20.11.07


tudo é igual quando eu canto e sou mudo
mas eu não minto, não minto
estou longe perto

(agora começaremos a falar dos mortos e aparecerão pontas cipestres sobre os assuntos já sugeridos)

Uma vez, anos atrás, fiquei fascinada pela história que o Sábato ouve do Borges (um escritor argentino), a respeito de Güiraldes e o respeitável fracasso de seu livro El cencero de cristal (só o título nos faz recomendá-lo pela animação aos domingos), que, mesmo o satisfazendo ao ponto de ser publicado, foi um fracasso absoluto no mundo das vendas literárias. Parece que nem os amigos o quiseram. Daí, o escritor vaidoso e creditoso ao mundo das especulações imobiliárias, resolveu cometer um ato que fosse, de uma vez só, contra aquelas páginas e que o livrasse da memória futura dos leitores de manuais de cultura literária. E o que Güiraldes fez? (primeiro, nunca mais sugeriu um encadeamento através de uma pergunta) Güiraldes pegou com as próprias mãos todos os exemplares a que teve acesso e jogou um por um num lago. A questão que o Sábato e o outro escritor argentino se fazem é: poizentão, que bonito que é, já que o mais comum teria sido jogá-los ao fogo. E por que Güiraldes não optou pelo fogo? eles não respondem, para cada um está implícito, mas, talvez para nós não, talvez porque fosse um ambientalista avant-la-, talvez porque tivesse medo de fumaça, talvez porque não tenha lhe passado fogo pela cabeça, talvez morasse numa região dos lagos, talvez, porque tivesse ainda algum apego aquelas páginas,

talvez porque preferisse formas lentas, por darem tempo de se perceber o definitivo, o silêncio da putrefação aquática, apagando pouco a pouco aquelas letras, desfazendo devagar as folhas de papel, talvez gostasse assim, de gestos monótonos, aquietados, um silêncio que de tão fundo, ecoasse pra ninguém, mesmo que você colocasse o seu silêncio ouvindo de dentro do lago, você não escutaria nada; ouviria tão pouco nítido que talvez você já tenha mesmo num lago desses afundado e, não vendo nem ouvindo nem tocando, de nada desconfiou; mas eles estão lá, os cenceros de cristal, cheios daquelas imagens de candelabros com parafina cor-de-rosa, umas tábuas rangendo fantasmagóricas, uma vontade indefinidade de se deitar nessa planície, um lençol branco em cima do gramado, até a noite chegar e tudo que se entende depois.

when i was younger, eu talvez já soubesse que é para poder ouvir essas palavras que escrevo, é dessa água absurda que falo, que de tão enlameada- é noite- se confunde com o subterrâneo do mundo, fazendo achar, por vezes, que toco o magma. não é. disso aqui se bebe. dizem que é bom, contra a inquietude.

2 comentários:

agente laranja disse...

Fiquei devendo sobre o fogo e a água, né?
Bom, você fez uma boa explicação por si. Daqui a pouco eu contraponho com a minha, prometo.

Anônimo disse...

júlia,
é desses escritos quando te leio,
tudo o que borbulha
bem assim,

 

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