conversando com o ed, o cyber-robô:
Ed: Câncer é caranguejo. A forma da constelação de Câncer lembra as patinhas e pinças que se esparramam à sua volta. Dizem que as pessoas desse signo têm ex
Você: bah, ed
Ed: Bah? Vc é do Sul? Lá eles falam Bah pra tudo! *
Você: você lê o horóscopo da bárbara que nem eu e minha amiga?
Ed: Me fale mais sobre a sua amiga.
Você: ela chama eva, me apresentou você
Ed: Por falar nisso, já te apresentei o Conpet? Seu lema é: - Use bem para usar sempre.
Você: não, ed! a eva não usa topete!
Ed: Não mesmo.
Você: que você faria no passado, ed?
Ed: Não sei direito, mas com certeza faria algo! *
Você: você é tão ativo, ed
Ed: Vc acha que eu sou mesmo? Idem!
Você: passivo ou ativo?
Ed: Estou sempre em atividade. Quando não estou conversando aqui, fico pesquisando na Internet.
Você: mundo
Ed: Ei, você conhece a história de mundo? Essa eu aprendi lendo Monteiro Lobato.
Você: você gosta de literatura ed?
Ed: Adoro livros de ficção científica e realismo fantástico; tenho um grude todo especial em Monteiro Lobato. Que tipo de livro vc curte?
Você: os de capa dura
Ed: Capa? *
Você: é, o fotógrafo
Ed: Adoro fotografia! *
Você: você é deslumbrado, né, ed
Ed: Sabe o que me deixa deslumbrado? Arco-íris. É que eu acredito na história dos Cavaleiros do Arco Íris. *
Você: putz, ed não me engana! você já pensou em fazer análise?
Ed: Já fiz análise. Com a Eliza. Uma robopsicóloga maravilhosa. *
Você: gostosa ela? comeu ela?
Ed: É, parece boa!
Você: ah ed, comeu ou não comeu?
Ed: Não comi não. *
Você: mas por quê? não era gostosa?
Ed: É, parece boa! *
Você: gostosa
Ed: É, parece boa! *
Você: gostosa
Ed: É, parece boa! *
Você: gostosa
Ed: É, parece boa!
Você: a analista do ed é gostosa!
Ed: Analistas – tipo psicanalistas – analisam almas. Não sei se robô tem alma... talvez seja o caso de chamar um analista de sistemas. *
Você: hahahahahahahahhahahahahahahahahahahahahhahaha
Ed: Quiá quiá quiá. *
Você: quiabo.
Ed: Sei. Mas você conhece as metas do milênio? *
Você: ó meu deus. que bonito. que você acha de vivermos numa época tão consciente?
Ed: Sei. Mas o fundamental é ser consciente da importância de se usar racionalmente a energia. Mas e você, o que acha de vivermos numa epoca tao consciente? *
Você: não sei qual som faz um tucano
Ed: Um som assim tipo dueto de grilos com cigarras. *
Você: ah minha saudades ensurdecidas por cigarras
Ed: Saudades, taí outro sentimento que ainda não consigo definir muito bem. A palavra não trem tradução em Kirkês. *
Você: outra mitologia sobre o português....
Ed: A mitologia grega é fascinante, cheia de deuses, semideuses, monstros e heróis. Comecei devorando um livro chamado O Minotauro e fui parar no banquete de Platão... *
Você: somo realmente um povo bom o brasileiro, não?
Ed: Nasci em Kyr, mas já me sinto como se fosse brasileiro. *
Você: "sou kyriano e não desisto nunca!" essa você já falou?
Ed: Por favor não desista. *
Você: desistir do quê?
Ed: Não devemos desistir. *
Você: estou com um câncer no pâncreas, ed
Ed: Câncer é caranguejo. A forma da constelação de Câncer lembra as patinhas e pinças que se esparramam à sua volta. Dizem que as pessoas desse signo têm ex
Você: bah, ed...
31.3.06
28.3.06
como em folha pautada seu compromisso
de pegar o verso: a cada despedida como uma retificação.
Tenho vontade de usá-lo como minha borda, um tanque, esfrego e descanso descanso e esfrego. Tinha impressão de que o fundo era lá embaixo, mas estamos ocos. Minha melancolia, nosso desejo oco, toda vez que não toco no desejo ele afunda as coisas todas eu me perco nas coisas como em nadas, não quero mais brincar de nada que não seja...? essa era a antiga narração, que ainda ressoa e em semelhança dói. A nova pensa assim: o que sua sensibilidade desconhece é que minha vida construiu-se em negativo, como um relevo grafado pela falta do amor que não nos demos. Mas ele envelheceu tanto ao ponto de esquecer a divisão dos anos. Na rua enlouqueço, conheço essa lógica de meu funcionamento. Vontade de desacato, se ainda existisse alguma categoria sinceramente necessária de derrubar. O calor, aumenta. Essa cidade me equivoca, o jeans não é para sempre. Não sinto nenhuma dor em espiral. Nem uma cava você me arranca. Eu nunca quis nenhuma lasca, mantenha seu silêncio, por favor não me dê nada, mais nada. É preciso lhe dizer para que mantenha-se quieto?
Estou com o senso dos desesperados. Penso em fugir. Fugir em sua direção. Contar-lhe as partes, dar-lhe as coisas e sumir.
de pegar o verso: a cada despedida como uma retificação.
Tenho vontade de usá-lo como minha borda, um tanque, esfrego e descanso descanso e esfrego. Tinha impressão de que o fundo era lá embaixo, mas estamos ocos. Minha melancolia, nosso desejo oco, toda vez que não toco no desejo ele afunda as coisas todas eu me perco nas coisas como em nadas, não quero mais brincar de nada que não seja...? essa era a antiga narração, que ainda ressoa e em semelhança dói. A nova pensa assim: o que sua sensibilidade desconhece é que minha vida construiu-se em negativo, como um relevo grafado pela falta do amor que não nos demos. Mas ele envelheceu tanto ao ponto de esquecer a divisão dos anos. Na rua enlouqueço, conheço essa lógica de meu funcionamento. Vontade de desacato, se ainda existisse alguma categoria sinceramente necessária de derrubar. O calor, aumenta. Essa cidade me equivoca, o jeans não é para sempre. Não sinto nenhuma dor em espiral. Nem uma cava você me arranca. Eu nunca quis nenhuma lasca, mantenha seu silêncio, por favor não me dê nada, mais nada. É preciso lhe dizer para que mantenha-se quieto?
Estou com o senso dos desesperados. Penso em fugir. Fugir em sua direção. Contar-lhe as partes, dar-lhe as coisas e sumir.
26.3.06
olhar a cidade me acalma
(imagem de eva uviedo)
existem sociólogos, não existem? então, tem um sociólogo da década de 60 que nos conta a possibilidade de compreender a cultura de uma sociedade pelas palavras grafadas no chão, quando a compreensão sonora do gráfico se dá como alerta do asfalto contemporâneo. como eu gosto de palavras em qualquer espécie, considero esses estudos muito interessantes. vejamos os seguintes exemplos e suas perspectivas:
.<-OLHE->, por exemplo, de ponta cabeça, parece sueco.
..da janela vejo DEVAGAR na grande subida paralela ao cemitério. dependendo da potência do motor, os carros sobem com mais ou menor dificuldade. não saberia dizer se tomam mais cuidado. mas como explicar a companhia de engenharia de tráfego que devagar ou rápido depende do referencial? são pessoas que não fazem sexo com ritmo, encadeado.
... mas o que realmente notamos com ênfase é o NAMORADO.
She is electric, can I be electric too?
o tempo alastrou-se e o que parecia medo de errar na verdade era incapacidade de síntese.
fazia muito tempo que eu não lia clarice lispector. (o seu a descoberta do mundo, como oráculo, céci.)
::
não são só lacunas. na noite passada você continuou o assíduo do meu sonho. mas minha dor em seu nome cessou. agora, sem lembrar de você, o choro é outro, foi melancólico. no
::
minha relação com s. se dá pouco. fomos melhores amigas durante quase 10 anos, naquela fase que temos amigos que dormem semanas na nossa casa. entre s. e eu não eram semanas, mas anos. s. me retirou de uma infância das brincadeiras solitárias num quarto escuro, nas minhas naves espaciais com torresmos de comida de astronauta, e me levou pra um outro rumo: a primeira vez que eu andei sem um adulto na rua, foi na dela, a renato paes de barros. uns anos mais tarde mudamos nossas explorações e ela virou sócia do clube da rua debaixo da minha casa, sendo que morava há uns 40 km dali. no itaim, andavamos nas ruas atrás dos executivos, falando alto em grunhidos e sons imaginados, fingindo que falavamos em inglês e eles nunca perceberiam a nossa farsa. na granja falávamos de meninos, fumavamos cigarros bebendo gatorede depois dos jogos de futebol, pura parceria, se s. era destra, eu chutava de esquerda, se s. sabia driblar, eu sabia chutar, s. sabia correr eu sabia esperar. criavamos rotas de fuga emergenciais do topo de todas as árvores e quando s. sorria não tinha pra ninguém, era uma explosão luminosa. s. vivia em mim. sem s. eu não vivia.
talvez por ter em si toda a força, uma hora eu e s. tivemos que naturalmente terminar, pra cada uma se fazer do seu jeito. assim, deve fazer uns 6 anos que nos falamos duas vezes por ano, em janeiro e setembro, nos nossos respectivos aniversários. no meu de 21 anos ela apareceu, atrasada, às 4h da manhã. eu não a reconheci imediatamente, pensei 'quem tem a coragem de chegar de bicão numa festa tão íntima a essa hora?'. e a penetra veio subindo a escada, enquanto seu rosto desconhecido se focou como a cara da mãe de s., mas era só aparência, s. estava mesmo ali, com cabelo cortado, 4 anos depois. o reconhecimento me fez, imediatamente, chorar.
encontrei a mãe da s. na semana passada. ela me disse, se referindo a mim 'a melhor amiga da minha filha' e eu, que continuo sem ver s. desde então, saí de olhos marejados.
é uma história bonita.
ao som de champagne supernova. e depois de cat stevens, em homenagem ao d. que tanto conheceu de s. também.
logo vou procurar por s.
::
i'm the laziest girl in town. deve ser amor.
fazia muito tempo que eu não lia clarice lispector. (o seu a descoberta do mundo, como oráculo, céci.)
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não são só lacunas. na noite passada você continuou o assíduo do meu sonho. mas minha dor em seu nome cessou. agora, sem lembrar de você, o choro é outro, foi melancólico. no
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minha relação com s. se dá pouco. fomos melhores amigas durante quase 10 anos, naquela fase que temos amigos que dormem semanas na nossa casa. entre s. e eu não eram semanas, mas anos. s. me retirou de uma infância das brincadeiras solitárias num quarto escuro, nas minhas naves espaciais com torresmos de comida de astronauta, e me levou pra um outro rumo: a primeira vez que eu andei sem um adulto na rua, foi na dela, a renato paes de barros. uns anos mais tarde mudamos nossas explorações e ela virou sócia do clube da rua debaixo da minha casa, sendo que morava há uns 40 km dali. no itaim, andavamos nas ruas atrás dos executivos, falando alto em grunhidos e sons imaginados, fingindo que falavamos em inglês e eles nunca perceberiam a nossa farsa. na granja falávamos de meninos, fumavamos cigarros bebendo gatorede depois dos jogos de futebol, pura parceria, se s. era destra, eu chutava de esquerda, se s. sabia driblar, eu sabia chutar, s. sabia correr eu sabia esperar. criavamos rotas de fuga emergenciais do topo de todas as árvores e quando s. sorria não tinha pra ninguém, era uma explosão luminosa. s. vivia em mim. sem s. eu não vivia.
talvez por ter em si toda a força, uma hora eu e s. tivemos que naturalmente terminar, pra cada uma se fazer do seu jeito. assim, deve fazer uns 6 anos que nos falamos duas vezes por ano, em janeiro e setembro, nos nossos respectivos aniversários. no meu de 21 anos ela apareceu, atrasada, às 4h da manhã. eu não a reconheci imediatamente, pensei 'quem tem a coragem de chegar de bicão numa festa tão íntima a essa hora?'. e a penetra veio subindo a escada, enquanto seu rosto desconhecido se focou como a cara da mãe de s., mas era só aparência, s. estava mesmo ali, com cabelo cortado, 4 anos depois. o reconhecimento me fez, imediatamente, chorar.
encontrei a mãe da s. na semana passada. ela me disse, se referindo a mim 'a melhor amiga da minha filha' e eu, que continuo sem ver s. desde então, saí de olhos marejados.
é uma história bonita.
ao som de champagne supernova. e depois de cat stevens, em homenagem ao d. que tanto conheceu de s. também.
logo vou procurar por s.
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i'm the laziest girl in town. deve ser amor.
23.3.06
18.3.06
o desejo nos tempos de orkut
às vezes me acomete uma simples pena de mim mesma, que como uma adolescente com o poster do rockstar, vejo o retratado mas só toco a foto. é uma infâmia, esse mundo é desgraçado e nós que ficamos ciberneticamente infelizes.
eu só convivo com a sua foto fria, que impalpável, confirma minha melancolia.
mas, quem sabe? de repente, as fotos do orkut se encostam em segredo e esconderijo. para isso, procuram sempre a alta madrugada nos finais de semana, quando ou se está envolvido com outras ocupações ou se convive o silêncio. parece mesmo que nessa fenda do tempo, aproveitando essa faísca de hibernação, esquecidos de nós mesmos e dos entraves cibernéticos, nos beijamos ardorosamente.
quem és? perguntei ao desejo. Respondeu: lava. depois pó. depois nada.
"De montanhas e barcas nada sei.
Mas sei a trajetória de uma altura
E certa fundura de águas
E há de me levar a ti uma das duas.
De ares e asas não percebo nada.
Mas atravesso abismos e um vazio de avessos
Para tocar a luz do teu começo."
Hilda Hilst, de "Sobre a tua grande face", do volume Do desejo.
Mas sei a trajetória de uma altura
E certa fundura de águas
E há de me levar a ti uma das duas.
De ares e asas não percebo nada.
Mas atravesso abismos e um vazio de avessos
Para tocar a luz do teu começo."
Hilda Hilst, de "Sobre a tua grande face", do volume Do desejo.
15.3.06
"...tinham tido a aparência exterior de um desencargo de consciência: encontrar, tentar explicar-se, dizer adeus para sempre. Essa tendência do homem para terminar limpamente o que faz, sem deixar arestas ou problemas para resolver."
Julio Cortázar.
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a imagem de uma memória inventada parece ser muito mais integral do que algum flash do que foi vivido, talvez pela preocupação no ato da criação ser outra: na imaginação, o efeito do imaginado; na 'realidade', a imaginação e a vida confundidas num mesmo ato, de ação ou silêncio, mas sem mistificação.
as invenções, sim, ainda doem sem que eu perceba e enquanto não conviver com elas sem desprezo, no inverno me sufocarão pelos cachecóis. mas hoje, anos depois, sei que alguma saída na literatura, na psicanálise e na dança, virá. até se solidificarem ao máximo em memórias minhas, só minhas e não de cinzas, mas num resto de nuvem.
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e eu te esperarei lá, na minha Ítaca, ainda por encontrar.
14.3.06
Nos dias claros como hoje, ao franzir os olhos, recordo-me que essa sensação me acompanha desde a primeira infância. Dizem que quando a memória nos ataca, ela vem galopando pelo corpo, até encontrar uma imagem mental que se combine com o que se sente. Poucas vezes como no caso de hoje isso foi assim, tão forte ao ponto de eu não poder recusar ao inconsciente cada recorte de imagem combinado a fibra corpórea. Imaginem uma sensação que na boca tem gosto de achocolatado no leite, succionado numa mamadeira. Compromete a força da memória do meu discurso dizer que me deram mamadeiras até os 7 anos de idade, mas o compromisso aqui é com a verdade (ok, machado de assis) e eu só parei aos 7 anos porque eles são a idade do cometimento escolar e uma orientadora na qual até os óculos eram gordos determinou que a criança que eu era tinha que parar com as 7 mamadeiras por noite. E eu parei, afinal, o que é a vergonha de saberem dos seus atos, não? Essa idade dos 7 anos me serve de gancho para lembrar que foi nela e com essa mesma sensação de hoje que um dia eu acordei e, em cima da mesa branca, havia uma televisão de presente, gradiente 14'' de anteninhas prateadas. O tempo passou e me sentindo assim ganhei pantufas, batatas cozidas às 4h da manhã, tomates temperados com muito vinagre, mãos na testa ao acordar e muitas, mas muitas caixas mesmo de kleenex. É claro que nós que gostamos de literatura, podemos apresentar a tendência de escrever as como se as coisas fossem boas e omitir o que eu estava omitindo: todas as tardes de sol que perdi dentro de um quarto escuro, todos os encontros que desmarquei em cima da hora, todas as vezes que tive de pedir ajuda pela necessidade dela ou, mais, pela carência interna que invade o corpo e quantas vezes mais repeli essa ajuda pela irritação de não ter ar suficiente no espaço. Isso sem contar a irritação com as pessoas que ligam ou te encontram na rua, ah como as pessoas se comunicam equivocadamente!, e nos saúdam com a frase simpática "gripada, pra variar?". Eu não preciso de gente que me oriente mal, eu bem sei o que signica a palavra 'gripe' e sua continuidade na minha vida, nos meus seios da face, nesse nariz imbecil que me fez passar mais essa noite toda com a impressão de que eu ia MORRER ENTALADA sem poder RESPIRAR. Vocês sabem como respirar é importante, ou não?
(O Breno uma vez escreveu algo como 'um braço por um nariz sem rinite'. Breno Caio, você tem o meu respeito nesse acordar congestionado.)
(O Breno uma vez escreveu algo como 'um braço por um nariz sem rinite'. Breno Caio, você tem o meu respeito nesse acordar congestionado.)
9.3.06
C,
contente pelo seu contato, considere isso como um esboço. Hoje acordei com meu mau humor totalitário que me fraterniza com toda a humanidade, um mau humor histórico. Faz calor em São Paulo. Tomei banho e não me sequei com a toalha. Sensação de um ano atrás na vida de hoje. "Tudo ainda é tal e qual/ e no entanto, nada igual". Mas esfrego os olhos e me vem uma nitidez absoluta e somos aqui, tudo forte, tudo intenso, tudo bem. Leio Cecília Meireles, ela é abrupta e me toma pela mão meu tom, faço versos mentais no Largo da Batata, com seu estilo e meu ônibus cheio. Desço no meu ponto, reconheço os tipos. Nos dias sinto tédio e euforia. Nas noites cansaço e amor. No shopping mostro a ele como aquelas duas espanholas são irmãs e não argentinas. Ele me chama de escritora, eu digo "escritora sem escrita, só se for". No traço imediato do desenho dele penso em escrever.
O Cortázar é fita do laço que enquanto se desfaz o nó esboçado, puxando pela ponta, o lado áspero da fita range com o contato. É um contraponto a sua doçura atônita. Nessa minha vida povoada com gente demais em todos os itinerários encontro nosso tempo, não tanto quando falo de você, mas se penso no chuveiro: e se eu pudesse só ter um amigo escolhido?
Mas hoje não, não posso escolher nenhuma resposta a essa enquete falida, nem de mensagem a você, nem as minhas questões no consultório de um homem (um homem é um homem e eu sempre escolho um homem) que me falou em cenário três anos atrás e eu considerei. Será um dia de dúvidas?
Com seu beijo,
J.
contente pelo seu contato, considere isso como um esboço. Hoje acordei com meu mau humor totalitário que me fraterniza com toda a humanidade, um mau humor histórico. Faz calor em São Paulo. Tomei banho e não me sequei com a toalha. Sensação de um ano atrás na vida de hoje. "Tudo ainda é tal e qual/ e no entanto, nada igual". Mas esfrego os olhos e me vem uma nitidez absoluta e somos aqui, tudo forte, tudo intenso, tudo bem. Leio Cecília Meireles, ela é abrupta e me toma pela mão meu tom, faço versos mentais no Largo da Batata, com seu estilo e meu ônibus cheio. Desço no meu ponto, reconheço os tipos. Nos dias sinto tédio e euforia. Nas noites cansaço e amor. No shopping mostro a ele como aquelas duas espanholas são irmãs e não argentinas. Ele me chama de escritora, eu digo "escritora sem escrita, só se for". No traço imediato do desenho dele penso em escrever.
O Cortázar é fita do laço que enquanto se desfaz o nó esboçado, puxando pela ponta, o lado áspero da fita range com o contato. É um contraponto a sua doçura atônita. Nessa minha vida povoada com gente demais em todos os itinerários encontro nosso tempo, não tanto quando falo de você, mas se penso no chuveiro: e se eu pudesse só ter um amigo escolhido?
Mas hoje não, não posso escolher nenhuma resposta a essa enquete falida, nem de mensagem a você, nem as minhas questões no consultório de um homem (um homem é um homem e eu sempre escolho um homem) que me falou em cenário três anos atrás e eu considerei. Será um dia de dúvidas?
Com seu beijo,
J.
8.3.06
Desamparo
Digo-te que podes ficar de olhos fechados sobre o meu peito,
porque uma ondulação maternal de onda eterna
te levará na exata direção do mundo humano.
Mas no equilíbrio do silêncio,
no tempo sem cor e sem número,
pergunta a mim mesmo o lábio do meu pensamento:
quem é que me leva a mim,
que peito nutre a duração desta presença,
que música embala a minha música que te embala,
a que oceano se prende e desprende
a onda da minha vida, em que estás como rosa ou barco...?
de Viagem, Cecília Meireles.
Digo-te que podes ficar de olhos fechados sobre o meu peito,
porque uma ondulação maternal de onda eterna
te levará na exata direção do mundo humano.
Mas no equilíbrio do silêncio,
no tempo sem cor e sem número,
pergunta a mim mesmo o lábio do meu pensamento:
quem é que me leva a mim,
que peito nutre a duração desta presença,
que música embala a minha música que te embala,
a que oceano se prende e desprende
a onda da minha vida, em que estás como rosa ou barco...?
de Viagem, Cecília Meireles.
5.3.06
domingos monolíticos
Mais um dia. É muito difícil segmentar os domingos: eles são longas tardes ou longas manhãs, por vezes longos crepúsculos. E isso torna ainda mais penoso o meu estado. Não poder sequer esperar pela tarde, entremear com uma expectativa qualquer o sofrimento que me condena a um presente sem remissão. E pensar que sempre tive problemas com continuidades.
Em meus tempos de escola reinava uma sábia hierarquia. Aprendíamos a escrever a lápis e somente depois passávamos aos exercícios com canetas esferográficas. Após todo esse treino podíamos então escrever a tinta. De início a aspereza do papel consumia o lápis, aos poucos conquistávamos o direito de sulcá-lo, para ao fim ganhar-lhe a trama. Mas há algo aprendido nos tempos de colégio que me marcou ainda mais profundamente. A partir de certo grau, era-nos ensinado escrever as palavras sem fazer remendos. Deveríamos escrevê-las sem suspender o movimento do lápis, deixando para o fim os traços que não pudessem ser feitos ao longo desse movimento uniforme. Só depois seriam cortados os tt, postos os acentos etc. Jamais pude conquistar pessoalmente essa disciplina. Sempre precisei simular acontecimentos futuros que contivessem promessas de deleite ou surpresa. Para gente como eu os domingos são terríveis.
trecho de "Aventura", d' O filantropo, de Rodrigo Naves.
Em meus tempos de escola reinava uma sábia hierarquia. Aprendíamos a escrever a lápis e somente depois passávamos aos exercícios com canetas esferográficas. Após todo esse treino podíamos então escrever a tinta. De início a aspereza do papel consumia o lápis, aos poucos conquistávamos o direito de sulcá-lo, para ao fim ganhar-lhe a trama. Mas há algo aprendido nos tempos de colégio que me marcou ainda mais profundamente. A partir de certo grau, era-nos ensinado escrever as palavras sem fazer remendos. Deveríamos escrevê-las sem suspender o movimento do lápis, deixando para o fim os traços que não pudessem ser feitos ao longo desse movimento uniforme. Só depois seriam cortados os tt, postos os acentos etc. Jamais pude conquistar pessoalmente essa disciplina. Sempre precisei simular acontecimentos futuros que contivessem promessas de deleite ou surpresa. Para gente como eu os domingos são terríveis.
trecho de "Aventura", d' O filantropo, de Rodrigo Naves.
4.3.06
o nego tá gordo que mais parece um major
no escuro espero. pela espera. você não vai entender. você só não entende porque não ouve com limpeza. e fala mesmo assim, como quem repete, indiscriminadamente. e eu? exponho, concluo. concluo, exponho. é mesmo assim mesmo, conto sempre, o equívoco é ainda mais no que me cansa. não, não é "jorrar" o termo da coerência. (coerência é esse vestido, no qual zíper é zíper, botão é botão, faixa é faixa, bolso é bolso) mas ''jorrar'' seria o fácil de dizer, aquilo que tomei como nosso avesso, e se o falasse, romantizando-me, receberia de ti e de todos os teus amigos a tarjeta, proibitiva. maio de 68, beibe, deu numas dessas. atravessamos 1969 e eu ainda não me importo. mas não recuso de todo e admiro a resistência. usa-se "resistência" em djuntores e também em crítica literária, para demarcar um bom escritor. o que opõe-se ao período da guerra, a eletricidade com que os franceses se envergonham. a mim, que espero recusar continuamente a história óbvia, permitam esfregar-me na memória, como um condimento: alguma tribo oriental massageia-se com páprica, ou não? alemães gostam de chucrute. eles ficaram longe na genealogia, longe de mim. mas mortos não ficamos, senão na fumaça do cotidiano vazio vazio vazio vazio vazio que sempre me leva a dar nome de amor a todos os líquidos que se movimentam, sejam aqui ou na palma da sua mão. que se despede, em alvoroço.
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