30.11.07

Uma certa narração seca que às vezes me sobe. Ao mesmo tempo que ouço as palavras como se elas fossem acordes numa partitura, subindo e descendo ao som do teclado.
não quero sugar todo seu leite/ nem quero você enfeite do meu ser/ apenas te peço que respeite/o meu louco querer/ não vamos fuçar nossos defeitos/ cravar sobre o peito as unhas do rancor/ lutemos mas só pelo direito/ ao nosso estranho amor
O indivíduo é múltiplo uno ou fragmentado? O indivíduo é indivíduo? Apesar de curar da doença, o texto tem um sintoma. ah mainha, eu queria mesmo era ser poeta.

29.11.07

this time tomorrow where will we be


agora pouco por um acaso uma entrevista do antónio lobo antunes na tv a cabo. eu não o imaginava assim hoje, velho.
uma lacuna, claro, entre o entrevistador e o entrevistado. o repórter perguntou 'e o senhor se sentiu como na porta da morte?'- ele teve um câncer recentemente e foi muito simpático com a besta- 'eu? me senti vivo. estamos sempre na porta da morte. mas da vida também.' então o antónio contou de algum outro escritor que 'com a morte beirando sua cama' em tom irrisório dizia mas é só isso? é só isso a morte?, e o lobo antunes sorriu, sorriu muito.

(aqui o link para o vídeo)

28.11.07

eu lembro de uma tarde, ele se soltou um pouco, fez meia dúzia de piadas e uma dancinha com as mãos. sem perceber, já tinha reprimido. havia uma mesa nos separando sem crueldade. teu maior riso é tão pouco. e eu ainda não sei pra onde olhar.

já escrevi tantas vezes
"evitar a ironia
e o tango, sobretudo o tango,"
o vestido preto com véu e sem fenda
que visto e me emboto a tecer eu,
tua prenda,
a luz tão branca do que é mudo
e quando chega a noite, exausta tiro
o que da boca foi parar na lapela,
a flor vermelha murcha
largada em cima da mesa
cansada de ser rosa

**
reler memorial de aires

26.11.07

god save the queen

Um trecho de um texto apitava na minha cabeça desde que comecei a escrever sobre Clarice e Cortázar num trabalho para a faculdade que, enfim, termina. eu lembrava assim: 'O coração já não pode' e depois lembrava 'algumacoisa é muito' e 'outracoisa é pouco'. Fiquei fascinada por lembrar da estrutura, mas não do que se dizia. Por se tratar de "coração" pensei primeiro que fosse um trecho da Clarice reiterado. Depois tive certeza que era Drummond. Até procurar no google e pasme! o primeiro resultado era meu próprio blogue e o trecho de Herberto Helder.

***

estou desintegrada demais para escrever. estou? no entanto, escrevo, retomo. caio nas drogas, café, cigarros próprios (tanto pelo gesto!), chocolate e farinha branca. entendo que Roland Barthes está errado. no Análise Estrutural da Narrativa, diz que quando se narram coisas que o narrador já sabe, tipo "este joão, meu irmão, era médico", é uma marca do leitor implícito. Mas só concordo com isso se o leitor for também o próprio escritor. Se fosse assim, não existiriam diários. Sei que, numa ânsia tremenda de delimitar as coisas, o cara (que é foda, eu acho muito) acaba falando demais. É bom que ele sempre se arrisca! Porque em"a marquesa saiu às 5 horas", "ela mesma para comprar as flores" ou, "estou desintegrada para escrever" podem ter marcas que não são de ninguém. Ou também, porque escrevo coisas que eu já sei que sei e é para mim mesma que desconheço. Os símbolos são inseridos sistematicamente ou podem ser coisas óbvias de desconhecidas para mim e que acontecem. E eu antes de ontem tinha anotado o que o Barthes escreveu com muito afeto. Tinha escrito que o António Lobo Antunes nunca marca o leitor, então, porque ele escreve dentro da perspectiva, sempre, do narrador.

***
escrevi uma carta ontem para o antónio lobo antunes. assim:
antónio, se no meu país existissem sultões, eu te convidava para ser o sultão aqui de mim,
cheio de crueldade você me daria o arbitrário de tudo
ah, eu iria sorrir e você também sorria, sim

***
"escrevo em desordem", escrevo para ter. Tudo aqui passa pela posse. As palavras, fazê-las, tê-las. Se o ato está sempre no presente, se é por tudo ser presente que me apavoro, se é disso que Eliot fala, se eu bem entendi, as palavras não preenchem espaços ou funções. As palavras são o espaço. A palavra é inerente.

***
hoje tomei uma absurda chuva de verão. É verão, ouviram bem? Por mais que a cidade o evite, é verão. É bom anunciar porque a cidade sempre aceita o inverno resignada, mas o verão? A cidade fica apavorada, você vê nos rostos as pessoas quase querendo se comprometer com o verão. Nas noites mais quentes, ninguém agüenta e explodem para as mesas quadradas sentadas de bares. Mas somos tão provincianíssimos! o medo do verão está nas pessoas, medo de que alguém te veja correndo na chuva, correndo dentro da chuva com a chuva, sem fugir da intensidade do excesso, do barulho, do corpo largado sem roupa; isso é medo de se alegrar, não podemos sorrir muito além do 'obrigado', se não começaremos a interagir com o outro, que pode ser alguém de más intenções, gente com a qual não se faz uma festa, aliás, festa na rua? só as patrocinadas pela pomarolla. todos os feriados milhões descem a serra. e é para o interior que o tietê corre, mário de andrade já dizia.

Eu saí para comprar a rosca sabores da padaria nova, todos os meus melhores amigos estão tão longe, saí para devolver os filmes, a água arrastando pela canela morro abaixo, pensando que daqui a pouco anoitece, já vai ter terminado o trabalho e eu poderei continuar sozinha, bem assim, por quanto tempo? não sei, nem quando isso começou.

***
bem, para todos vocês que não estão presentes, também ficam dadas minhas notícias.

***
ah! o trecho de herberto helder:

O coração já não pode mais. Entre os bichos e as plantas, acontece-lhe dizer: Que fertilidade!- e a vida corrompe-se nos próprios fundamentos. Sente-se como um apóstolo sem fé. Desejaria morrer, arder no fogo apocalíptico das cidades. Ou ser devorado pela inteligência, estiolar de excessiva lucidez no meio da loucura campestre. Tradição, compreende uma: ama-a. Perdeu o nome, essa sabedoria. Beleza, é pouco. Verdade, é muito. Trata-se de um termo sútil que participa de uma e outra, que se tornou inútil, insensato.

20.11.07


tudo é igual quando eu canto e sou mudo
mas eu não minto, não minto
estou longe perto

(agora começaremos a falar dos mortos e aparecerão pontas cipestres sobre os assuntos já sugeridos)

Uma vez, anos atrás, fiquei fascinada pela história que o Sábato ouve do Borges (um escritor argentino), a respeito de Güiraldes e o respeitável fracasso de seu livro El cencero de cristal (só o título nos faz recomendá-lo pela animação aos domingos), que, mesmo o satisfazendo ao ponto de ser publicado, foi um fracasso absoluto no mundo das vendas literárias. Parece que nem os amigos o quiseram. Daí, o escritor vaidoso e creditoso ao mundo das especulações imobiliárias, resolveu cometer um ato que fosse, de uma vez só, contra aquelas páginas e que o livrasse da memória futura dos leitores de manuais de cultura literária. E o que Güiraldes fez? (primeiro, nunca mais sugeriu um encadeamento através de uma pergunta) Güiraldes pegou com as próprias mãos todos os exemplares a que teve acesso e jogou um por um num lago. A questão que o Sábato e o outro escritor argentino se fazem é: poizentão, que bonito que é, já que o mais comum teria sido jogá-los ao fogo. E por que Güiraldes não optou pelo fogo? eles não respondem, para cada um está implícito, mas, talvez para nós não, talvez porque fosse um ambientalista avant-la-, talvez porque tivesse medo de fumaça, talvez porque não tenha lhe passado fogo pela cabeça, talvez morasse numa região dos lagos, talvez, porque tivesse ainda algum apego aquelas páginas,

talvez porque preferisse formas lentas, por darem tempo de se perceber o definitivo, o silêncio da putrefação aquática, apagando pouco a pouco aquelas letras, desfazendo devagar as folhas de papel, talvez gostasse assim, de gestos monótonos, aquietados, um silêncio que de tão fundo, ecoasse pra ninguém, mesmo que você colocasse o seu silêncio ouvindo de dentro do lago, você não escutaria nada; ouviria tão pouco nítido que talvez você já tenha mesmo num lago desses afundado e, não vendo nem ouvindo nem tocando, de nada desconfiou; mas eles estão lá, os cenceros de cristal, cheios daquelas imagens de candelabros com parafina cor-de-rosa, umas tábuas rangendo fantasmagóricas, uma vontade indefinidade de se deitar nessa planície, um lençol branco em cima do gramado, até a noite chegar e tudo que se entende depois.

when i was younger, eu talvez já soubesse que é para poder ouvir essas palavras que escrevo, é dessa água absurda que falo, que de tão enlameada- é noite- se confunde com o subterrâneo do mundo, fazendo achar, por vezes, que toco o magma. não é. disso aqui se bebe. dizem que é bom, contra a inquietude.

10.11.07

"No que procede o acontecimento - - é lá que eu vivo.
Espero viver sempre às vésperas. E não no dia."
C.L.. que fazia da dificuldade, procedimento

A realidade é que resolvi deixar de ser ingrata, meu bem. Sinto sua falta, mesmo que ligeiramente, sem sobreaviso. É que no decorrer mais amplo do tempo eu estou enrodilhada, ocupada demais em construir um templo, entre as minhas severidades e os meus afogamentos subterrâneos. E, se não te encaminho essas palavras escritas, é porque sei que quero fazê-las em você como se eu nunca mais te encostasse, um pouco por orgulho, síndrome do advogado de defesa, e porque hoje sei que ninguém garante que quando se chega na compreensão, se há chegado também no momento de compreender (fazer caber) e quanto mais expressar (palavra ambígua). Talvez seja por isso mesmo, ainda mais ao nível da experiência pessoal, que a literatura seja intransitiva.

E todas essas vontades de reiterar a unidade de si e a distância entre os seres. Aqui dentro, nessa casa, encontro até alienígenas para me sevirem. Escrever um texto é como a porra da mesa que ontem eu pintei de amarelo. Não se trata de mim, se trata de um objeto. Meu? Não sei, é um objeto em que se entra, como num vestido colocado na retina, uma teia de aranha na cara no meio da noite. Como se, a partir disso, você saísse por aí, se debatendo, simplesmente assim, vivendo.

Tear com palavras, para nós, que transformamos tudo o que é sensação em fala, é uma equação infinita, gravada na rocha do sangue (o sangue é um mineral?), cujo resultado resulta sempre: "é quase isso ou muito mais ainda". São entre lacunas como essas, é, eu vivo.
Yet if the only form of tradition, of handing down, consisted in following the ways of the immediate generation before us in a blind or timid adherence to its successes, "tradition" should positively be discouraged. We have seen many such simple currents soon lost in the sand; and novelty is better than repetition. Tradition is a matter of much wider significance. It cannot be inherited, and if you want it you must obtain it by great labour. It involves, in the first place, the historical sense, which we may call nearly indispensable to anyone who would continue to be a poet beyond his twenty-fifth year; and the historical sense involves a perception, not only of the pastness of the past, but of its presence; the historical sense compels a man to write not merely with his own generation in his bones, but with a feeling that the whole of the literature of Europe from Homer and within it the whole of the literature of his own country has a simultaneous existence and composes a simultaneous order. This historical sense, which is a sense of the timeless as well as of the temporal and of the timeless and of the temporal together, is what makes a writer traditional. And it is at the same time what makes a writer most acutely conscious of his place in time, of his contemporaneity.

Tradition and the individual talent, T.S. Eliot, em 1920, escrevendo para hoje. O ensaio completo pode ser lido aqui.

5.11.07



biografia incompleta, antônio dias, 1968
(infelizmente, a imagem está pouco definida.
um original no masp, numa exposição com data pra acabar.)

3.11.07

"...

julieta

ó:

........................................




Nasci para administrar o à-toa
o em vão
o inútil.

Pertenço de fazer imagens.
Opero por semelhanças.
Retiro semelhanças de pessoas com árvores
de pessoas com rãs
de pessoas com pedras
etc etc.

Retiro semelhanças de árvores comigo.
Não tenho habilidade pra clarezas.
Preciso de obter sabedoria vegetal.
(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã
no talo.)
E quando esteja apropriado para pedra, terei também
sabedoria mineral.




.......

(m de barros)


Abra sua conta no Yahoo! Mail, o único sem limite de espaço para armazenamento!
http://br.mail.yahoo.com"

2.11.07

A cidade está ardendo no meu apavoramento. A cidade ferve seu caldo de desdém pelo meu imaginário. Antes, eu tinha medo do que é a imaginação, o feltro úmido que enrola a garganta madrugada adentro e faz tudo parecer impossível e tão provável. Eu agora tenho medo da falta de imaginação. Tenho medo da compreensão, da interpretação e de tudo que não for ruptura. Parei neste outro galho e espero que ele não se quebre para que eu possa romper-me, incongruência qualquer de um espírito irônico e devastado.

E fique sabendo: quem não se arrisca não pode berrar. De repente, que loucura fina. Ser capaz é um dos modos de ser vulnerável. Olhos queimando, correntes de sangue, louvor transformado em vazio. Vamos acelerar, romper a concentração e toda a idéia de aperfeiçoamento. "Não tenho inveja às cigarras, também morrerei de cantar." A concentração será deixada para momentos mais solenes do que este, não é? Não, é não sei. Estamos inteiras na intimidade de não agüentarmos mais, o eu múltiplo, reificação solene do indíviduo, chegou ao limite. Não seremos mais destros. Não toleraremos o riso escarninho dos presentes afigurados.

Quem sabe de mim, é a minha própria aproximação de mim. Bela morena em seu vulto de carne, por exemplo: Estou indo para Cannes vestida de branco. Estou indo para Cannes esbanjar, mostrar pra todas as usuárias de diurético que a realidade que eu conheço é reter e, que, por isso, todas as coisas me atingem. Misturei nossas vidas com as dos outros e agora não sei se posso; te aceitar: como? Agora você me cansa pelos excessos de estágios de encenação que eu tenho como destino a levar te sucumbir? As pessoas nunca me comoveram tanto.

Solicito a entrada de um novo expediente. Que venha de patins, o novo expediente.

Pensei, pensamos, dissemos: por que ninguém nos escreve cartas de amor? Estou interessadíssima em cartas de amor. Estou explícita para cartas de amor.

1.11.07

 

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