"(algumas razões)
O primeiro dever de alguém que acredite na necessidade e eficácia do verídico será a independência, quero dizer: o começo por si mesmo.
A leitura comunicada é um sinal, talvez o mais facilmente impressionante, do amor ou desamor dos outros. Este sinal do alheio nos terrenos da solidão propende para, e estabelece, uma corrente magnética. É perturbante verificar que a solidão possui uma qualidade expansiva, estimula réplicas, ou seja: o exercício íntimo de certas forças movimenta-se para um écran, incita a um significado externo. O leitor é tido então como um cúmplice superlativamente adequado ao texto da solidão. Imagino que tal adequação suposta - advinda de que perícia, de que faculdade subtil para induzir experiências, de que estranho talento de receptividade? - implica logo a sabedoria inocente de aceitar como absoluto o universo da solidão, a incontrovertível razão de autor. Da indiscutibilidade dessa razão partiria o talento de fruir para o "amor inteligente". Mas, desde que se obste à total legitimidade da razão de autor, fere-se ao verídico, sua força e origem, a liberdade que se executa num largo mapa de pequenas liberdades contínuas. Porque o autor teria então de justificar tudo, a começar por si mesmo, pela sua veracidade, quer dizer: pela sua própria realidade. É que uma solidão, e a obra que faz e é, buscam as garantias de existir. E apenas isso.
É difícil viver entre a falsa inteligência alheia. Antes ser absolutamente ininteligível perante uma ininteligência senhora de si do que ser devorado pelas partes que os outros escolhem, em puro abuso, para satisfação da própria inteligibilidade, deles, estrangeiros.
Que facilidade sua os conduz à ilusão do seu próprio nome?
(Os destinatários são sempre outros).
O equívoco é só esse de confundirem a nossa dificuldade com a sua facilidade. E esta ilusão de suficiência é dramática: porque pode atrasar-nos na direcção dos destinatários verdadeiros. Quando se compreenderá que se trata de cumplicidade?
(Octávio Paz: sólo podemos hablar con verdad de aquello que nos inspira y apasiona.)"
O primeiro dever de alguém que acredite na necessidade e eficácia do verídico será a independência, quero dizer: o começo por si mesmo.
A leitura comunicada é um sinal, talvez o mais facilmente impressionante, do amor ou desamor dos outros. Este sinal do alheio nos terrenos da solidão propende para, e estabelece, uma corrente magnética. É perturbante verificar que a solidão possui uma qualidade expansiva, estimula réplicas, ou seja: o exercício íntimo de certas forças movimenta-se para um écran, incita a um significado externo. O leitor é tido então como um cúmplice superlativamente adequado ao texto da solidão. Imagino que tal adequação suposta - advinda de que perícia, de que faculdade subtil para induzir experiências, de que estranho talento de receptividade? - implica logo a sabedoria inocente de aceitar como absoluto o universo da solidão, a incontrovertível razão de autor. Da indiscutibilidade dessa razão partiria o talento de fruir para o "amor inteligente". Mas, desde que se obste à total legitimidade da razão de autor, fere-se ao verídico, sua força e origem, a liberdade que se executa num largo mapa de pequenas liberdades contínuas. Porque o autor teria então de justificar tudo, a começar por si mesmo, pela sua veracidade, quer dizer: pela sua própria realidade. É que uma solidão, e a obra que faz e é, buscam as garantias de existir. E apenas isso.
É difícil viver entre a falsa inteligência alheia. Antes ser absolutamente ininteligível perante uma ininteligência senhora de si do que ser devorado pelas partes que os outros escolhem, em puro abuso, para satisfação da própria inteligibilidade, deles, estrangeiros.
Que facilidade sua os conduz à ilusão do seu próprio nome?
(Os destinatários são sempre outros).
O equívoco é só esse de confundirem a nossa dificuldade com a sua facilidade. E esta ilusão de suficiência é dramática: porque pode atrasar-nos na direcção dos destinatários verdadeiros. Quando se compreenderá que se trata de cumplicidade?
(Octávio Paz: sólo podemos hablar con verdad de aquello que nos inspira y apasiona.)"
Herberto Helder, Photomaton & Vox