18.4.08

quando eu era criança o mundo todo fazia silêncio. tentava caminhar entre as coisas evitando o toque com elas, palmilhando o chão como se tivesse os pés recobertos por uma camada úmida de veludo. olhava para tudo que não fosse gente, os bichos, os objetos de arte e não conseguia entender porque eles não diziam. hoje ainda fico muito comovida quando penso entendê-los em movimento e ação. mas, na época, quantas vezes acordava sobressaltada?, quando um objeto de madeira rangia, a televisão estalava ou um animal chiava longe e me levantava bruscamente sozinha, as costas do colchão, tentando entender o que aquilo expressava tão esporadicamente em meio a tanto silêncio.
eu sentia também uma espécie de inveja daqueles insetinhos que voam em volta das bananas. porque eles giram sem zumbir, têm uma aparência de insignificantes e voam tão lento, duram tão pouco, que para eles o limiar entre a vida e a morte é tão fino que eles me pareciam livres dessa responsabilidade.
uma vez meus pais estavam na europa. me escondi atrás da poltrona verde-marinho do apartamento da minha vó, encostadas as cortinas que amarelavam. procuraram por mim durante algum tempo, até que sai do meu esconderijo quando a sala ficou vazia, porque não agüentava mais segurar os espirros que o pó me obrigava. depois de um tempo contei para a minha vó, queria a confidência, mas ela me repreendeu dizendo que a irmã dela usava marcapasso e poderia ter se assustado. essa irmã morreu mês passado.
comecei a escrever tudo isso porque tenho me pegado muito tímida, assim como quando era criança.hoje isso me agrada porque timidez em mim se confunde com calma e estranhamento. mas um capítulo sobre o contrário do silêncio, também sempre por mim praticado, ainda não sei dizer. talvez a fala fale por si própria. ou talvez um dia eu alcance, sabe lá se a fala ou o silêncio, de uma planta.

2 comentários:

ilana disse...

júlia,
li um monte com muito gôsto tudo isso,
li como favorito, com o gôsto de beber uma coisa que tinha o mesmo que conheci em outubro,
perto do silêncio, da fala própria,

júlia disse...

ilana,
tudo precioso
fiquei curiosa de outubro
tenho feito uma receita do oliver de sopa de tomate com manjericão que toda vez penso que você precisa comer comigo

 

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