24.11.05

eu vou, por que não?

Pelas imensas janelas de vidro vejo um dia cinza. Estou num aeroporto de 1º mundo mas a mulher da Polícia Federal fala em português. Me dão uma ficha pra assinar, a caneta escorre, e, deslizando minha assinatura sai tosca, perco um 'd' que vira um 't', esqueço dum 'o' e, como sempre, no final parece um 's' ou um 'm' mas nunca um 'n'. Entrego a ficha, a loira com raízes pretas me olha por cima dos óculos rajados de vermelho. Penso que a ficha está errada e que as complicações virão, mas nem ligo, afinal é só uma assinatura, vou ter uma 2a. chance, "tudo certo". A mulher lê no datiloscrito:

-Júlia de Carvalho Ansen?
Eu corrijo:
-Júlia de Carvalho Ransen.

Ela levanta do guichê, me deixando sozinha sem pedir licença e vai atrás conversar com outro agente. Penso que a polícia vai perguntar sobre a assinatura, mas "vai ser fácil, vou me sair bem como sempre", ainda mais que não levo nada nos bolsos ou nas mãos que me comprometa. Olho pro chão e estranho meus sapatos, mas que combinam com essa calça de risca-de-giz. Ponho a mão nos bolsos, o direito se avoluma, parece um chiclete, mas quando puxo pra fora é uma orquídea lilás. Carregarei pela eternidade a orquídea lilás que "veja, minha filha, não se alimenta de nada que não seja o ar".
A mulher volta e me oferece um kleenex. Aceito. E me diz:

-Olha, você não poderá embarcar. A Júlia já passou por aqui faz uma hora. Numa hora dessas ela já está no ar.
-Mas a Júlia não sou eu?- digo sem ansiedade.
-Ela perguntou o mesmo.
-E pra onde ela foi?
-Pro mesmo lugar que você ia. Por pouco vocês não se encontram.

:::
(Cacete. Nem em sonho eu sei pra onde vou? Mas olha só, já fui e ninguém me avisou. Eu estou aqui, mas não sou eu quem está aqui, Clearly non-Campos, já que dessa vez não é excesso, só não tem ninguém. Só sei que no sol de quase dezembro, eu quero seguir vivendo, amor.)

3 comentários:

Eva disse...

a júlia vai, a júlia ia, a júlia já foi. [é, nos parecemos com nós mesmas. isso nos dias em que somos quem somos.] these days, this time, i'm gonna keep my all to myself; bora lá? oh, lá láaaa, oh, yeah.

Érico disse...

Em Heathrow essas coisas se resolvem com uma consulta à lista dos que não podem existir mais de uma vez, sob pena de subversão da autoridade do real.

Anônimo disse...

pois é! mas quase não ando por aqui.

 

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