17.10.09

dessa vez ainda não morri

dias atrás a insipidez lírica do meu olhar sobre as coisas fazia me sentir num conto da virginia woolf, pelas superfícies tomadas, as casas, os campos de trigo (se trigo houvesse), os jarros sobre a mesa na parede de veludo, se parede houvesse.

virginia não me visita essa noite.

levanto-me de pronto, é escuro. dei um grito porque voava sobre mim um lençol. me acontece de meses em meses. o remorso dos vizinhos não me impede de dormir.

encanto-me pelos poetas que são oratórios. encanto-me pelos poetas que são proféticos. não gosto dos poetas que falam como deus, ou por ele. gosto dos poetas na terra enterrados, que falam na altura do trigo, se trigo houvesse.

o que foi gerado e entre o que ainda está pra se gerar teve um branco feito lençol. multi ação sem cores. televisão que nutre pra aumentar o realce. fiquei calada. calada. Inês, tão linda, me olhava no carro e dizia "não vês?". eu queria sorrir para Inês, mas era o corpo que me impedia. o corpo como uma fronteira entre mim e mim mesma. e a gente subia por Alfama no carro. e eu em mim mesma fundia.

eu não existia. não sei se isso já lhe aconteceu. mas desde que cheguei, além duma fundura invisível que não me alcança, eu deixei de existir. ontem só que percebi que estou precisando contar os passos. um pra lá de adiante, pra cá e depois, sim. não, não tropecei, nem caí. foi a lua.

depois eu fui a praia, com o B. e descobri o mundo inteiro de tons azuis. o mar, o calção do menino muito loiro que corria de óculos de natação, a coleira do pastor alemão. se bem que de perto era verde o mar com Tejo. sobre o pastor dormia um rapaz. e um surfista da bunda linda se alongava ao lado duma geladeira. eles ali jogavam gamão. o B lia Llansol e eu Pessoa. o B foi pular na água gelada e eu entrei pra dentro de um telefonema, e para animá-lo, eu descobri como descrever o mundo por fora.

quando o B voltou pensamos em disputar com umas alemãs umas mangas e também o Nívea Sun. mas elas usavam óculos escuros, nós não. nós estávamos olhando pro sol. eu senti frio antes. voltamos pra Lisboa e tudo que eu vivo tinha sossegado.

*

são uns dentes tortinhos, sorrir seu, meu desejo.

Um comentário:

sabina disse...

lindo isso.

também o último verso.

 

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