou não a louça que sujo, na honestidade com mulheres que sempre terminam por me deixar. Na verdade, trago uma Paris no coração. Sou incapaz de descomedimentos.
(Rodrigo Naves, d'O filantropo.)
28.10.05
No céu também há uma hora melancólica.
Hora difícil, em que a dúvida penetra as almas.
Porque fiz o mundo? Deus se pergunta
e se responde: Não sei.
Os anjos olham-no com reprovação,
e plumas caem.Todas as hipóteses: a graça, a eternidade, o amor
caem, são plumas.
Outra pluma, o céu se desfaz.
Tão manso, nenhum fragor denuncia
o momento entre tudo e nada,
ou seja, a tristeza de Deus.
(cda)
25.10.05
Os pensadores, Vol. 44
:::
Os Beatles não existiriam sem os ciúmes e o Sgt. Pepper's foi solto em 1967. O que mais foi lançado em 1967, hein?
:::
Em todos os grandes acordos de paz da humanidade, um dos 'chefes' estava com gripe, levando em conta que o fim último de um gripado é sempre o leito: 'ok, sua besta, concordo e deito'. O Datafolha confirma pelas assinaturas, já que também se assina mais a Folha com gripe. Depois quando a cidade cobre-se de surtos virais, ninguém diz nada, talvez se os jornais ainda fossem feitos com chumbo, as pragas seriam mais evidentes e _________________________.
Não cantarei amores que não tenho,
e, quando tive, nunca celebrei.
Não cantarei o riso que não rira
e que, se risse, ofertaria a pobres.
Minha matéria é o nada.
Jamais ousei cantar algo de vida:
se o canto sai da boca ensimesmada,
é porque a brisa o trouxe, e o leva a brisa,
nem sabe a planta o vento que a visita.
Ou sabe? Algo de nós acaso se transmite,
mas tão disperso, e vago, tão estranho,
que, se regressa a mim que o apascentava,
o ouro suposto é nele cobre e estanho,
estanho e cobre,
e o que não é maleável deixa de ser nobre,
nem era amor aquilo que amava.
Nem era dor aquilo que doía;
ou dói, agora, quando já se foi?
Que dor se sabe dor, e não se extingue?
(Não cantarei o mar: que ele se vingue
de meu silêncio, nesta concha.)
Que sentimento vive, e já prospera
cavando em nós a terra necessária
para se sepultar à moda austera
de quem vive sua morte?
Não cantarei o morto: é o próprio canto.
E já não sei do espanto,
da úmida assombração que vem do norte
e vai do sul, e, quatro, aos quatro ventos,
ajusta em mim seu terno de lamentos.
Não canto, pois não sei, e toda sílaba
acaso reunida
a sua irmã, em serpes irritadas vejo as duas.
Amador de serpentes, minha vida
passarei, sobre a relva debruçado,
a ver a linha curva que se estende,
ou se contrai e atrai, além da pobre
área de luz de nossa geometria.
Estanho, estanho e cobre,
tais meus pecados, quanto mais fugi
do que enfim capturei, não mais visando
aos alvos imortais.
Ó descobrimento retardado
pela força de ver.
Ó encontro de mim, no meu silêncio,
configurado, repleto, numa casta
expressão de temor que se despede.
O golfo mais dourado me circunda
com apenas cerrar-se uma janela.
E já não brinco a luz. E dou notícia
estrita do que dorme,
sob placa de estanho, sonho informe,
um lembrar de raízes, ainda menos
um calar de serenos
desidratados, sublimes ossuários
sem ossos;
a morte sem os mortos; a perfeita
anulação do tempo em tempos vários,
essa nudez, enfim, além dos corpos,
a modelar campinas no vazio
da alma, que é apenas alma, e se dissolve.
(Drummond, d´A vida passada a limpo)
23.10.05
21.10.05
20.10.05
literatura comparada
Só que aí colou atrás de mim um cara da minha idade, perguntando pra vendedora: "uma é em inglês britânico e outra em inglês americano, né?" Ao que a vendedora respondeu sem titubear que "sim", o afffficcionado levou as duas.
19.10.05
resist all falling at the wrong times
I know all there is to know
To have never stepped outside this ring
Fools they flow
For the self-assured I have no cure
I only wish I was
As my entertaining thoughts grow fewer
Stills my cause
For the eyes to see through
All that I do
(the delgados, gravado um ano atrás pela céci-mon amour, que lê tudim que se passa e entende mais que eu)
17.10.05
repostagem do ateuspes, boa noite
**
Sem substância, sem nada, anda!
1.Desamar o amor
2.Corromper a merencória recordação da infância
3.Desatar laços precavidos
4."Não se mate oh não se mate"
5.Chorar dez lágrimas de não-remorso todo fim de tarde
6.Comprar carambolas
7.Deslizar ironicamente pelos corredores
8.Alfabetizar os peixes
9.Descomplexar descomplexar descomplexar
10.Pegar para mim o inabsoluto
11.Colidir com as suas tradições
12.Reler as Memórias Sentimentais de um Sargento Cubas
13.Comer passarinhos
14.Entrevistar Pierre Menard
15.Fracassar, sobretudo fracassar.
***
(Eu tenho mania de reconstruir o passado para garantir o futuro das nossas memórias.
E de rir das coisas mais sérias. )
14.10.05
É necessário conhecer seu próprio abismo
E polir sempre o candelabro que o esclarece.
Tudo no universo marcha, e marcha para esperar:
Nossa existência é uma vasta expectação
Onde se tocam o princípio e o fim.
A terra terá que ser retalhada entre todos
E restituída em tempo à sua antiga harmonia.
Tudo marcha para a arquitetura perfeita:
A aurora é coletiva.
(Murilo Mendes, Poema Dialético.)
10.10.05
A queridíssima Flora
(M. de A., Esaú e Jacó)
para o futuro
acho que vou apagar meu perfil no orkut
aluga-se diz:
mas eu gosto dele, snif
aluga-se diz:
ele só me faz mal,
aluga-se diz:
é sujo, mas eu gosto dele
M diz:
como assim?? vc nao vai mais ter orkut?
aluga-se diz:
e todos os testemunhos que eu ganhei e escrevi, né?
M diz:
poxa
M diz:
ah sei la né, vai ser bom pra vc tb
aluga-se diz:
eu perguntei prum amigo 'nossa, como você leu tanta coisa diferente, né'
aluga-se diz:
ele: 'é, no meu tempo não tinha internet'
M diz:
ele nao perdia o tempo lendo scraps alheios
aluga-se diz:
nem adicionando novas comunidades
aluga-se diz:
e transcrevendo músicas nos abouts
aluga-se diz:
e muito menos vendo pela enésima vez profiles de quem não deve
aluga-se diz:
e menos ainda de pessoas que não importam
M diz:
de quem vc nunca viu na vida
aluga-se diz:
é isso, as pessoas na rua são assustadoras
M diz:
vc acha que ja viu elas em algum lugar
M diz:
e quando se lembra foi no orkut
M diz:
que lixao
aluga-se diz:
é, acontece mesmo. mas o azulzinho no orkut deixa todo mundo igual
aluga-se diz:
eu acho mesmo que o segredo do orkut está no azulzinho dele
M diz:
haha
M diz:
mas é mesmo se fosse de outra cor vc nao consiguiria ficar tanto tempo olhando pra ele
aluga-se diz:
azulzinho tranquilo, uma forma compactada, você não pode mexer na cor
aluga-se diz:
em nada
aluga-se diz:
a não ser nas lacunas que te dão
aluga-se diz:
e você faz parte de um arquivo, é uma fichinha
M diz:
é assim e pronto
M diz:
divirta-se, lixao
aluga-se diz:
o orkut é perigoso
aluga-se diz:
e acho que mudou a vida de todo mundo, já
M diz:
ate mesmo de quem nao tem
aluga-se diz:
só não apago porque não tomo decisões em tpm
7.10.05
freud ex-machina
diálogo do banheiro da faculdade
Eu disse, professor! assim não dá, né?
a magra do lado da pia diz:
Fez bem fez bem. Que bom que você disse, sabe?! ele é muito desorganizado!...
a gorda dentro da cabine diz:
Pois é, eu tinha que dizer, né? Eu gosto das coisas nos lugares certinhos, tudo arrumadinho.
Semana passada mesmo, meu irmão me ligou pra me pedir um documento, em menos de uma hora tava lá o documento pra ele. Guardo tudo em pastinhas por cor, não perco nada.
a magra do lado da pia diz:
Você faz muito bem, G***e. É tanto papel, né, gente a gente se perde, u, facinho. E ele falou alguma coisa? ficou bravo?
a gorda dentro da cabine diz:
Não e nem podia, né, ficou ouvindo. Ai, menina, um dia se você for lá em casa eu te mostro meus tupperwares! Quando eu casei tive que dar mais de vinte! porque não cabia tanto tupperware! eu sou louca por tupperware, sabe? tenho de todos os tamanhos, um monte de tupperware.
a magra do lado da pia diz:
Na minha casa também, viu, tem tanto tupperware! minha mãe sempre tem que comprar mais.
a gorda lavando a mão diz:
Ah! tupperware é sempre bom comprar mais, né? Mas enfim, foi isso, falei mesmo! eu não tava entendendo nada, pô! tinha que reclamar.
a magra do lado da porta diz:
Ah é, né, menina! tinham que dar a literatura bem classificadinha pra gente, né? daí quem sabe eu entendia aquele troço.
eu, ma-ra-vi-lha-da, segurando a porta para elas sairem diz :
(nada)
a gorda e a magra diz:
obrigada.
4.10.05
the murder mystery
amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer
***
Mas engana-se quem pensa que eu dava atenção demais à Fonseca. Era mais que um dever karmico, afinal, não era a primeira vez que uma lagartixa se envolvia com o Drummond na minha vida. Uns anos antes, no 1o. colegial, eu encontrei entre uma Obra Completa e um Hermann Hesse uma prima da Fonseca, seca de tão morta. O estado de fóssil que se encontrava a literata lagartixa mostra que meus hiatos com a literatura não vem de hoje.
***
Vocês sabem, na sala da casa dos meus pais tem um relógio de dar corda do fim do XIX. De meia hora ele toca dlom-dlom e a hora cheia ele toca conforme, né, 4 é dlom-dlom dlom-dlom dlom-dlom dlom-dlom. Ele não vive em 16h. Uma vez de queixo no chão eu sabia quantos minutos tinham passado por uma somatória absurda entre o tic-tac e os dlon-dlon. Acontece que o relógio quebrou. Como em toda casa que se preze, as coisas naquela demoram a ser consertadas, mas não dessa vez! não foi assim. Afinal, com o relógio parado como mamãe iria sair seus habituais 15 minutos atrasada? E meu pai, como iria tomar banho todo fim de tarde? Sendo assim, em dois dias o relógio veio parar aqui, minha avó-resgate levou pra arrumar e uma semana depois, neste momento, o relógio repousa deitado na mesa atrás de mim, esperando que venham buscá-lo. Eu bem conheço as propriedades do tempo e, se não fosse o plástico bolha, eu talvez volteasse os ponteiros sem fim. Ou, melhor? avançaria até dezembro, quando tudo isso já vai ter ido tarde e, quem sabe?, o sol se põe na minha frente sem relógio, no meio do mar da Bahia.
***
Enquanto o relógio e a Bahia não se reúnem, hoje me apareceu outra lagartixa em cadáver, só que dessa vez fresco, produzido pelos gatos-mofados. Fiquei estática, afinal eu só queria jantar e tinha um morto no chão da cozinha. Bravamente peguei um monte de papel higiênico, mas senti aquele asco de não saber no que tocava. Deixei o papel de lado, olhei fixa, do fundo. Peguei. Era mole, mas não se desfez. E levei os restos da lagartixa até o lixo na palma da minha mão direita, sem nenhum terror. Sou bem firme, afinal, tinha vida na morte da lagartixa e bem, a vida tem que ser de frente.
(ainda bem que antes do meu H. tenho um J. e não um G., né?)
2.10.05
1.10.05
fica sendo o nome mais belo do medo
tristezas são belezas apagadas
pelo sofrimento
lágrimas negras saem, caem, doem
jorge mautner
27.9.05
tudo era irreparável
Meu coração não tem que ter.
(Pessoa, II. Os avisos)
¨¨¨
Bem-aventurados os que fundem-se no que andam fazendo quando alguém pergunta 'como está? como vai?'.
¨¨¨
Uma ausência me acompanha dia-a-dia. Sonhei toda noite com sua presença. Acordei assim, tristíssima.
¨¨¨
Ninguém sabia que o mundo ia acabar
(apenas uma criança percebeu mas ficou calada),
que o mundo ia acabar às 7 e 45.
Últimos pensamentos! últimos telegramas!
José, que colocava os pronomes,
Helena, que amava os homens,
Sebastião, que se arruinava,
Artur, que não dizia nada,
embarcam para a eternidade.
(Drummond, em Brejo das Almas)
baby (eu sei que é assim) revisited
e o que eu não sei mais
não sei,
comigo vai tudo azul*
contigo vai tudo em paz?
você precisa
não sei
você,
eu estudo na pior universidade da américa do sul.
*licença poética
25.9.05
são coisas do momento, são chuvas de verão
Teu destino pouco me interessa.
Mas de minha alma ainda não se apagou
o brevíssimo encontro que tivemos.
Evito, de propósito, tua casinha vermelha,
tua casinha vermelha junto ao rio lamacento;
mas bem sei com que amargura
perturbo a tua ensolarada quietude.
Embora não te tenhas inclinado sobre mim
suplicando-me que te amasse,
embora não tenhas imortalizado
o meu desejo em versos dourados,
secretamente lanço encantamentos para o futuro,
sempre que as noites são de um azul profundo,
e tenho a premonição de um segundo encontro,
um inevitável segundo encontro contigo.
Anna Akhmátova, 1913.
18.9.05
bate palma com vontade, faz de conta que é turista
todo domingo a família fica faminta
domingo que é domingo é só domingo a mais.
Hoje de manhã quando acordei, olhei a janela e me espantei com um domingo tão coerente nesta chuvinha renitente. Era a hora de acender um cigarro sem nenhuma humildade, pra não pensar mais nos homens que amei (vejo os gatos rosnarem pro presunto, mas não rosnam pra ração. Um deles me dizia que era isso que me faltava: instinto). Mas eu não fumo mais e acho tanta coisa que não sei nada, nem devia falar nessas coisas. Mas a vida é melhor. O que era simples ficou complicado e o que era complicado, bem, nunca se sabe... O que eu sei desde a hora que acordei é que estão todos enganados: hoje não é domingo, na verdade é
quarta-feira de cinzas no país
e as notas dissonantes se integraram
ao som dos imbecis
sim, você, nós dois
já temos um passado, meu amor
a bossa, a fossa, a nossa grande dor
como dois quadradões
Lobo lobo BOBO.
Movimento dos Barcos
movimento
(Jards Macalé e Capinan)