29.12.05

mentiras sinceras me interessam


nunca sonhei com você, nunca fui ao cinema, não gosto de samba, não vou a ipanema. não gosto de chuva, nem gosto de sol.
olhando pro chão, pé ante pé, mas às vezes tranço minhas canelas. esquecida essa lembrança, que retorna: filete entre gengivas. rede entre mangueiras. mar de ressaca. cigarras ensurdecidas. no seu cenário, não saia dele, no cenário à esquerda, por favor. isso assim continua: com você eu sempre chego atrasada. uma canção singela, brasileira, cifras que você não faria e eu nem sei mais. passava a tarde, chegaria o outono. meu respaldo no chão. e daí até? as lagoas de sono do esquecimento? ou verão?

climb in the back with your head in the clouds

esse blogue anda tão cafona que só faltava mesmo:

i just called to say i love you
i just called to say how much i care
i just called to say i loooove youuu
and i need you from the bottom of my heeeeart

todo mundo! ié.

28.12.05

eu vi o mar, eu afundei na lagoa



e me chiamaste: "Aiuto, Marcello"
la tua Gioconda à paura di quest'onda...
ridere ridere ridere
di questo infelice qui
Adoniran Barbosa

E a lagoa tinha fundo, eu conferi, lá embaixo. Como aconteceu com os livros sedimentados de Güiraldes, o tempo que na água silenciou e pela água destruirá. Disseram que em 2005 bastava chover pra um dia se realizar. Eu vi também muito dia ensolarado, dia azul ou não, importa? Dos tsunamis aos mares de ressaca, as lágrimas arrastaram muita coisa.
Dizem que a vida continua a mesma ano após ano. É claro. E eu duvido. E como se cada ano fosse uma lacuna, experimento umas memórias.
2005 pra mim foi um ano de dúvida, frustração e muita solidão. Ruído mental inútil, dissolução, desespero e ansiedade. E ao mesmo tempo e com isso tudo, 2005 foi dos melhores anos da minha vida. O espírito é masoquista? Complacente? Ou como um herói de tragédia, o reconhecimento se dá pela dor? Porque é sim, como no livro dos prazeres, uma aprendizagem. E leva sim, nalgum lugar, nem a frente, nem pra trás, mas noutra estância. É que fiquei solitária de vida. Talvez o resultado de uma agitação mental absoluta, de quem encara o buraco de dentro e não pára a engrenagem. Mas foi a primeira vez que desautomatizei minhas formas sedimentadas de viver, de conversar, de amar, de ler, de ouvir música, de escrever, de dançar. E sei que eu quero mais disso, de outras coisas, de muitas vidas. Mais isso é agora, depois. Teve o absoluto cansaço de uma solidão de vida, de quem nunca rompe o dique: fiquei com paralisia: parei de ler, parei de escrever, parei de sair. E, se a vontade de amar em parte paralisava o trabalho, foi na superfície dela que refletia outro retrato: estava vagando pelo mundo como um cego que, embaçado, não sabe o que fazer com tanto tato e vai esbarrando nos muros, ou, antes ainda, se protege entre eles. Já me interessava pelos desertos. Comecei a amar os guindastes e outras formas banais de destruição, alardeei o meu búfalo e se alguma porta está aberta, é que só fecho depois de sair e o lixo pra chave. Então por charme eu aprendi a discordar do Drummond, já que o amor, como quase sempre, resultou útil. E os olhos não choram mais e entendem alguma coisa a mais.
Sei bem que os últimos dias do ano não são os últimos dias do tempo, mas faço minha missa pelos mortos e não vou dormir quando 2006 chegar. E não quero mais a contra-mão, que meu tempo é esse, de leito de rio: calmaria no tempo claro ou esboço de fúria; com o desembocar de preferência no mar:

Não sei muito acerca de deuses; mas penso que o rio
É um robusto deus castanho- taciturno, selvagem e intratável
Paciente até certo ponto, reconhecido primeiro como fronteira; (Eliot)

Se 2005 foi aquático, aquele iupi-urra a toda água engarrafada, seja no Tibet ou em Lindóia. Um viva até mesmo para a grande água, favorável de atravessar ou propícia a afundar. Às vezes a alegria cessa, às vezes é maio, é hora mais melancólica-outonal, pelo bem das macieiras que ainda vão dar maçã. Ou na felicidade estridente do verão, já que os cajuzeiros ainda vão dar muito caju, se o país é tropical. E por todo o sempre até o último dia de tudo, somos contentes com todas as trocas de terra n'água, de saliva com o ar, do ar com o ar e, last but not least, de saliva com saliva. "A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia."

Espero que 2006 seja como será. E que o de vocês seja ótimo, queridos.

27.12.05

older
Than time counted by anxious worried women
Lying awake, calculating the future,
Trying to unweave, unwind, unravel
And piece together the past and the future,
Between midnight and dawn, when the past is all deception,
The future futureless, before the morning watch
When time stops and time is never ending;
(T.S. Eliot, The dry salvages).

25.12.05

natal é avaliação de conduta, reflexão de atitude

por exemplo, o tédio da ceia: se eu cheirasse cocaína, sair do banheiro seria muito mais divertido.

24.12.05

Perde dez com ''um feliz natal pra você".

19.12.05



Quero saber
o nome de quem morre: o vestido de ar
ardendo, os pés em movimento no meio
do meu coração.

(Bacon. Herberto Helder.)

18.12.05

e: ai, menina, nessa ainda das implicações dos gestos?
u: dorme, né?
e: nããão, bobba, vai lá e implica mesmo.
u: né? manter-se unido traz boa fortuna.
e: e se não for boa, também é alguma coisa, né.
u: um jeito de não padecer. ou o padecimento completo.
e: seja feliz, seja feliz.
u: faça um romance.

17.12.05

14.12.05

fofffffffffffo

Eu e minha habitual cara de brava estávamos passeando de mau humor pela Vila Madalena, para a conquista de um remédio contra a terrível e famigerada rinite de muita coceira até no olho. Foi quando um senhor de muita idade, vestindo um terno azul-marinho e uma gravata de nó triangular se aproximou e, levantando a boina, gentilmente disse:
-A senhorita poderia me conceder uma informação?
Eu, retirando os fones de ouvido:
-Claro. O que o senhor quer saber?
-A senhorita sabe qual é o preço de um sorriso?
Acho que o céu abriu, o sol brilhou e eu sorri inteira:
-É de graça, né?
-Então por que tanta economia?
imagino como seria te amar

teria o gosto estranho das palavras
que brincamos
e a seriedade de quando esquecemos
quais palavras

imagino como seria te amar:
desisto da idéia numa verbal volúpia
e recomeço a escrever
poemas.

(ana c.)

11.12.05

moby's friend



-Oi. Agora sou seu amigo também. Da onde eu vim tem mais.

8.12.05

já que é assim, vou começar a explicar porque estou silenciada, confirmando que nunca mantenho essa boca fechada

1.12.05

Ciò che di me sapeste
non fu che la scialbatura,
la tonaca che riveste
la nostra umana ventura.

Ed era forse oltre il telo
l'azzurro tranquillo;
vietava il limpido cielo
solo un sigillo.

0 vero c'era il falòtico
mutarsi della mia vita,
lo schiudersi d'un'ignita
zolla che mai vedrò.

Restò così questa scorza
la vera mia sostanza;
il fuoco che non si smorza
per me si chiamò: l'ignoranza.

Se un'ombra scorgete, non è
un'ombra - ma quella io sono.
Potessi spiccarla da me,
offrirvela in dono.

(Eugenio Montale)

30.11.05

sobre toda estrada, sobre toda a sala




Como eu vou lhe contar aquilo do que eu ainda não me despedi? (o segredo do universo marcha nessa espera lenta, passando por cima das dálias e pisoteando hortências e até algum lepidoptero raro, de colecionador, em repouso. As a chinese jar still. Quer dizer, o que não se espera pela nossa espera. Eu nunca esperei avidamente. Expectativas sim, em tu-do, até mesmo no apalpar dos pães de forma no supermercado. "Foffo", "não-foffo", pretendendo aquele ou esse no futuro mastigar, mas sem prestar mais atenção. Claro, mesmo na mesma família pode-se optar pelo pacote amarelo. Passei os últimos 250 dias de hibernação com eles, mas agora chegou aquele momento em que tudo mudou, estou sozinha novamente, é bom não se. Tudo escuro. É bom mas não se. É bom, sim porra, o que é bom é bom. Mas não é só o bom que é bom, deixem de ser chatos em mais esta obrigatoriedade. A chave é mudar de assunto a cada? Não sei, sem assunto, não sei como mudá-lo. A tendência é ao natural, verão estampado ou liso, sabe? verão, veraneio, varanda, a lua branca por detrás da samambaia. Eu digo. Os Caymmi são o único foco de resistência no país! Todo o resto é cópia deles. Ou distorção! que é ainda pior. O próprio Caetano Veloso foi cantar body and soul, cantou em italiano, cantou como puta do almodóvar, deve ter cantado música gospel e cantou no faustão. Se o Caymmi cantasse no faustão, tudo bem, mas as sandálias dele nunca se arrastariam até lá. Devemos alimentá-los. Que se foda o seu hamster, sua chinchila, sua iguana. Agora eu sou da turma das hienas. Hienas que bebem heineken, embolsemos. Você já viu uma hiena soluçando? Ah, meu caro, é um espetáculo à parte. Mas os aplausos, só no fim, não entre os movimentos. Mas se for hino, querido, não aplaude não que não pode. Rouba a bandeira, pega ela que ela é tua, engole ela inteira, o Brasil, tão rememorado naquelas catacumbas engessadas; eu ainda estou falando disso e nisso? não pondendo acabar com essa penúltima frase de efeito tão conclusiva, esta, portanto, ficará sendo, perpetua e irrevogavelmente, a palavra última.) Sim, tenho lembrado bastante de você.

29.11.05

-Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio... Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso. Porque, sabe?, acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro... Está a ver? A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caída sobre a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida... compreende?... a nossa vida, a vida inteira, está ali como... como um acontecimento excessivo... Tem de se arrumar muito depressa. Há felizmente o estilo. Não calcula o que seja? Vejamos: o estilo é um modo sutil de transferir a confusão e a violência da vida para o plano mental de uma unidade de significação. Faço-me entender? Não? Bem, não agüentamos a desordem estuporada da vida. E então pegamos nela, reduzimo-la a dois ou três tópicos que se equacionam. Depois, por meio de uma operação intelectual, dizemos que esses tópicos se encontram no tópico comum, suponhamos, do Amor ou da Morte. Percebe? Uma dessas abstrações que servem para tudo. O cigarro consome-se, não é?, a calma volta. Mas pode imaginar o que seja isto todas as noite, durante semanas ou meses ou anos?
Uma vez fui a um médico.
(...)
A verdade é que eu ainda não havia encontrado o estilo. Mas ouça, meu amigo: conheço por exemplo a história de um homem velho. Conheço também a de um homem novo. A do velho é melhor, pois era muito velho, e que poderia ele esperar? Mas veja, preste bem atenção. Esse homem é velhíssimo, não se resignaria nunca a prescindir do amor. Amava as flores. No meio da sua solidão tinha vasos de orquídeas.
O mundo é assim, que quer? É forçoso encontrar um estilo. Seria bom colocar grandes cartazes nas ruas, fazer avisos na televisão e nos cinemas. Procure o seu estilo, se não quer dar em pantanas. Arranjei o meu estilo estudando matemática e ouvindo um pouco de música.- João Sebastião Bach. (...) Consegui um estilo. Aplico-o à noite, quando acordo às quatro da madrugada. É simples: quando acordo aterrorizado, vendo as grandes sombras incompreensíveis erguerem-se no meio do quarto, quando a pequena luz se faz na ponta dos dedos, e toda a imensa melancolia do mundo parece subir do sangue com a sua voz obscura... Começo a fazer o meu estilo. Admirável exercício, este. Às vezes uso o processo de esvaziar as palavras. Sabe como é? Pego numa palavra fundamental. Palavras fundamentais, curioso... Pego numa palavra fundamental: Amor, Doença, Medo, Morte, Metamorfose. Digo-a baixo vinte vezes. Já não significa. É um modo de alcançar o estilo.
(...)

Herberto Helder, "Estilo", d'Os passos em volta.

27.11.05

falar de amor em Itapuã

O meu santo é forte, o orixá é bom, a conjunção astral é favorável. Mas, por algum equívoco que desconheço, eu não nasci na família Caymmi.

ora ora pro nobis

ao Sérgio
É do meu conhecimento que alguns poucos visitantes deste sítio circulam pela Rodovia Raposo Tavares. Será que vocês também observaram os outdoors do novo colégio da região? Ao lado das propagandas da Escola da GV, do Albert Sabin, do Rio Branco, e cia, vê-se o mais novo colégio particular da Zona Oeste da Grande SP: o Colégio dos Arautos.
Não sei se muitos dos acessantes freqüentam o Teatro Municipal, mas foi lá que vi pela primeira vez um Arauto do Evangelho. Se você não sabe como ele é, você nunca viu um, não há como esquecê-lo. E não é difícil notá-los: como estão prontos para a próxima Cruzada, por cima de uma calça justa usam botas de cavalaria de couro. E até o joelho. De cinto usam um terço de madeira cujo raio das bolinhas deve estar em torno dos 3 cm e a cruz, por sua vez, mede uns 12cm. O terço arredonda uma batina, na qual também figura uma cruz gigante, mas cuja cor de tecido varia conforme (imagino) a hierarquia. Já que como uma boa organização que está à direita da TFP (não que eles não sejam colegas de churrasco, mas tem uma rixa histórica) arrepia-se toda por uma hierarquiazinha. Os lemas d'Os Arautos do Evangelho são vários, como "impregnar de cristianismo" o mundo, promovendo a "evangelização do lar" e outros singelismos mais rebuscados.

Mas nada disso, sinceramente, me importa. Nada disso me seria relevante (neste sábado à noite sem Claro que é Rock e cheio de tosse e poetas africanos) se eu não tomasse cada vez mais mais gosto pelas anedotas.
É da sabedoria universal que o fim da tarde de sábado é o horário ideal para encontrar um interlocutor em casa. Já que é assim, o telefone na dos meus pais tocou. Atendi. Tudo muito formal. A mulher do outro lado chamou pelo meu pai e disse a mim que pertencia aos Arautos do Evangelho. Uau! Não o avisei do 'detalhe' e me mantive na extensão:
-Olá, Sr. João, como vai?
-Sim, sou eu. Quem fala?
-Meu nome é Marisa. Faço parte dos Arautos do Evangelho, o Sr. já ouviu falar?
-Sim. Conheço.
-Não sei se o Sr. tomou conhecimento, mas nós estamos inaugurando um Colégio próximo a sua casa. Eu estou ligando porque gostaria de agendar com o Sr. uma visita à sua casa.
-Visita na minha casa??
-Sim, uma visita à sua casa para abençoá-la, com a imagem de Nossa Senhora de Aparecida, padroeira do Brasil, o Sr. deve...
-Acontece, Minha Senhora, que eu sou comunista.
-COMUNISTA?
-SIM. Comunista.
-Mas como o Sr. pode fazer uma coisa dessas?? O Sr. não tem religião? Sabe o mal que é isso?

-Minha Senhora, eu ligo para senhora para tentar convertê-la ao budismo? ao islamismo? ao COMUNISMO?
-DIABO! DIABO! DIABO!
-Passar bem.
-DIABO! DIABO! DIAB.

24.11.05

homesick

eu vou, por que não?

Pelas imensas janelas de vidro vejo um dia cinza. Estou num aeroporto de 1º mundo mas a mulher da Polícia Federal fala em português. Me dão uma ficha pra assinar, a caneta escorre, e, deslizando minha assinatura sai tosca, perco um 'd' que vira um 't', esqueço dum 'o' e, como sempre, no final parece um 's' ou um 'm' mas nunca um 'n'. Entrego a ficha, a loira com raízes pretas me olha por cima dos óculos rajados de vermelho. Penso que a ficha está errada e que as complicações virão, mas nem ligo, afinal é só uma assinatura, vou ter uma 2a. chance, "tudo certo". A mulher lê no datiloscrito:

-Júlia de Carvalho Ansen?
Eu corrijo:
-Júlia de Carvalho Ransen.

Ela levanta do guichê, me deixando sozinha sem pedir licença e vai atrás conversar com outro agente. Penso que a polícia vai perguntar sobre a assinatura, mas "vai ser fácil, vou me sair bem como sempre", ainda mais que não levo nada nos bolsos ou nas mãos que me comprometa. Olho pro chão e estranho meus sapatos, mas que combinam com essa calça de risca-de-giz. Ponho a mão nos bolsos, o direito se avoluma, parece um chiclete, mas quando puxo pra fora é uma orquídea lilás. Carregarei pela eternidade a orquídea lilás que "veja, minha filha, não se alimenta de nada que não seja o ar".
A mulher volta e me oferece um kleenex. Aceito. E me diz:

-Olha, você não poderá embarcar. A Júlia já passou por aqui faz uma hora. Numa hora dessas ela já está no ar.
-Mas a Júlia não sou eu?- digo sem ansiedade.
-Ela perguntou o mesmo.
-E pra onde ela foi?
-Pro mesmo lugar que você ia. Por pouco vocês não se encontram.

:::
(Cacete. Nem em sonho eu sei pra onde vou? Mas olha só, já fui e ninguém me avisou. Eu estou aqui, mas não sou eu quem está aqui, Clearly non-Campos, já que dessa vez não é excesso, só não tem ninguém. Só sei que no sol de quase dezembro, eu quero seguir vivendo, amor.)

23.11.05

Ninguém duvida do que é óbvio: sábios mesmo eram os gregos: as epopéias dos gregos, as melancolias gregas, as edificações gregas, os gregos com barba por fazer.

19.11.05

i do my best to make him stay (?)

Eu pensei em não ir. Mas foi uma vontade sem pernas.

Footfalls echo in the memory
Down the passage which we did not take
Towards the door we never opened
Into the rose-garden. My words echo
Thus, in your mind.
But to what purpose
Disturbing the dust on a bowl of rose-leaves
I do not know.

:::
o conjunto de 2005 foi eleito, por unanimidade, na categoria do ano mais comentado do século. quem mais vota nele?

13.11.05

Clara manhã, obrigado,
o essencial é viver.

8.11.05

escudos

HOJE,
estive no fantástico mundo que é uma papelaria. Os papéis em cores, texturas, tem as tesouras de cabo preto, de torto a direito, massas de modelar, goma arábica, potinhos de cores, tubinhos de cores, trechinhos de riscos, uma goiva. "É tanta coisa que está pra fazer o que ainda não é."
Foi que nem no supermercado quando a gente é criança, sabe? espremi os olhos, torcendo pra ser 6 da tarde, cerrarem as portas e eu, sozinha e esquecida, presa entre os lápis de cor e as caixas com os vidrinhos de tinner. Tiro o casaco, me livro deste cemitério. Lembro que quando chega o escuro duma madrugada é permitido sorrir e amasso um giz-de-cera entre os dedos, formando um elo, parece um brinco, está feito, e talvez, sem ninguém ver, eu comece uma coisa melhor?

:::
Um amigo disse a respeito dos meus amigos: "eles todos têm a mesma cara atormentada: 'estou dirigindo um carro-bomba a 150km/h". Eu achei estranho, nuncafreqüentei um sky-sos. Daí ele completou, rindo: "dirigindo um carro, mas o carro está parado!". Eu, segurando bem o volante, sorri e mordi uma passatempo, na falta dum líqüido pra enfiar um copo na cara. Como um francês ele repetiu, rindo mais alto: "está parado!! não vê!?!". Foi quando pensei num carrossel rosinha, girando alucinado, com o comentador girando nele, tão sabido e assustado com seu comentário. Meus amigos viriam e é! meus amigos vêm e explodem tudo! explodem tudo com TNT. E eu? assisti pica-pau demais na infância e, sim, fiquei assustada com aquela risada escabrosa.

:::
que se foda

6.11.05

"As coisas em bruto: comportamentos, resultados, rupturas, catástrofes, escárnios. No lugar onde deveria haver uma despedida, há um desenho na parede; em vez de um grito, uma vara de pescar; uma morte se resolve num trio para bandolins. E isso é despedida, grito e morte, mas quem está disposto, afinal de contas, a deslocar-se, a desdenhar-se, a descentrar-se, a descobrir-se? (...) No que me toca, pergunto-me se alguma vez conseguirei fazer sentir que o único e verdadeiro personagem que me interessa é o leitor, na medida em que algo do que escrevo deveria contribuir para mudá-lo, para deslocá-lo, para chocá-lo, para aliená-lo.' Apesar de confissão de derrota, Ronald encontrava nesta nota uma presunção que lhe desagradava."

(Cortázar, "O jogo da Amarelinha")

3.11.05

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,

(a noite inteira entrecortada pelo ruidoso, pontuando)

2.11.05

On your marks, get set, GO!

Não há uma mulher sequer entre os dez primeiros, e apenas três entre os 20 mais importantes. Os grandes nomes da esquerda tiveram um bom desempenho sexual (Chomsky, Habermas, Hobsbawm), mas o seu número na contagem de esperma é bastante reduzido. Tanto os cientistas, os críticos literários, os filósofos como os psicólogos obtiveram um péssimo resultado. Além disso, os editores não utilizaram a "bola extra" à qual eles tinham direito para patrocinar novas figuras.
Mesmo sabendo das prováveis fagulhas, de que eu nada mais tenho do que uma centena de retalhos e alguns despojos sendo reciclados nessa mais recente tarefa-salvação, não há nada que eu queira mais do que mostrar pra você, agora e detalhadamente, cada pedacinho do meu mundo, incluindo as respirações.

E eu calo? Faria o quê?
:::

Dia de finados. Precioso. Não, não quero ser reticente. Embora eu ande querendo escrever sobre "ir embora". Convivam seus mortos.
Paris

Fui hoje ao aniversário de um colega de serviço. Essas festas de meio de semana são sempre acanhadas. É preciso dormir cedo, controlar-se. Numa roda, um conhecido nos assegura que podemos estar sossegados. Em Paris estão guardadas as medidas: o Metro, o Quilo etc. Bebi três cervejas ou mais. E fiquei meio de lado tentando edificar-me uma Paris. Meus modelos são tão volúveis. Uma metafísica caseira me propõe questões extremamente embaraçosas. Busco éticas em lavar ou não a louça que sujo, na honestidade com mulheres que sempre terminam por me deixar. Na verdade, trago uma Paris no coração. Sou incapaz de descomedimentos.

(Rodrigo Naves, d'O filantropo.)

28.10.05

Tristeza no céu

No céu também há uma hora melancólica.
Hora difícil, em que a dúvida penetra as almas.
Porque fiz o mundo? Deus se pergunta
e se responde: Não sei.

Os anjos olham-no com reprovação,
e plumas caem.Todas as hipóteses: a graça, a eternidade, o amor
caem, são plumas.

Outra pluma, o céu se desfaz.
Tão manso, nenhum fragor denuncia
o momento entre tudo e nada,
ou seja, a tristeza de Deus.

(cda)

25.10.05

Os pensadores, Vol. 44

"Assim como a monogamia é cultural, a inépcia é um padrão de conduta entre corretores de imóveis."
:::
Os Beatles não existiriam sem os ciúmes e o Sgt. Pepper's foi solto em 1967. O que mais foi lançado em 1967, hein?
:::
Em todos os grandes acordos de paz da humanidade, um dos 'chefes' estava com gripe, levando em conta que o fim último de um gripado é sempre o leito: 'ok, sua besta, concordo e deito'. O Datafolha confirma pelas assinaturas, já que também se assina mais a Folha com gripe. Depois quando a cidade cobre-se de surtos virais, ninguém diz nada, talvez se os jornais ainda fossem feitos com chumbo, as pragas seriam mais evidentes e _________________________.
Nudez

Não cantarei amores que não tenho,
e, quando tive, nunca celebrei.
Não cantarei o riso que não rira
e que, se risse, ofertaria a pobres.
Minha matéria é o nada.
Jamais ousei cantar algo de vida:
se o canto sai da boca ensimesmada,
é porque a brisa o trouxe, e o leva a brisa,
nem sabe a planta o vento que a visita.

Ou sabe? Algo de nós acaso se transmite,
mas tão disperso, e vago, tão estranho,
que, se regressa a mim que o apascentava,
o ouro suposto é nele cobre e estanho,
estanho e cobre,
e o que não é maleável deixa de ser nobre,
nem era amor aquilo que amava.

Nem era dor aquilo que doía;
ou dói, agora, quando já se foi?
Que dor se sabe dor, e não se extingue?
(Não cantarei o mar: que ele se vingue
de meu silêncio, nesta concha.)
Que sentimento vive, e já prospera
cavando em nós a terra necessária
para se sepultar à moda austera
de quem vive sua morte?
Não cantarei o morto: é o próprio canto.
E já não sei do espanto,
da úmida assombração que vem do norte
e vai do sul, e, quatro, aos quatro ventos,
ajusta em mim seu terno de lamentos.
Não canto, pois não sei, e toda sílaba
acaso reunida
a sua irmã, em serpes irritadas vejo as duas.
Amador de serpentes, minha vida
passarei, sobre a relva debruçado,
a ver a linha curva que se estende,
ou se contrai e atrai, além da pobre
área de luz de nossa geometria.
Estanho, estanho e cobre,
tais meus pecados, quanto mais fugi
do que enfim capturei, não mais visando
aos alvos imortais.

Ó descobrimento retardado
pela força de ver.
Ó encontro de mim, no meu silêncio,
configurado, repleto, numa casta
expressão de temor que se despede.
O golfo mais dourado me circunda
com apenas cerrar-se uma janela.
E já não brinco a luz. E dou notícia
estrita do que dorme,
sob placa de estanho, sonho informe,
um lembrar de raízes, ainda menos
um calar de serenos
desidratados, sublimes ossuários
sem ossos;
a morte sem os mortos; a perfeita
anulação do tempo em tempos vários,
essa nudez, enfim, além dos corpos,
a modelar campinas no vazio
da alma, que é apenas alma, e se dissolve.

(Drummond, d´A vida passada a limpo)

23.10.05

infâmia

vote consciente. vote na gente.

21.10.05

20.10.05

literatura comparada

Hoje no Conjunto Nacional eu descobri que o novo Harry Potter existe em uma edição norte-americana e outra inglesa, o que é mais que óbvio, dada a grana que as respectivas editoras em cada país devem ganhar com o book.
Só que aí colou atrás de mim um cara da minha idade, perguntando pra vendedora: "uma é em inglês britânico e outra em inglês americano, né?" Ao que a vendedora respondeu sem titubear que "sim", o afffficcionado levou as duas.

17.10.05

repostagem do ateuspes, boa noite

Tenho que dizer meu nome, para poder contar porque sumiram os significados e as razões.
**
Sem substância, sem nada, anda!
1.Desamar o amor
2.Corromper a merencória recordação da infância
3.Desatar laços precavidos
4."Não se mate oh não se mate"
5.Chorar dez lágrimas de não-remorso todo fim de tarde
6.Comprar carambolas
7.Deslizar ironicamente pelos corredores
8.Alfabetizar os peixes
9.Descomplexar descomplexar descomplexar
10.Pegar para mim o inabsoluto
11.Colidir com as suas tradições
12.Reler as Memórias Sentimentais de um Sargento Cubas
13.Comer passarinhos
14.Entrevistar Pierre Menard
15.Fracassar, sobretudo fracassar.

***
(Eu tenho mania de reconstruir o passado para garantir o futuro das nossas memórias.
E de rir das coisas mais sérias. )

14.10.05

ruminações

calor, morte, amor

que saco.
4
É necessário conhecer seu próprio abismo
E polir sempre o candelabro que o esclarece.

Tudo no universo marcha, e marcha para esperar:
Nossa existência é uma vasta expectação
Onde se tocam o princípio e o fim.
A terra terá que ser retalhada entre todos
E restituída em tempo à sua antiga harmonia.
Tudo marcha para a arquitetura perfeita:
A aurora é coletiva.

(Murilo Mendes, Poema Dialético.)

10.10.05

A queridíssima Flora

Não há novidades nos enterros. Aquele teve a circunstância de percorrer as ruas em estado de sítio. Bem pensado, a morte não é outra cousa mais que uma cessação da liberdade de viver, cessação perpétua, ao passo que o decreto daquele dia valeu só por 72 horas. Ao cabo de 72 horas, todas as liberdades foram restauradas, menos a de reviver. Quem morreu, morreu. Era o caso de Flora; mas que crime teria cometido aquela moça além do de viver, e porventura o de amar, não se sabe a quem, mas amar? Perdoai estas perguntas obscuras, que não se ajustam, antes se contrariam. A razão é que não recordo este óbito sem pena, e ainda trago o enterro à vista...

(M. de A., Esaú e Jacó)

para o futuro

aluga-se diz:
acho que vou apagar meu perfil no orkut
aluga-se diz:
mas eu gosto dele, snif
aluga-se diz:
ele só me faz mal,
aluga-se diz:
é sujo, mas eu gosto dele
M diz:
como assim?? vc nao vai mais ter orkut?
aluga-se diz:
e todos os testemunhos que eu ganhei e escrevi, né?
M diz:
poxa
M diz:
ah sei la né, vai ser bom pra vc tb
aluga-se diz:
eu perguntei prum amigo 'nossa, como você leu tanta coisa diferente, né'
aluga-se diz:
ele: 'é, no meu tempo não tinha internet'
M diz:
ele nao perdia o tempo lendo scraps alheios
aluga-se diz:
nem adicionando novas comunidades
aluga-se diz:
e transcrevendo músicas nos abouts
aluga-se diz:
e muito menos vendo pela enésima vez profiles de quem não deve
aluga-se diz:
e menos ainda de pessoas que não importam
M diz:
de quem vc nunca viu na vida
aluga-se diz:
é isso, as pessoas na rua são assustadoras
M diz:
vc acha que ja viu elas em algum lugar
M diz:
e quando se lembra foi no orkut
M diz:
que lixao
aluga-se diz:
é, acontece mesmo. mas o azulzinho no orkut deixa todo mundo igual
aluga-se diz:
eu acho mesmo que o segredo do orkut está no azulzinho dele
M diz:
haha
M diz:
mas é mesmo se fosse de outra cor vc nao consiguiria ficar tanto tempo olhando pra ele
aluga-se diz:
azulzinho tranquilo, uma forma compactada, você não pode mexer na cor
aluga-se diz:
em nada
aluga-se diz:
a não ser nas lacunas que te dão
aluga-se diz:
e você faz parte de um arquivo, é uma fichinha
M diz:
é assim e pronto
M diz:
divirta-se, lixao
aluga-se diz:
o orkut é perigoso
aluga-se diz:
e acho que mudou a vida de todo mundo, já
M diz:
ate mesmo de quem nao tem
aluga-se diz:
só não apago porque não tomo decisões em tpm

7.10.05

quê? oras, é tarde tristeza



ouvi dizer que o fim do ano é logo ali

Que diga-se a verdade

internet é um troço parado, hein?, cêis num acham?

freud ex-machina

Quanto ao escuro, não é que nele eu faça coisas das quais eu me envergonho. A vergonha, se fosse contínua, não existiria, porque ela sempre me interrompe. Não tenho muitas perversões e quando elas aparecem, acabam sendo sumariamente encaradas como patologias, e bum! câmara de gás, ó, pá pum morra! enjoa-a-da.

diálogo do banheiro da faculdade

a gorda dentro da cabine diz:
Eu disse, professor! assim não dá, né?

a magra do lado da pia diz:
Fez bem fez bem. Que bom que você disse, sabe?! ele é muito desorganizado!...

a gorda dentro da cabine diz:
Pois é, eu tinha que dizer, né? Eu gosto das coisas nos lugares certinhos, tudo arrumadinho.
Semana passada mesmo, meu irmão me ligou pra me pedir um documento, em menos de uma hora tava lá o documento pra ele. Guardo tudo em pastinhas por cor, não perco nada.

a magra do lado da pia diz:
Você faz muito bem, G***e. É tanto papel, né, gente a gente se perde, u, facinho. E ele falou alguma coisa? ficou bravo?

a gorda dentro da cabine diz:
Não e nem podia, né, ficou ouvindo. Ai, menina, um dia se você for lá em casa eu te mostro meus tupperwares! Quando eu casei tive que dar mais de vinte! porque não cabia tanto tupperware! eu sou louca por tupperware, sabe? tenho de todos os tamanhos, um monte de tupperware.

a magra do lado da pia diz:
Na minha casa também, viu, tem tanto tupperware! minha mãe sempre tem que comprar mais.

a gorda lavando a mão diz:
Ah! tupperware é sempre bom comprar mais, né? Mas enfim, foi isso, falei mesmo! eu não tava entendendo nada, pô! tinha que reclamar.

a magra do lado da porta diz:
Ah é, né, menina! tinham que dar a literatura bem classificadinha pra gente, né? daí quem sabe eu entendia aquele troço.

eu, ma-ra-vi-lha-da, segurando a porta para elas sairem diz :
(nada)

a gorda e a magra diz:
obrigada.

4.10.05

the murder mystery

Na minha antiga casa, melhor dizendo, no meu quarto & banheiro da antiga casa, habitava comigo uma lagartixa gorda. Era a Fonseca, de cor entre o bege e o flicts e umas três pintinhas pretas pelo corpo. A Fonseca fazia com que eu não conseguisse entender como tem gente que tem pânico, terror, delírios, uuuu, com lagartixas. A querida da Fonseca nunca me sacaneou aparecendo no meio de uma camiseta jogada, perto do papel higiênico ou coisas desse tipo. Mais do que confidente, a Fonseca uma vez foi minha vidente: okei, eu gostava da Fonseca, mas durante uns tempos ela teimava em aparecer perto do meu nariz bem na hora em que eu estava acordando. E todo mundo sabe que eu acordo com rinite. Com isso ela me fez arrastar a cama pra posição de um ano anterior, debaixo da janela, que às vezes ventava demais e piorava a rinite, mas, embora eu nunca olhasse, dava pra ver a lua. Antes da iluminação que a Fonseca me obrigou, eu vivia dias tristes, mas foi graças a mudança da cama que reencontrei, minúsculo, o rabisco na parede, grafite na cabeceira:

amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer

***
Mas engana-se quem pensa que eu dava atenção demais à Fonseca. Era mais que um dever karmico, afinal, não era a primeira vez que uma lagartixa se envolvia com o Drummond na minha vida. Uns anos antes, no 1o. colegial, eu encontrei entre uma Obra Completa e um Hermann Hesse uma prima da Fonseca, seca de tão morta. O estado de fóssil que se encontrava a literata lagartixa mostra que meus hiatos com a literatura não vem de hoje.

***
Vocês sabem, na sala da casa dos meus pais tem um relógio de dar corda do fim do XIX. De meia hora ele toca dlom-dlom e a hora cheia ele toca conforme, né, 4 é dlom-dlom dlom-dlom dlom-dlom dlom-dlom. Ele não vive em 16h. Uma vez de queixo no chão eu sabia quantos minutos tinham passado por uma somatória absurda entre o tic-tac e os dlon-dlon. Acontece que o relógio quebrou. Como em toda casa que se preze, as coisas naquela demoram a ser consertadas, mas não dessa vez! não foi assim. Afinal, com o relógio parado como mamãe iria sair seus habituais 15 minutos atrasada? E meu pai, como iria tomar banho todo fim de tarde? Sendo assim, em dois dias o relógio veio parar aqui, minha avó-resgate levou pra arrumar e uma semana depois, neste momento, o relógio repousa deitado na mesa atrás de mim, esperando que venham buscá-lo. Eu bem conheço as propriedades do tempo e, se não fosse o plástico bolha, eu talvez volteasse os ponteiros sem fim. Ou, melhor? avançaria até dezembro, quando tudo isso já vai ter ido tarde e, quem sabe?, o sol se põe na minha frente sem relógio, no meio do mar da Bahia.

***
Enquanto o relógio e a Bahia não se reúnem, hoje me apareceu outra lagartixa em cadáver, só que dessa vez fresco, produzido pelos gatos-mofados. Fiquei estática, afinal eu só queria jantar e tinha um morto no chão da cozinha. Bravamente peguei um monte de papel higiênico, mas senti aquele asco de não saber no que tocava. Deixei o papel de lado, olhei fixa, do fundo. Peguei. Era mole, mas não se desfez. E levei os restos da lagartixa até o lixo na palma da minha mão direita, sem nenhum terror. Sou bem firme, afinal, tinha vida na morte da lagartixa e bem, a vida tem que ser de frente.

(ainda bem que antes do meu H. tenho um J. e não um G., né?)

2.10.05

não posso crer

mentiras sinceras me interessam

1.10.05

fica sendo o nome mais belo do medo

belezas são coisas acesas por dentro
tristezas são belezas apagadas
pelo sofrimento
lágrimas negras saem, caem, doem
jorge mautner
Hoje faz anos: aquela recusa e o bonde que eu não vi passar. Comemoram-se também o fim de todas as coisas, os dias brancos, as traições e as ilusões. A soma da vida é nula. Todos me olham na face e eu desprezo a todos com a mesma cara limpa de sempre. Escorrendo (na água do balde eu vou-me embora) também se limpa.

27.9.05

tudo era irreparável

Escrevo meu livro à beira-mágoa.
Meu coração não tem que ter.

(Pessoa, II. Os avisos)
¨¨¨

Bem-aventurados os que fundem-se no que andam fazendo quando alguém pergunta 'como está? como vai?'.

¨¨¨
Uma ausência me acompanha dia-a-dia. Sonhei toda noite com sua presença. Acordei assim, tristíssima.

¨¨¨
Ninguém sabia que o mundo ia acabar
(apenas uma criança percebeu mas ficou calada),
que o mundo ia acabar às 7 e 45.
Últimos pensamentos! últimos telegramas!
José, que colocava os pronomes,
Helena, que amava os homens,
Sebastião, que se arruinava,
Artur, que não dizia nada,
embarcam para a eternidade.

(Drummond, em Brejo das Almas)

baby (eu sei que é assim) revisited

você precisa aprender o que eu sei
e o que eu não sei mais
não sei,
comigo vai tudo azul*
contigo vai tudo em paz?
você precisa

não sei
você,
eu estudo na pior universidade da américa do sul.


*licença poética

25.9.05

são coisas do momento, são chuvas de verão

despreendem-se as coisas, a vida é outra. e ainda vai ser outra outra outra. ligeiro. não sinto vertigens. a little better all the time? tsc, tensão aos tantos. meu segredo é que sou um rapaz esforçado. bonito que é um desperdício. não preciso de gente que me oriente, não fecho o botão do colarinho, não, deixo isso pra dele e seus tonzinhos tantos de azul. quando eu penso em virar e morar lá, lembro que o azul é cenário, é o mar, que é tanto mar. afogava-me. vamos que vamos, dormir.
Raramente penso em ti.
Teu destino pouco me interessa.
Mas de minha alma ainda não se apagou
o brevíssimo encontro que tivemos.

Evito, de propósito, tua casinha vermelha,
tua casinha vermelha junto ao rio lamacento;
mas bem sei com que amargura
perturbo a tua ensolarada quietude.

Embora não te tenhas inclinado sobre mim
suplicando-me que te amasse,
embora não tenhas imortalizado
o meu desejo em versos dourados,

secretamente lanço encantamentos para o futuro,
sempre que as noites são de um azul profundo,
e tenho a premonição de um segundo encontro,
um inevitável segundo encontro contigo.

Anna Akhmátova, 1913.

18.9.05

bate palma com vontade, faz de conta que é turista

Com 15 anos eu era bem pirada e meio deprimida, mas estava sábia num poema chamado "Domingo", que terminava assim:

todo domingo a família fica faminta
domingo que é domingo é só domingo a mais.

Hoje de manhã quando acordei, olhei a janela e me espantei com um domingo tão coerente nesta chuvinha renitente. Era a hora de acender um cigarro sem nenhuma humildade, pra não pensar mais nos homens que amei (vejo os gatos rosnarem pro presunto, mas não rosnam pra ração. Um deles me dizia que era isso que me faltava: instinto). Mas eu não fumo mais e acho tanta coisa que não sei nada, nem devia falar nessas coisas. Mas a vida é melhor. O que era simples ficou complicado e o que era complicado, bem, nunca se sabe... O que eu sei desde a hora que acordei é que estão todos enganados: hoje não é domingo, na verdade é

quarta-feira de cinzas no país
e as notas dissonantes se integraram
ao som dos imbecis
sim, você, nós dois
já temos um passado, meu amor
a bossa, a fossa, a nossa grande dor
como dois quadradões

Lobo lobo BOBO.

Movimento dos Barcos

Estou cansado e você também vou sair sem abrir a porta e não voltar nunca mais Desculpe a paz que eu lhe roubei e o futuro esperado que eu não dei É impossível levar um barco sem temporais e suportar a vida como um momento além do cais que passa ao largo do nosso corpo não quero ficar dando adeus as coisas passando, eu quero é passar com elas, eu quero e não deixar nada mais do que as cinzas de um cigarro e a marca de um abraço no seu corpo Não, não sou eu quem vai ficar no porto chorando, não lamentando o eterno movimento movimento dos barcos,

movimento

(Jards Macalé e Capinan)

14.9.05

(nice dream)

Penso que preciso escolher uma posição. Mas é a posição que me escolhe. Se metade das costas sobrepõe-se ao travesseiro começo a programar os 45min de divã. Não adianta nada. Viro pra esquerda, fico de lado. Na penumbra olho o outro travesseiro, com a chuva as fronhas molharam e coloquei uma camiseta branca no lugar. Lembro de um outro quarto em outra cidade, outro encostável de camiseta branca. Aperta o pulso, mordo o travesseiro, soco o ar. Tento me lembrar de quartos mais dormitáveis. A vida é irônica, até no paraíso tinham os morcegos! Repenso em três edições a mesma frase, a piada não vale, 'paraíso' teria que perder o desgaste. Me viro de bruços, o peito amassa, o ombro desloca, é difícil respirar. Era por isso, então? Quando eu era pequena, sofria de gigantismos imaginários na hora de dormir. Às vezes de olhos fechados, eles por vontade deles apertavam-se numa pressão diferente e era como um sopro que irradiava das duas órbitas pros ombros. Quando chegava nos ombros eu tinha certeza, iria inflar, todo o corpo em expansão, inflando. Cada noite que isso me aparecia, eu deixava ir um pouco mais além do que na vez anterior. Inflar e inflar, até que não suportava mais a aflição de estar deformada, quem sabe eu caia da cama? e abria os olhos. Ver é até hoje a minha única garantia.

13.9.05

se você disser que eu desafino, amor

Dizem que é preciso esquecer de si mesmo para escrever. Bom assunto para o começo de mais um blogue (é bom reencontrá-los anos depois no google). Isso se não apagarem a todos nós antes. Só que ninguém tem uma história pronta pra ser assim, descartada. E é moda pensar que todo eu é vulgar. Bem, depois do que fizeram com eles, eu bem que entendo a restrição. Mas caffona é você, ok? Veja só a pureza da imagem: penso em perder as minhas histórias como mulheres perdiam estolas. Traga o saquê que eu cansei do champagne. É preciso esquecer a invasão que é um blog para aquecê-lo. Como que dizendo: veja, meus buracos, na verdade, são seus agora: não é que eu fui embora, eu já não estava aqui.
 

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