25.7.08

de sobre a rocha

uma folha quase em branco das minhas tentativas
tentou voar ficou presa nas pedras mas daqui ouço
seu desfolhar

venta venta venta

de manhã cedo tentei vir aqui
quando fui à caminho do que eu não via, andei andei e do alto da cidade a rodovia olhei um sítio com pedras crescendo e pensei que eu queria estar lá mas não sabia como
e fatigada por não saber olhar a terra que não acaba sem fim, voltei para casa almoçar,
e de pois, no fim da tarde, saí andando sem rumo como sempre, andando, e de repente estava numa porta da cidade, bem em frente onde eu tinha me esquecido que queria ir cedo e fui andando andando até que cheguei nas rochas crescendo fincada uma cruz e andei mais pra baixo um espinho entrou no meu pé nem liguei andei andei
até que me sentei nas pedras e o musgo laranja e cinza me adormeceu toda intranquilidade e escrevi:

é julho
o mês que tem o nome do menino que em mim festeja de tudo
a terra é tão extensa que assim só conhecia o mar
e eu e eu eu e eu
com o ouriço enfiado na testa e rindo
e à noite, quando fico bem quieta, meu ouvido é uma concha em qual se ouve o rugido

- - -

e depois voltei para casa,
olhos cinzentos que brilham
me contaram que naquele sítio em que eu estava aparecem raposas! e javalis!

javalis! e que são perigosíssimos, que atacam, que o melhor ao se deparar com um é não me mover, não correr e torcer, torcer.

será que ele me daria um beijinho?
de nariz de javali?
será friozinho?

- - - -
fotos em maisqueumarbusto

24.7.08

acordei aqui

escrevi como o mar que avança depois de muito retroceder
duas ondas juntando a água que veio de trás

e aqui em marvão, cidade amurada, do alto da muralha do castelo, vendo espanha, um lago adiante no meio das montanhas, como se faz para chegar lá? caminhos entre pinheiros, árvores de cascas grossas, e pontas das folhas no alto mais claras, palha seca e amarela pelo chão, relevos entre relevos, rochas muitas rochas, nessa muralha, os musgos cor de laranja pelo sol, plantas que tentando entender qual é o limite que essa vista alcança o quanto o que me visita cansa como olhando

e descobri que há um barulho que sempre pensei ser do mar mas é um som do vento
um marulho que o vento faz,
«dizer
que o amor nasce assim
às escuras
longe do amanhecer
cheio de dúvidas
cheira à fadiga
promessa falsa de cura
cera maleável
não se sabe se dura»

18.7.08

lisboa

julho de 2008
é verão e ao corpo de todos isso se grava neste continente. dizem «aconteceu num verão», e eu entendo como «a mais maravilhosa das épocas, quando fazemos coisas que não fariamos se não fossemos nós mesmos».

vejo cegos por toda a cidade
dois, cinco num mesmo dia
sobem nos elétricos, nos comboios, nos autocarros e seguem vivendo a escuridão em lisboa por toda a vida. parece uma espécie de punição divina, pela cor, pela luz,
nazaré me diz que estes cegos só aparecem para mim

e o camões e o vasco enterrados no mosteiro jerónimos, o navegante no escuro, o poeta embaixo da grande luz que vem do vitral, entendi que essa é uma terra de poetas e que não há como não ser fernando pessoa e pintor nessa cidade, e partir do corpo em heterônimos, quem me derá estou conseguindo só estar em ser uma só desaparecida, sumindo tudo que sei de cor, enquanto o sol me bronzeia as mãos nas ruas

ontem cantava pela cidade versos de um disco que ouvia com cinco anos:
água tanta deu na pedra
que até fez amolecer

isso é o tejo, que é mesmo dentro da gente, que é largo, pensamento e ação, retira de mim tudo que é um estado definitivo das coisas

- - - -
carne

seja a casa onde for
construir estantes
no pensamento de derrubá-las

forrá-la com flores no papel de parede
e livros de capa branca

forrar todos os livros
todas as páginas dos livros
de branco

com algodão secá-los
da úmida solidão
do que está escrito.

11.7.08

Angelita no norte dizia:
-Olha, mamãe, rasguei a perna ao descer a escada do Universo.
E por baixo do letreiro enorme do restaurante cósmico pude imaginar o garçom a dizer:
-Quer um chocolate, pequena?

- - -

lisboa

parece que há uma luz lá dentro
que não se apaga nem mesmo de dia
dentro do cômodo branco de cal
de modo que ficava dourado

e quando a luz
incendeia meus olhos cansados
é me encostar nas paredes
para estar à fresca

- - -
plantações seguidas de plantações
pela janela do trem a paisagem controlada
há tão mais começo no brasil
mesmo assim não sinto saudades dos latifúndios
nem de você, da minha casa, nem de nada

- - -
o show do radiohead não foi bom.
o do sigur rós foi maravilhoso.
e o do mgmt, ontem, aqui em lisboa, o mais divertido de todos.

- - -
me encontro em renomear o mundo
com as palavras que já são dele
amor, oceano é o mar que nos divide.

e o poema, pelo atlântico,
em vestes de submarino
nada escafandros sem oxigênio
asfixiada em mais um copo sobre a mesa
a espera da tua mão que levanta
a mesma sede de amor
no trópico, do ibérico, por toda parte.

5.7.08

meu deus, todo teclado frances 'e assim? (o Q estq no lugar do a, e pro ponto final è preciso apertar o shift; pra dizer o minimo)

toda essa vida aqui tem sido uma alfabetizacao:

e hoje perdi o onibus de amsterdam pra lille: o pior foi que vi o onibus partindo, e eu sentada no banquinho tomando o sol das 7h da manha, escrevendo dois textos de mesmo nome "a beleza compreendida de clarice"; em apreco ao marcos e a incrivel amsterdam perdi o buso

assim fui parar em bruxelas novamente, onde peguei um trem, passei pela imigracao britanica e seus cachorros e cheguei em lille onde fiz uma amiga chilena filha de chineses e que mora em tolouse. amanha cedo ligo pro indiano a quem contei dos cogumelos e vamos os tres juntos no show do radiohead em

arras

ô

2.7.08

deixei um cartão em um banco do parque
em amsterdam

contava a história completa
e as gotas no papel parecem nuvens.
 

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