Tristeza no céu
No céu também há uma hora melancólica.
Hora difícil, em que a dúvida penetra as almas.
Porque fiz o mundo? Deus se pergunta
e se responde: Não sei.
Os anjos olham-no com reprovação,
e plumas caem.Todas as hipóteses: a graça, a eternidade, o amor
caem, são plumas.
Outra pluma, o céu se desfaz.
Tão manso, nenhum fragor denuncia
o momento entre tudo e nada,
ou seja, a tristeza de Deus.
(cda)
28.10.05
25.10.05
Os pensadores, Vol. 44
"Assim como a monogamia é cultural, a inépcia é um padrão de conduta entre corretores de imóveis."
:::
Os Beatles não existiriam sem os ciúmes e o Sgt. Pepper's foi solto em 1967. O que mais foi lançado em 1967, hein?
:::
Em todos os grandes acordos de paz da humanidade, um dos 'chefes' estava com gripe, levando em conta que o fim último de um gripado é sempre o leito: 'ok, sua besta, concordo e deito'. O Datafolha confirma pelas assinaturas, já que também se assina mais a Folha com gripe. Depois quando a cidade cobre-se de surtos virais, ninguém diz nada, talvez se os jornais ainda fossem feitos com chumbo, as pragas seriam mais evidentes e _________________________.
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Os Beatles não existiriam sem os ciúmes e o Sgt. Pepper's foi solto em 1967. O que mais foi lançado em 1967, hein?
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Em todos os grandes acordos de paz da humanidade, um dos 'chefes' estava com gripe, levando em conta que o fim último de um gripado é sempre o leito: 'ok, sua besta, concordo e deito'. O Datafolha confirma pelas assinaturas, já que também se assina mais a Folha com gripe. Depois quando a cidade cobre-se de surtos virais, ninguém diz nada, talvez se os jornais ainda fossem feitos com chumbo, as pragas seriam mais evidentes e _________________________.
Nudez
Não cantarei amores que não tenho,
e, quando tive, nunca celebrei.
Não cantarei o riso que não rira
e que, se risse, ofertaria a pobres.
Minha matéria é o nada.
Jamais ousei cantar algo de vida:
se o canto sai da boca ensimesmada,
é porque a brisa o trouxe, e o leva a brisa,
nem sabe a planta o vento que a visita.
Ou sabe? Algo de nós acaso se transmite,
mas tão disperso, e vago, tão estranho,
que, se regressa a mim que o apascentava,
o ouro suposto é nele cobre e estanho,
estanho e cobre,
e o que não é maleável deixa de ser nobre,
nem era amor aquilo que amava.
Nem era dor aquilo que doía;
ou dói, agora, quando já se foi?
Que dor se sabe dor, e não se extingue?
(Não cantarei o mar: que ele se vingue
de meu silêncio, nesta concha.)
Que sentimento vive, e já prospera
cavando em nós a terra necessária
para se sepultar à moda austera
de quem vive sua morte?
Não cantarei o morto: é o próprio canto.
E já não sei do espanto,
da úmida assombração que vem do norte
e vai do sul, e, quatro, aos quatro ventos,
ajusta em mim seu terno de lamentos.
Não canto, pois não sei, e toda sílaba
acaso reunida
a sua irmã, em serpes irritadas vejo as duas.
Amador de serpentes, minha vida
passarei, sobre a relva debruçado,
a ver a linha curva que se estende,
ou se contrai e atrai, além da pobre
área de luz de nossa geometria.
Estanho, estanho e cobre,
tais meus pecados, quanto mais fugi
do que enfim capturei, não mais visando
aos alvos imortais.
Ó descobrimento retardado
pela força de ver.
Ó encontro de mim, no meu silêncio,
configurado, repleto, numa casta
expressão de temor que se despede.
O golfo mais dourado me circunda
com apenas cerrar-se uma janela.
E já não brinco a luz. E dou notícia
estrita do que dorme,
sob placa de estanho, sonho informe,
um lembrar de raízes, ainda menos
um calar de serenos
desidratados, sublimes ossuários
sem ossos;
a morte sem os mortos; a perfeita
anulação do tempo em tempos vários,
essa nudez, enfim, além dos corpos,
a modelar campinas no vazio
da alma, que é apenas alma, e se dissolve.
(Drummond, d´A vida passada a limpo)
Não cantarei amores que não tenho,
e, quando tive, nunca celebrei.
Não cantarei o riso que não rira
e que, se risse, ofertaria a pobres.
Minha matéria é o nada.
Jamais ousei cantar algo de vida:
se o canto sai da boca ensimesmada,
é porque a brisa o trouxe, e o leva a brisa,
nem sabe a planta o vento que a visita.
Ou sabe? Algo de nós acaso se transmite,
mas tão disperso, e vago, tão estranho,
que, se regressa a mim que o apascentava,
o ouro suposto é nele cobre e estanho,
estanho e cobre,
e o que não é maleável deixa de ser nobre,
nem era amor aquilo que amava.
Nem era dor aquilo que doía;
ou dói, agora, quando já se foi?
Que dor se sabe dor, e não se extingue?
(Não cantarei o mar: que ele se vingue
de meu silêncio, nesta concha.)
Que sentimento vive, e já prospera
cavando em nós a terra necessária
para se sepultar à moda austera
de quem vive sua morte?
Não cantarei o morto: é o próprio canto.
E já não sei do espanto,
da úmida assombração que vem do norte
e vai do sul, e, quatro, aos quatro ventos,
ajusta em mim seu terno de lamentos.
Não canto, pois não sei, e toda sílaba
acaso reunida
a sua irmã, em serpes irritadas vejo as duas.
Amador de serpentes, minha vida
passarei, sobre a relva debruçado,
a ver a linha curva que se estende,
ou se contrai e atrai, além da pobre
área de luz de nossa geometria.
Estanho, estanho e cobre,
tais meus pecados, quanto mais fugi
do que enfim capturei, não mais visando
aos alvos imortais.
Ó descobrimento retardado
pela força de ver.
Ó encontro de mim, no meu silêncio,
configurado, repleto, numa casta
expressão de temor que se despede.
O golfo mais dourado me circunda
com apenas cerrar-se uma janela.
E já não brinco a luz. E dou notícia
estrita do que dorme,
sob placa de estanho, sonho informe,
um lembrar de raízes, ainda menos
um calar de serenos
desidratados, sublimes ossuários
sem ossos;
a morte sem os mortos; a perfeita
anulação do tempo em tempos vários,
essa nudez, enfim, além dos corpos,
a modelar campinas no vazio
da alma, que é apenas alma, e se dissolve.
(Drummond, d´A vida passada a limpo)
23.10.05
21.10.05
20.10.05
literatura comparada
Hoje no Conjunto Nacional eu descobri que o novo Harry Potter existe em uma edição norte-americana e outra inglesa, o que é mais que óbvio, dada a grana que as respectivas editoras em cada país devem ganhar com o book.
Só que aí colou atrás de mim um cara da minha idade, perguntando pra vendedora: "uma é em inglês britânico e outra em inglês americano, né?" Ao que a vendedora respondeu sem titubear que "sim", o afffficcionado levou as duas.
Só que aí colou atrás de mim um cara da minha idade, perguntando pra vendedora: "uma é em inglês britânico e outra em inglês americano, né?" Ao que a vendedora respondeu sem titubear que "sim", o afffficcionado levou as duas.
19.10.05
resist all falling at the wrong times
Safe in knowledge, safe in college
I know all there is to know
To have never stepped outside this ring
Fools they flow
For the self-assured I have no cure
I only wish I was
As my entertaining thoughts grow fewer
Stills my cause
For the eyes to see through
All that I do
(the delgados, gravado um ano atrás pela céci-mon amour, que lê tudim que se passa e entende mais que eu)
I know all there is to know
To have never stepped outside this ring
Fools they flow
For the self-assured I have no cure
I only wish I was
As my entertaining thoughts grow fewer
Stills my cause
For the eyes to see through
All that I do
(the delgados, gravado um ano atrás pela céci-mon amour, que lê tudim que se passa e entende mais que eu)
17.10.05
repostagem do ateuspes, boa noite
Tenho que dizer meu nome, para poder contar porque sumiram os significados e as razões.
**
Sem substância, sem nada, anda!
1.Desamar o amor
2.Corromper a merencória recordação da infância
3.Desatar laços precavidos
4."Não se mate oh não se mate"
5.Chorar dez lágrimas de não-remorso todo fim de tarde
6.Comprar carambolas
7.Deslizar ironicamente pelos corredores
8.Alfabetizar os peixes
9.Descomplexar descomplexar descomplexar
10.Pegar para mim o inabsoluto
11.Colidir com as suas tradições
12.Reler as Memórias Sentimentais de um Sargento Cubas
13.Comer passarinhos
14.Entrevistar Pierre Menard
15.Fracassar, sobretudo fracassar.
***
(Eu tenho mania de reconstruir o passado para garantir o futuro das nossas memórias.
E de rir das coisas mais sérias. )
**
Sem substância, sem nada, anda!
1.Desamar o amor
2.Corromper a merencória recordação da infância
3.Desatar laços precavidos
4."Não se mate oh não se mate"
5.Chorar dez lágrimas de não-remorso todo fim de tarde
6.Comprar carambolas
7.Deslizar ironicamente pelos corredores
8.Alfabetizar os peixes
9.Descomplexar descomplexar descomplexar
10.Pegar para mim o inabsoluto
11.Colidir com as suas tradições
12.Reler as Memórias Sentimentais de um Sargento Cubas
13.Comer passarinhos
14.Entrevistar Pierre Menard
15.Fracassar, sobretudo fracassar.
***
(Eu tenho mania de reconstruir o passado para garantir o futuro das nossas memórias.
E de rir das coisas mais sérias. )
14.10.05
4
É necessário conhecer seu próprio abismo
E polir sempre o candelabro que o esclarece.
Tudo no universo marcha, e marcha para esperar:
Nossa existência é uma vasta expectação
Onde se tocam o princípio e o fim.
A terra terá que ser retalhada entre todos
E restituída em tempo à sua antiga harmonia.
Tudo marcha para a arquitetura perfeita:
A aurora é coletiva.
(Murilo Mendes, Poema Dialético.)
É necessário conhecer seu próprio abismo
E polir sempre o candelabro que o esclarece.
Tudo no universo marcha, e marcha para esperar:
Nossa existência é uma vasta expectação
Onde se tocam o princípio e o fim.
A terra terá que ser retalhada entre todos
E restituída em tempo à sua antiga harmonia.
Tudo marcha para a arquitetura perfeita:
A aurora é coletiva.
(Murilo Mendes, Poema Dialético.)
10.10.05
A queridíssima Flora
Não há novidades nos enterros. Aquele teve a circunstância de percorrer as ruas em estado de sítio. Bem pensado, a morte não é outra cousa mais que uma cessação da liberdade de viver, cessação perpétua, ao passo que o decreto daquele dia valeu só por 72 horas. Ao cabo de 72 horas, todas as liberdades foram restauradas, menos a de reviver. Quem morreu, morreu. Era o caso de Flora; mas que crime teria cometido aquela moça além do de viver, e porventura o de amar, não se sabe a quem, mas amar? Perdoai estas perguntas obscuras, que não se ajustam, antes se contrariam. A razão é que não recordo este óbito sem pena, e ainda trago o enterro à vista...
(M. de A., Esaú e Jacó)
(M. de A., Esaú e Jacó)
para o futuro
aluga-se diz:
acho que vou apagar meu perfil no orkut
aluga-se diz:
mas eu gosto dele, snif
aluga-se diz:
ele só me faz mal,
aluga-se diz:
é sujo, mas eu gosto dele
M diz:
como assim?? vc nao vai mais ter orkut?
aluga-se diz:
e todos os testemunhos que eu ganhei e escrevi, né?
M diz:
poxa
M diz:
ah sei la né, vai ser bom pra vc tb
aluga-se diz:
eu perguntei prum amigo 'nossa, como você leu tanta coisa diferente, né'
aluga-se diz:
ele: 'é, no meu tempo não tinha internet'
M diz:
ele nao perdia o tempo lendo scraps alheios
aluga-se diz:
nem adicionando novas comunidades
aluga-se diz:
e transcrevendo músicas nos abouts
aluga-se diz:
e muito menos vendo pela enésima vez profiles de quem não deve
aluga-se diz:
e menos ainda de pessoas que não importam
M diz:
de quem vc nunca viu na vida
aluga-se diz:
é isso, as pessoas na rua são assustadoras
M diz:
vc acha que ja viu elas em algum lugar
M diz:
e quando se lembra foi no orkut
M diz:
que lixao
aluga-se diz:
é, acontece mesmo. mas o azulzinho no orkut deixa todo mundo igual
aluga-se diz:
eu acho mesmo que o segredo do orkut está no azulzinho dele
M diz:
haha
M diz:
mas é mesmo se fosse de outra cor vc nao consiguiria ficar tanto tempo olhando pra ele
aluga-se diz:
azulzinho tranquilo, uma forma compactada, você não pode mexer na cor
aluga-se diz:
em nada
aluga-se diz:
a não ser nas lacunas que te dão
aluga-se diz:
e você faz parte de um arquivo, é uma fichinha
M diz:
é assim e pronto
M diz:
divirta-se, lixao
aluga-se diz:
o orkut é perigoso
aluga-se diz:
e acho que mudou a vida de todo mundo, já
M diz:
ate mesmo de quem nao tem
aluga-se diz:
só não apago porque não tomo decisões em tpm
acho que vou apagar meu perfil no orkut
aluga-se diz:
mas eu gosto dele, snif
aluga-se diz:
ele só me faz mal,
aluga-se diz:
é sujo, mas eu gosto dele
M diz:
como assim?? vc nao vai mais ter orkut?
aluga-se diz:
e todos os testemunhos que eu ganhei e escrevi, né?
M diz:
poxa
M diz:
ah sei la né, vai ser bom pra vc tb
aluga-se diz:
eu perguntei prum amigo 'nossa, como você leu tanta coisa diferente, né'
aluga-se diz:
ele: 'é, no meu tempo não tinha internet'
M diz:
ele nao perdia o tempo lendo scraps alheios
aluga-se diz:
nem adicionando novas comunidades
aluga-se diz:
e transcrevendo músicas nos abouts
aluga-se diz:
e muito menos vendo pela enésima vez profiles de quem não deve
aluga-se diz:
e menos ainda de pessoas que não importam
M diz:
de quem vc nunca viu na vida
aluga-se diz:
é isso, as pessoas na rua são assustadoras
M diz:
vc acha que ja viu elas em algum lugar
M diz:
e quando se lembra foi no orkut
M diz:
que lixao
aluga-se diz:
é, acontece mesmo. mas o azulzinho no orkut deixa todo mundo igual
aluga-se diz:
eu acho mesmo que o segredo do orkut está no azulzinho dele
M diz:
haha
M diz:
mas é mesmo se fosse de outra cor vc nao consiguiria ficar tanto tempo olhando pra ele
aluga-se diz:
azulzinho tranquilo, uma forma compactada, você não pode mexer na cor
aluga-se diz:
em nada
aluga-se diz:
a não ser nas lacunas que te dão
aluga-se diz:
e você faz parte de um arquivo, é uma fichinha
M diz:
é assim e pronto
M diz:
divirta-se, lixao
aluga-se diz:
o orkut é perigoso
aluga-se diz:
e acho que mudou a vida de todo mundo, já
M diz:
ate mesmo de quem nao tem
aluga-se diz:
só não apago porque não tomo decisões em tpm
7.10.05
freud ex-machina
Quanto ao escuro, não é que nele eu faça coisas das quais eu me envergonho. A vergonha, se fosse contínua, não existiria, porque ela sempre me interrompe. Não tenho muitas perversões e quando elas aparecem, acabam sendo sumariamente encaradas como patologias, e bum! câmara de gás, ó, pá pum morra! enjoa-a-da.
diálogo do banheiro da faculdade
a gorda dentro da cabine diz:
Eu disse, professor! assim não dá, né?
a magra do lado da pia diz:
Fez bem fez bem. Que bom que você disse, sabe?! ele é muito desorganizado!...
a gorda dentro da cabine diz:
Pois é, eu tinha que dizer, né? Eu gosto das coisas nos lugares certinhos, tudo arrumadinho.
Semana passada mesmo, meu irmão me ligou pra me pedir um documento, em menos de uma hora tava lá o documento pra ele. Guardo tudo em pastinhas por cor, não perco nada.
a magra do lado da pia diz:
Você faz muito bem, G***e. É tanto papel, né, gente a gente se perde, u, facinho. E ele falou alguma coisa? ficou bravo?
a gorda dentro da cabine diz:
Não e nem podia, né, ficou ouvindo. Ai, menina, um dia se você for lá em casa eu te mostro meus tupperwares! Quando eu casei tive que dar mais de vinte! porque não cabia tanto tupperware! eu sou louca por tupperware, sabe? tenho de todos os tamanhos, um monte de tupperware.
a magra do lado da pia diz:
Na minha casa também, viu, tem tanto tupperware! minha mãe sempre tem que comprar mais.
a gorda lavando a mão diz:
Ah! tupperware é sempre bom comprar mais, né? Mas enfim, foi isso, falei mesmo! eu não tava entendendo nada, pô! tinha que reclamar.
a magra do lado da porta diz:
Ah é, né, menina! tinham que dar a literatura bem classificadinha pra gente, né? daí quem sabe eu entendia aquele troço.
eu, ma-ra-vi-lha-da, segurando a porta para elas sairem diz :
(nada)
a gorda e a magra diz:
obrigada.
Eu disse, professor! assim não dá, né?
a magra do lado da pia diz:
Fez bem fez bem. Que bom que você disse, sabe?! ele é muito desorganizado!...
a gorda dentro da cabine diz:
Pois é, eu tinha que dizer, né? Eu gosto das coisas nos lugares certinhos, tudo arrumadinho.
Semana passada mesmo, meu irmão me ligou pra me pedir um documento, em menos de uma hora tava lá o documento pra ele. Guardo tudo em pastinhas por cor, não perco nada.
a magra do lado da pia diz:
Você faz muito bem, G***e. É tanto papel, né, gente a gente se perde, u, facinho. E ele falou alguma coisa? ficou bravo?
a gorda dentro da cabine diz:
Não e nem podia, né, ficou ouvindo. Ai, menina, um dia se você for lá em casa eu te mostro meus tupperwares! Quando eu casei tive que dar mais de vinte! porque não cabia tanto tupperware! eu sou louca por tupperware, sabe? tenho de todos os tamanhos, um monte de tupperware.
a magra do lado da pia diz:
Na minha casa também, viu, tem tanto tupperware! minha mãe sempre tem que comprar mais.
a gorda lavando a mão diz:
Ah! tupperware é sempre bom comprar mais, né? Mas enfim, foi isso, falei mesmo! eu não tava entendendo nada, pô! tinha que reclamar.
a magra do lado da porta diz:
Ah é, né, menina! tinham que dar a literatura bem classificadinha pra gente, né? daí quem sabe eu entendia aquele troço.
eu, ma-ra-vi-lha-da, segurando a porta para elas sairem diz :
(nada)
a gorda e a magra diz:
obrigada.
4.10.05
the murder mystery
Na minha antiga casa, melhor dizendo, no meu quarto & banheiro da antiga casa, habitava comigo uma lagartixa gorda. Era a Fonseca, de cor entre o bege e o flicts e umas três pintinhas pretas pelo corpo. A Fonseca fazia com que eu não conseguisse entender como tem gente que tem pânico, terror, delírios, uuuu, com lagartixas. A querida da Fonseca nunca me sacaneou aparecendo no meio de uma camiseta jogada, perto do papel higiênico ou coisas desse tipo. Mais do que confidente, a Fonseca uma vez foi minha vidente: okei, eu gostava da Fonseca, mas durante uns tempos ela teimava em aparecer perto do meu nariz bem na hora em que eu estava acordando. E todo mundo sabe que eu acordo com rinite. Com isso ela me fez arrastar a cama pra posição de um ano anterior, debaixo da janela, que às vezes ventava demais e piorava a rinite, mas, embora eu nunca olhasse, dava pra ver a lua. Antes da iluminação que a Fonseca me obrigou, eu vivia dias tristes, mas foi graças a mudança da cama que reencontrei, minúsculo, o rabisco na parede, grafite na cabeceira:
amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer
***
Mas engana-se quem pensa que eu dava atenção demais à Fonseca. Era mais que um dever karmico, afinal, não era a primeira vez que uma lagartixa se envolvia com o Drummond na minha vida. Uns anos antes, no 1o. colegial, eu encontrei entre uma Obra Completa e um Hermann Hesse uma prima da Fonseca, seca de tão morta. O estado de fóssil que se encontrava a literata lagartixa mostra que meus hiatos com a literatura não vem de hoje.
***
Vocês sabem, na sala da casa dos meus pais tem um relógio de dar corda do fim do XIX. De meia hora ele toca dlom-dlom e a hora cheia ele toca conforme, né, 4 é dlom-dlom dlom-dlom dlom-dlom dlom-dlom. Ele não vive em 16h. Uma vez de queixo no chão eu sabia quantos minutos tinham passado por uma somatória absurda entre o tic-tac e os dlon-dlon. Acontece que o relógio quebrou. Como em toda casa que se preze, as coisas naquela demoram a ser consertadas, mas não dessa vez! não foi assim. Afinal, com o relógio parado como mamãe iria sair seus habituais 15 minutos atrasada? E meu pai, como iria tomar banho todo fim de tarde? Sendo assim, em dois dias o relógio veio parar aqui, minha avó-resgate levou pra arrumar e uma semana depois, neste momento, o relógio repousa deitado na mesa atrás de mim, esperando que venham buscá-lo. Eu bem conheço as propriedades do tempo e, se não fosse o plástico bolha, eu talvez volteasse os ponteiros sem fim. Ou, melhor? avançaria até dezembro, quando tudo isso já vai ter ido tarde e, quem sabe?, o sol se põe na minha frente sem relógio, no meio do mar da Bahia.
***
Enquanto o relógio e a Bahia não se reúnem, hoje me apareceu outra lagartixa em cadáver, só que dessa vez fresco, produzido pelos gatos-mofados. Fiquei estática, afinal eu só queria jantar e tinha um morto no chão da cozinha. Bravamente peguei um monte de papel higiênico, mas senti aquele asco de não saber no que tocava. Deixei o papel de lado, olhei fixa, do fundo. Peguei. Era mole, mas não se desfez. E levei os restos da lagartixa até o lixo na palma da minha mão direita, sem nenhum terror. Sou bem firme, afinal, tinha vida na morte da lagartixa e bem, a vida tem que ser de frente.
(ainda bem que antes do meu H. tenho um J. e não um G., né?)
amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer
***
Mas engana-se quem pensa que eu dava atenção demais à Fonseca. Era mais que um dever karmico, afinal, não era a primeira vez que uma lagartixa se envolvia com o Drummond na minha vida. Uns anos antes, no 1o. colegial, eu encontrei entre uma Obra Completa e um Hermann Hesse uma prima da Fonseca, seca de tão morta. O estado de fóssil que se encontrava a literata lagartixa mostra que meus hiatos com a literatura não vem de hoje.
***
Vocês sabem, na sala da casa dos meus pais tem um relógio de dar corda do fim do XIX. De meia hora ele toca dlom-dlom e a hora cheia ele toca conforme, né, 4 é dlom-dlom dlom-dlom dlom-dlom dlom-dlom. Ele não vive em 16h. Uma vez de queixo no chão eu sabia quantos minutos tinham passado por uma somatória absurda entre o tic-tac e os dlon-dlon. Acontece que o relógio quebrou. Como em toda casa que se preze, as coisas naquela demoram a ser consertadas, mas não dessa vez! não foi assim. Afinal, com o relógio parado como mamãe iria sair seus habituais 15 minutos atrasada? E meu pai, como iria tomar banho todo fim de tarde? Sendo assim, em dois dias o relógio veio parar aqui, minha avó-resgate levou pra arrumar e uma semana depois, neste momento, o relógio repousa deitado na mesa atrás de mim, esperando que venham buscá-lo. Eu bem conheço as propriedades do tempo e, se não fosse o plástico bolha, eu talvez volteasse os ponteiros sem fim. Ou, melhor? avançaria até dezembro, quando tudo isso já vai ter ido tarde e, quem sabe?, o sol se põe na minha frente sem relógio, no meio do mar da Bahia.
***
Enquanto o relógio e a Bahia não se reúnem, hoje me apareceu outra lagartixa em cadáver, só que dessa vez fresco, produzido pelos gatos-mofados. Fiquei estática, afinal eu só queria jantar e tinha um morto no chão da cozinha. Bravamente peguei um monte de papel higiênico, mas senti aquele asco de não saber no que tocava. Deixei o papel de lado, olhei fixa, do fundo. Peguei. Era mole, mas não se desfez. E levei os restos da lagartixa até o lixo na palma da minha mão direita, sem nenhum terror. Sou bem firme, afinal, tinha vida na morte da lagartixa e bem, a vida tem que ser de frente.
(ainda bem que antes do meu H. tenho um J. e não um G., né?)
2.10.05
1.10.05
fica sendo o nome mais belo do medo
belezas são coisas acesas por dentro
tristezas são belezas apagadas
pelo sofrimento
lágrimas negras saem, caem, doem
jorge mautner
tristezas são belezas apagadas
pelo sofrimento
lágrimas negras saem, caem, doem
jorge mautner
Hoje faz anos: aquela recusa e o bonde que eu não vi passar. Comemoram-se também o fim de todas as coisas, os dias brancos, as traições e as ilusões. A soma da vida é nula. Todos me olham na face e eu desprezo a todos com a mesma cara limpa de sempre. Escorrendo (na água do balde eu vou-me embora) também se limpa.
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