31.3.08

agora prestei atenção na

.letra de the sounds of silence, apesar de que o duda, meu amigo de sempre, quando tínhamos uns quatorze, quinze e dezesseis anos e ele dirigia esse fusca pra todo lado, a colocava pra tocar em todos os lugares. nós brigávamos muito por causa de qual música deveria tocar. discutíamos, davámos stop na do outro de repente e uma vez chegamos mesmo a sair no tapa. lembro da cara dele estatelada e vermelha no chão, possesso. eu ainda era maior que ele e ven-ci ven-ci.

refletindo a respeito das descrições a partir das conversas com minha nova amiga, me encontrei descobrindo quais cenários da minha memória têm semelhanças aos que aparecem nas imagens que se projetam enquanto escrevo. se encontrar essas coisas é um hábito que sempre visito, percebi que uma das casas que o antonio visita, no romance que estou escrevendo, com uma falta de título ainda provisória, é a casa do duda. que não fica na frente do mar como a de Lola, mas tem uma meia-luz reinante, móveis baixos no centro da sala, uma chave de armário de bebidas guardada num potinho. noto que é o único lugar de cena, até agora, que se narra qual música é a música que toca. uma espécie de homenagem?

quanto ao simon and garfunkel, ainda bem que eu não havia prestado atenção na letra. porque senão este, cubo de noite, teria tido desde o início essa citação, tão clichê e recorrente, que talvez pudéssemos nos cansar. eu, de mim mesma, não seria novidade. mas você, que pode saber muito, mas não sabe quem eu sou, ia saber o quão hippie é esta que vos escreve.

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- -- -
Drummond, no Claro Enigma:

Confissão

Não amei bastante meu semelhante,
não catei o verme nem curei a sarna.
Só proferi algumas palavras,
melodiosas, tarde, ao voltar da festa.

Dei sem dar e beijei sem beijo.
(Cego é talvez quem esconde os olhos
embaixo do catre.) E na meia-luz
tesouros fanam-se, os mais excelentes.

Do que restou, como compor um homem
e tudo o que ele implica de suave,
de concordâncias vegetais, múrmurios
de riso, entrega, amor e piedade?

Não amei bastante sequer a mim mesmo,
contudo próximo. Não amei ninguém.
Salvo aquele pássaro -vinha azul e doido-
que se esfacelou na asa do avião.
- - - - -

.quanto a adolescência
mais vale um cachorro vivo.

escrever a adolescência do antonio está sendo uma aprendizagem. afinal, a proximidade que às vezes aparece entre a minha memória e a dele, tão bem tolerável na infância, ao virar a casa dos quatorze, fica absolutamente insuportável. com isso, a necessidade de distanciá-lo da minha experiência grita. e a ficção agradece.

os espaços, no entanto, retirados da minha emoção, são sempre agradáveis e onde a luz é muito importante. assim, na constituição das cenas físicas, as experiências cruzadas continuam convivendo melhor. um cenário vindo da casa do duda e outro da do leon e elisa k., quando eles aindam moravam na alves guimarães, prosseguem.

.será que agüento ainda esperar o aniversário de dez anos dos meus quinze, em janeiro de 2009, para poder perdoá-los?

.será disso que estou partindo?
dos lugares espaciais?
dos lugares que não são-lugares?
as grandes ilhas,

.do meu medo de partir
partir ao meio, em tanta loucura.
da mãe, puxei esse medo da piração. do pai, o medo do ócio.

.fiquei sonhando o dia todo. me levantei durante duas horas e fui até a polícia federal pegar o meu passaporte e voltei a dormir. os sonhos voltaram, com um pouco de sexo e situações festivas em lugares que nunca estive, uma casa com espadas de são jorge plantadas nos quatro cantos do terreno, uma sensação intensa de estar em viagem, que tem acompanhado meus sonhos faz alguns meses, me mantiveram dezessete horas dormindo. tudo muito feliz e agradável. de quando em quando abria os olhos e percebia os rumores do mundo, a serra elétrica da obra ao lado, todos amenos.
acho que as companhias que ontem eu, graças as graças, voltei a estar feliz junto, acho que tanto me sossegaram como me fizeram lembrar que é por uma estrutura de ressentimento que se reprime quem, aos olhos da sociedade corrente e claustrofóbica, não faz nada. e isso, fazer nada, era tão mais simples na adolescência.

.por fim, quanto aos meus vícios de linguagem:
de repente percebo, factualmente, como me fazem falta ao escrever todos os "c"s presentes na ortografia dos portugueses (cf. acção) . mas, como isso já me aconteceu antes, sei que toda vez que comecço a socfrer disso, vira um viccío.

e meia dúzia de risadas de um viccío bastam para ele se des-agigantear.
(deixar de ser gigante foi uma das minhas duas promessas de ano-novo.)

a morte passou a segunda morte passou a terceira morte se fez
vamos cantar,

3 comentários:

sabina anzuategui disse...

Ficou lindo.

Quanto ao medo da loucura: para mim começou assim. Depois tive um medo humilhante de virar mendiga quando velha. Depois fiquei adulta, de um jeito que nem sempre me orgulho.

Engraçado: quando tentei escrever um romance pela primeira vez, tinha 22 anos. Mas escrevi sobre coisas muito recentes, que tinham acontecido havia 1 ano, seis meses.

Você vai viajar?

vina apsara disse...

Bom, quanto aos comentários, esquece... Eu sou metida a entender as coisas e canalizo isso na leitura - anos de terapia (?) pra poder dizer só isso, veja só... Então acho que criticar as coisas tá virando a minha coisa, sabe? Então eu prefiro guardar os meus comentarios para que sirvam exclusivamente à minha neurose.

Quanto ao post em si, os seus sonhos parecem uma boa descrição do clássico "festa estranha, gente esquisita", que outrora foi o ganha-pão de gente psicho como o David Lynch. (to viajando)

Quanto ao ilustre Antonio, bem. Eu acho legal voce dar algum crédito à ficção (mas afinal, o que é isso mesmo?). E suas angústias provavelmente vem do fato de que voce quer entender demais o pobre.

A gente cria eles pro mundo!

Anônimo disse...

Eitá Julia, intonse, a Fabi me comentou esses tempos agora que a conheceu...bom o destino...gostaria de convidá-la a mandar um textos ou dois em prosa ou verso para a proxima edição da revista Não Funciona...o e-mail: naofunciona@gmail.com...
bons ventos

 

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