chego em Gryon. miro as montanhas e as casinhas e me pergunto, provincianamente reiterada na minha centralidade: estarei eu em campos do jordão? visconde de mauá? quase pedi ao homem da estação 'por favor, retire-me o cenário e dê-me a paisagem'. e o albergue ficava lá no alto.
a mochila pesando infernos, o cascalho debaixo dos pés, o vestido preto no sol ai ai ai. mas eu estava feliz, tanto, que colhi umas florzinhas enquanto subia a encosta. a mocinha da recepção me diz num sotaque bem texas que pagando por quatro noites, ganhava uma quinta. disse a ela que por enquanto eu achava que só ia ficar uns dois dias e tudo bem. subi ao quarto,
estou, mais uma vez, morrendo de fome. mas a felicidade de me entregar a uma cama de madeira clara na minha frente com um colchão com essa vista, larguei a mochila no chão, deitei de roupa e tudo, dormi. dormi de tênis, meu. não sei quantas horas. me levantei já eram quase 17h, pensei, vou até a cidadezinha comer. e fui. chego lá me indicam que só há um restaurante, que é o da estação. vou até a estação.
o homem me olha muito desconfiado e não gosta que eu fale em inglês. é bonito, o homem, moreno. me dá o cardápio, eu peço um prato, ele diz que não tem. diz que não tem nada daquilo aquele horário e que eu posso comer sorvetes ou sanduíches. peço um sanduíche e um chá verde, ele imediatamente com a comida me traz a conta e fica meio na minha frente olhando a paisagem e fumando um cigarro. como, uma delícia o sanduíche e a mostarda, mas praquela cara emburrada eu não agradeceria nunca. vou olhar a conta já contando o dinheiro e está escrito "chez ribeiro". ah não tive dúvida, olhei pro gajo e disse, em português:
"você é de Lisboa?"
a cara de espanto dele.
me responde, com dificuldade:
-não, sou do Alentejo. how do you know?
-pelo sobrenome e o bacalhau oferecido no menu do dia.
ele sorri e me diz
-brasileira.
-sim, são paulo.
-estás viajando só?
-sim. você mora aqui faz tempo?
-sim, há quinze anos caso. vivo suíça trinta.
a mulher vem de dentro, fala com ele em francês, olhando feio pra ele. pra mim sorri, dissimulando. e sai pra rua, com umas sacolas e um menino. ele diz
-desculpa, que não mais falar essa língua
sério. ele estava perdendo a língua. por dentro da boca dele sumiam as conjunções, conjugações, e ele botava, sem nenhum constrangimento, o ar entre as palavras. aquilo me prendeu o coração. a língua natural ser essa? e estar se apagando da memória? uau. ribeiro, o gosto pelo bacalhau não havias perdido (há quantas se engendra uma vida?)!
e vejo que teria mesmo de cozinhar no hostel. desço ao supermercadinho, falo meu francês ridículo com a mulher, e me esbanjo em comprar: vinho, chocolate, queijo. tudo suíço. é na hora de pagar no caixa que sinto a primeira pontada. na barriga, subindo pelo pescoço, aquele calafrio. penso: é o ar condicionado. subo a encosta quase morrendo, a vista ficando branca, deixo as coisas na cozinha e bem,
o banheiro o vitral do banheiro o jornal do banheiro
minha vida na suíça quase que foi só isso durante seis dias.
quase. porque penso: morri. morri na cama. dormi dormi dormi. pensei mesmo que eu estava muito numa má situação no alto do mundo na suíça longe de qualquer médico que não custasse uma fortuna. e a febre subindo. no revisteiro do banheiro o guia local diz 'doctor' call 'helicóptero'. gente, que nada é só uma gripe, tomei lá o remédio chinês errado. cápsulas chinesas funcionam, sabe? esquentaram-me tanto que meu deus, meudeus. acho que, de verdade, só passei tão mal quando tive pneumonia.
e já estava lá me vendo morta mesmo de pobre num helicóptero cruzando os alpes, acenando mãezinha em suíço quando noite alta entram meus vizinhos de camas no quarto. três homens. mais pra meninos, em fato. o brad de boston, o mark de london e o marcus de singapura. me percebem doente, e, durante quatro dias, me oferecem: chá, comida e massagem nos pés. -- - - é sério.
a mochila pesando infernos, o cascalho debaixo dos pés, o vestido preto no sol ai ai ai. mas eu estava feliz, tanto, que colhi umas florzinhas enquanto subia a encosta. a mocinha da recepção me diz num sotaque bem texas que pagando por quatro noites, ganhava uma quinta. disse a ela que por enquanto eu achava que só ia ficar uns dois dias e tudo bem. subi ao quarto,
estou, mais uma vez, morrendo de fome. mas a felicidade de me entregar a uma cama de madeira clara na minha frente com um colchão com essa vista, larguei a mochila no chão, deitei de roupa e tudo, dormi. dormi de tênis, meu. não sei quantas horas. me levantei já eram quase 17h, pensei, vou até a cidadezinha comer. e fui. chego lá me indicam que só há um restaurante, que é o da estação. vou até a estação.
o homem me olha muito desconfiado e não gosta que eu fale em inglês. é bonito, o homem, moreno. me dá o cardápio, eu peço um prato, ele diz que não tem. diz que não tem nada daquilo aquele horário e que eu posso comer sorvetes ou sanduíches. peço um sanduíche e um chá verde, ele imediatamente com a comida me traz a conta e fica meio na minha frente olhando a paisagem e fumando um cigarro. como, uma delícia o sanduíche e a mostarda, mas praquela cara emburrada eu não agradeceria nunca. vou olhar a conta já contando o dinheiro e está escrito "chez ribeiro". ah não tive dúvida, olhei pro gajo e disse, em português:
"você é de Lisboa?"
a cara de espanto dele.
me responde, com dificuldade:
-não, sou do Alentejo. how do you know?
-pelo sobrenome e o bacalhau oferecido no menu do dia.
ele sorri e me diz
-brasileira.
-sim, são paulo.
-estás viajando só?
-sim. você mora aqui faz tempo?
-sim, há quinze anos caso. vivo suíça trinta.
a mulher vem de dentro, fala com ele em francês, olhando feio pra ele. pra mim sorri, dissimulando. e sai pra rua, com umas sacolas e um menino. ele diz
-desculpa, que não mais falar essa língua
sério. ele estava perdendo a língua. por dentro da boca dele sumiam as conjunções, conjugações, e ele botava, sem nenhum constrangimento, o ar entre as palavras. aquilo me prendeu o coração. a língua natural ser essa? e estar se apagando da memória? uau. ribeiro, o gosto pelo bacalhau não havias perdido (há quantas se engendra uma vida?)!
e vejo que teria mesmo de cozinhar no hostel. desço ao supermercadinho, falo meu francês ridículo com a mulher, e me esbanjo em comprar: vinho, chocolate, queijo. tudo suíço. é na hora de pagar no caixa que sinto a primeira pontada. na barriga, subindo pelo pescoço, aquele calafrio. penso: é o ar condicionado. subo a encosta quase morrendo, a vista ficando branca, deixo as coisas na cozinha e bem,
o banheiro o vitral do banheiro o jornal do banheiro
minha vida na suíça quase que foi só isso durante seis dias.
quase. porque penso: morri. morri na cama. dormi dormi dormi. pensei mesmo que eu estava muito numa má situação no alto do mundo na suíça longe de qualquer médico que não custasse uma fortuna. e a febre subindo. no revisteiro do banheiro o guia local diz 'doctor' call 'helicóptero'. gente, que nada é só uma gripe, tomei lá o remédio chinês errado. cápsulas chinesas funcionam, sabe? esquentaram-me tanto que meu deus, meudeus. acho que, de verdade, só passei tão mal quando tive pneumonia.
e já estava lá me vendo morta mesmo de pobre num helicóptero cruzando os alpes, acenando mãezinha em suíço quando noite alta entram meus vizinhos de camas no quarto. três homens. mais pra meninos, em fato. o brad de boston, o mark de london e o marcus de singapura. me percebem doente, e, durante quatro dias, me oferecem: chá, comida e massagem nos pés. -- - - é sério.
2 comentários:
Adoro te entender.
ô orlando, fico contente
eu também adoro me entender
;)
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