9.12.06

A morte
Para Yvan Goll
A morte é uma flor que só abre uma vez.
Mas quando abre, nada se abre com ela.
Abre sempre que quer, e fora da estação.

E vem, grande mariposa, adornando caules ondulantes.
Deixa-me ser o caule forte da sua alegria.

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Retrato de uma sombra

Os teus olhos, rasto de luz dos meus passos;
a tua testa, lavrada pelo brilho dos punhais;
as tuas sobrancelhas, orla do caminho da tragédia;
as tuas pestanas, mensageiros de longas cartas;
os teus cabelos, corvos, corvos, corvos;
as tuas faces, campo de armas da madrugada;
os teus lábios, hóspedes tardios;
os teus ombros, estátua do esquecimento;
os teus seios, amigos das minhas serpentes;
os teus braços, álamos à porta do castelo;
as tuas mãos, tábuas de juras mortas;
as tuas ancas, pão e esperança;
o teu sexo, lei do fogo na floresta;
as tuas coxas, asas no abismo;
os teus joelhos, máscaras da tua altivez;
os teus pés, campo de batalha dos pensamentos;
as tuas solas, criptas em chamas;
as tuas pegadas, olho da nossa despedida.

::
os dois do Paul Celan, traduzidos pelo João Barrento, em A morte é uma flor.

3 comentários:

nada disse...

para tentar pegar, e falando de rastro: o próprio celan disse que o poeta anda de ponta-cabeça, e aquele que anda de ponta-cabeça tem o céu como abismo. e a chuva?

meus queridos amores, como andam na chuva que imagino na cidade de vocês?

por quê a poesia me faz querer ver os olhos que aí se riem, uns aos outros?

ouço fado português, uma mulher chamda mísia, aquela que canta que tudo é água que corre; também ressoa o chico de ontem com seu escafrando, também em práticas de mergulho. lembro de um texto de júlia, os postes da cidade afogados, um cachorro; e de clarisse me espelhando numa caminhada de lama e chuva e chuva, perto do barco só.

em volta há barro
em volta há barro molhado
e eu não sei porque não estou lá, deslizando de vez.

júlia disse...

que muito bonito tudo isso, caetano.
estou para te escrever faz meses, você sabe, né?
lá vai, já vou, viu?
muito bonito mesmo disse tudo
um beijo

nada disse...

sei, sim
e
enquanto isso vou indo e vindo, escrevo no chão e converso.
faço os meses que vêm colher suas palavras próximas.

um beijo!

 

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