30.11.05
sobre toda estrada, sobre toda a sala
Como eu vou lhe contar aquilo do que eu ainda não me despedi? (o segredo do universo marcha nessa espera lenta, passando por cima das dálias e pisoteando hortências e até algum lepidoptero raro, de colecionador, em repouso. As a chinese jar still. Quer dizer, o que não se espera pela nossa espera. Eu nunca esperei avidamente. Expectativas sim, em tu-do, até mesmo no apalpar dos pães de forma no supermercado. "Foffo", "não-foffo", pretendendo aquele ou esse no futuro mastigar, mas sem prestar mais atenção. Claro, mesmo na mesma família pode-se optar pelo pacote amarelo. Passei os últimos 250 dias de hibernação com eles, mas agora chegou aquele momento em que tudo mudou, estou sozinha novamente, é bom não se. Tudo escuro. É bom mas não se. É bom, sim porra, o que é bom é bom. Mas não é só o bom que é bom, deixem de ser chatos em mais esta obrigatoriedade. A chave é mudar de assunto a cada? Não sei, sem assunto, não sei como mudá-lo. A tendência é ao natural, verão estampado ou liso, sabe? verão, veraneio, varanda, a lua branca por detrás da samambaia. Eu digo. Os Caymmi são o único foco de resistência no país! Todo o resto é cópia deles. Ou distorção! que é ainda pior. O próprio Caetano Veloso foi cantar body and soul, cantou em italiano, cantou como puta do almodóvar, deve ter cantado música gospel e cantou no faustão. Se o Caymmi cantasse no faustão, tudo bem, mas as sandálias dele nunca se arrastariam até lá. Devemos alimentá-los. Que se foda o seu hamster, sua chinchila, sua iguana. Agora eu sou da turma das hienas. Hienas que bebem heineken, embolsemos. Você já viu uma hiena soluçando? Ah, meu caro, é um espetáculo à parte. Mas os aplausos, só no fim, não entre os movimentos. Mas se for hino, querido, não aplaude não que não pode. Rouba a bandeira, pega ela que ela é tua, engole ela inteira, o Brasil, tão rememorado naquelas catacumbas engessadas; eu ainda estou falando disso e nisso? não pondendo acabar com essa penúltima frase de efeito tão conclusiva, esta, portanto, ficará sendo, perpetua e irrevogavelmente, a palavra última.) Sim, tenho lembrado bastante de você.
29.11.05
Uma vez fui a um médico.
(...)
A verdade é que eu ainda não havia encontrado o estilo. Mas ouça, meu amigo: conheço por exemplo a história de um homem velho. Conheço também a de um homem novo. A do velho é melhor, pois era muito velho, e que poderia ele esperar? Mas veja, preste bem atenção. Esse homem é velhíssimo, não se resignaria nunca a prescindir do amor. Amava as flores. No meio da sua solidão tinha vasos de orquídeas.
O mundo é assim, que quer? É forçoso encontrar um estilo. Seria bom colocar grandes cartazes nas ruas, fazer avisos na televisão e nos cinemas. Procure o seu estilo, se não quer dar em pantanas. Arranjei o meu estilo estudando matemática e ouvindo um pouco de música.- João Sebastião Bach. (...) Consegui um estilo. Aplico-o à noite, quando acordo às quatro da madrugada. É simples: quando acordo aterrorizado, vendo as grandes sombras incompreensíveis erguerem-se no meio do quarto, quando a pequena luz se faz na ponta dos dedos, e toda a imensa melancolia do mundo parece subir do sangue com a sua voz obscura... Começo a fazer o meu estilo. Admirável exercício, este. Às vezes uso o processo de esvaziar as palavras. Sabe como é? Pego numa palavra fundamental. Palavras fundamentais, curioso... Pego numa palavra fundamental: Amor, Doença, Medo, Morte, Metamorfose. Digo-a baixo vinte vezes. Já não significa. É um modo de alcançar o estilo.
(...)
Herberto Helder, "Estilo", d'Os passos em volta.
27.11.05
falar de amor em Itapuã
ora ora pro nobis
Mas nada disso, sinceramente, me importa. Nada disso me seria relevante (neste sábado à noite sem Claro que é Rock e cheio de tosse e poetas africanos) se eu não tomasse cada vez mais mais gosto pelas anedotas.
É da sabedoria universal que o fim da tarde de sábado é o horário ideal para encontrar um interlocutor em casa. Já que é assim, o telefone na dos meus pais tocou. Atendi. Tudo muito formal. A mulher do outro lado chamou pelo meu pai e disse a mim que pertencia aos Arautos do Evangelho. Uau! Não o avisei do 'detalhe' e me mantive na extensão:
-Olá, Sr. João, como vai?
-Sim, sou eu. Quem fala?
-Meu nome é Marisa. Faço parte dos Arautos do Evangelho, o Sr. já ouviu falar?
-Sim. Conheço.
-Não sei se o Sr. tomou conhecimento, mas nós estamos inaugurando um Colégio próximo a sua casa. Eu estou ligando porque gostaria de agendar com o Sr. uma visita à sua casa.
-Visita na minha casa??
-Sim, uma visita à sua casa para abençoá-la, com a imagem de Nossa Senhora de Aparecida, padroeira do Brasil, o Sr. deve...
-Acontece, Minha Senhora, que eu sou comunista.
-COMUNISTA?
-SIM. Comunista.
-Mas como o Sr. pode fazer uma coisa dessas?? O Sr. não tem religião? Sabe o mal que é isso?
-Minha Senhora, eu ligo para senhora para tentar convertê-la ao budismo? ao islamismo? ao COMUNISMO?
-DIABO! DIABO! DIABO!
-Passar bem.
-DIABO! DIABO! DIAB.
24.11.05
eu vou, por que não?
-Júlia de Carvalho Ansen?
Eu corrijo:
-Júlia de Carvalho Ransen.
Ela levanta do guichê, me deixando sozinha sem pedir licença e vai atrás conversar com outro agente. Penso que a polícia vai perguntar sobre a assinatura, mas "vai ser fácil, vou me sair bem como sempre", ainda mais que não levo nada nos bolsos ou nas mãos que me comprometa. Olho pro chão e estranho meus sapatos, mas que combinam com essa calça de risca-de-giz. Ponho a mão nos bolsos, o direito se avoluma, parece um chiclete, mas quando puxo pra fora é uma orquídea lilás. Carregarei pela eternidade a orquídea lilás que "veja, minha filha, não se alimenta de nada que não seja o ar".
A mulher volta e me oferece um kleenex. Aceito. E me diz:
-Olha, você não poderá embarcar. A Júlia já passou por aqui faz uma hora. Numa hora dessas ela já está no ar.
-Mas a Júlia não sou eu?- digo sem ansiedade.
-Ela perguntou o mesmo.
-E pra onde ela foi?
-Pro mesmo lugar que você ia. Por pouco vocês não se encontram.
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(Cacete. Nem em sonho eu sei pra onde vou? Mas olha só, já fui e ninguém me avisou. Eu estou aqui, mas não sou eu quem está aqui, Clearly non-Campos, já que dessa vez não é excesso, só não tem ninguém. Só sei que no sol de quase dezembro, eu quero seguir vivendo, amor.)
23.11.05
19.11.05
i do my best to make him stay (?)
Footfalls echo in the memory
Down the passage which we did not take
Towards the door we never opened
Into the rose-garden. My words echo
Thus, in your mind.
But to what purpose
Disturbing the dust on a bowl of rose-leaves
I do not know.
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o conjunto de 2005 foi eleito, por unanimidade, na categoria do ano mais comentado do século. quem mais vota nele?
13.11.05
8.11.05
escudos
estive no fantástico mundo que é uma papelaria. Os papéis em cores, texturas, tem as tesouras de cabo preto, de torto a direito, massas de modelar, goma arábica, potinhos de cores, tubinhos de cores, trechinhos de riscos, uma goiva. "É tanta coisa que está pra fazer o que ainda não é."
Foi que nem no supermercado quando a gente é criança, sabe? espremi os olhos, torcendo pra ser 6 da tarde, cerrarem as portas e eu, sozinha e esquecida, presa entre os lápis de cor e as caixas com os vidrinhos de tinner. Tiro o casaco, me livro deste cemitério. Lembro que quando chega o escuro duma madrugada é permitido sorrir e amasso um giz-de-cera entre os dedos, formando um elo, parece um brinco, está feito, e talvez, sem ninguém ver, eu comece uma coisa melhor?
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Um amigo disse a respeito dos meus amigos: "eles todos têm a mesma cara atormentada: 'estou dirigindo um carro-bomba a 150km/h". Eu achei estranho, nuncafreqüentei um sky-sos. Daí ele completou, rindo: "dirigindo um carro, mas o carro está parado!". Eu, segurando bem o volante, sorri e mordi uma passatempo, na falta dum líqüido pra enfiar um copo na cara. Como um francês ele repetiu, rindo mais alto: "está parado!! não vê!?!". Foi quando pensei num carrossel rosinha, girando alucinado, com o comentador girando nele, tão sabido e assustado com seu comentário. Meus amigos viriam e é! meus amigos vêm e explodem tudo! explodem tudo com TNT. E eu? assisti pica-pau demais na infância e, sim, fiquei assustada com aquela risada escabrosa.
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que se foda
6.11.05
(Cortázar, "O jogo da Amarelinha")
3.11.05
2.11.05
E eu calo? Faria o quê?
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Dia de finados. Precioso. Não, não quero ser reticente. Embora eu ande querendo escrever sobre "ir embora". Convivam seus mortos.
Fui hoje ao aniversário de um colega de serviço. Essas festas de meio de semana são sempre acanhadas. É preciso dormir cedo, controlar-se. Numa roda, um conhecido nos assegura que podemos estar sossegados. Em Paris estão guardadas as medidas: o Metro, o Quilo etc. Bebi três cervejas ou mais. E fiquei meio de lado tentando edificar-me uma Paris. Meus modelos são tão volúveis. Uma metafísica caseira me propõe questões extremamente embaraçosas. Busco éticas em lavar ou não a louça que sujo, na honestidade com mulheres que sempre terminam por me deixar. Na verdade, trago uma Paris no coração. Sou incapaz de descomedimentos.
(Rodrigo Naves, d'O filantropo.)