29.12.05
mentiras sinceras me interessam
nunca sonhei com você, nunca fui ao cinema, não gosto de samba, não vou a ipanema. não gosto de chuva, nem gosto de sol.
olhando pro chão, pé ante pé, mas às vezes tranço minhas canelas. esquecida essa lembrança, que retorna: filete entre gengivas. rede entre mangueiras. mar de ressaca. cigarras ensurdecidas. no seu cenário, não saia dele, no cenário à esquerda, por favor. isso assim continua: com você eu sempre chego atrasada. uma canção singela, brasileira, cifras que você não faria e eu nem sei mais. passava a tarde, chegaria o outono. meu respaldo no chão. e daí até? as lagoas de sono do esquecimento? ou verão?
28.12.05
eu vi o mar, eu afundei na lagoa
e me chiamaste: "Aiuto, Marcello"
la tua Gioconda à paura di quest'onda...
ridere ridere ridere
di questo infelice qui
Adoniran Barbosa
la tua Gioconda à paura di quest'onda...
ridere ridere ridere
di questo infelice qui
Adoniran Barbosa
E a lagoa tinha fundo, eu conferi, lá embaixo. Como aconteceu com os livros sedimentados de Güiraldes, o tempo que na água silenciou e pela água destruirá. Disseram que em 2005 bastava chover pra um dia se realizar. Eu vi também muito dia ensolarado, dia azul ou não, importa? Dos tsunamis aos mares de ressaca, as lágrimas arrastaram muita coisa.
Dizem que a vida continua a mesma ano após ano. É claro. E eu duvido. E como se cada ano fosse uma lacuna, experimento umas memórias.
2005 pra mim foi um ano de dúvida, frustração e muita solidão. Ruído mental inútil, dissolução, desespero e ansiedade. E ao mesmo tempo e com isso tudo, 2005 foi dos melhores anos da minha vida. O espírito é masoquista? Complacente? Ou como um herói de tragédia, o reconhecimento se dá pela dor? Porque é sim, como no livro dos prazeres, uma aprendizagem. E leva sim, nalgum lugar, nem a frente, nem pra trás, mas noutra estância. É que fiquei solitária de vida. Talvez o resultado de uma agitação mental absoluta, de quem encara o buraco de dentro e não pára a engrenagem. Mas foi a primeira vez que desautomatizei minhas formas sedimentadas de viver, de conversar, de amar, de ler, de ouvir música, de escrever, de dançar. E sei que eu quero mais disso, de outras coisas, de muitas vidas. Mais isso é agora, depois. Teve o absoluto cansaço de uma solidão de vida, de quem nunca rompe o dique: fiquei com paralisia: parei de ler, parei de escrever, parei de sair. E, se a vontade de amar em parte paralisava o trabalho, foi na superfície dela que refletia outro retrato: estava vagando pelo mundo como um cego que, embaçado, não sabe o que fazer com tanto tato e vai esbarrando nos muros, ou, antes ainda, se protege entre eles. Já me interessava pelos desertos. Comecei a amar os guindastes e outras formas banais de destruição, alardeei o meu búfalo e se alguma porta está aberta, é que só fecho depois de sair e o lixo pra chave. Então por charme eu aprendi a discordar do Drummond, já que o amor, como quase sempre, resultou útil. E os olhos não choram mais e entendem alguma coisa a mais.
Sei bem que os últimos dias do ano não são os últimos dias do tempo, mas faço minha missa pelos mortos e não vou dormir quando 2006 chegar. E não quero mais a contra-mão, que meu tempo é esse, de leito de rio: calmaria no tempo claro ou esboço de fúria; com o desembocar de preferência no mar:
Dizem que a vida continua a mesma ano após ano. É claro. E eu duvido. E como se cada ano fosse uma lacuna, experimento umas memórias.
2005 pra mim foi um ano de dúvida, frustração e muita solidão. Ruído mental inútil, dissolução, desespero e ansiedade. E ao mesmo tempo e com isso tudo, 2005 foi dos melhores anos da minha vida. O espírito é masoquista? Complacente? Ou como um herói de tragédia, o reconhecimento se dá pela dor? Porque é sim, como no livro dos prazeres, uma aprendizagem. E leva sim, nalgum lugar, nem a frente, nem pra trás, mas noutra estância. É que fiquei solitária de vida. Talvez o resultado de uma agitação mental absoluta, de quem encara o buraco de dentro e não pára a engrenagem. Mas foi a primeira vez que desautomatizei minhas formas sedimentadas de viver, de conversar, de amar, de ler, de ouvir música, de escrever, de dançar. E sei que eu quero mais disso, de outras coisas, de muitas vidas. Mais isso é agora, depois. Teve o absoluto cansaço de uma solidão de vida, de quem nunca rompe o dique: fiquei com paralisia: parei de ler, parei de escrever, parei de sair. E, se a vontade de amar em parte paralisava o trabalho, foi na superfície dela que refletia outro retrato: estava vagando pelo mundo como um cego que, embaçado, não sabe o que fazer com tanto tato e vai esbarrando nos muros, ou, antes ainda, se protege entre eles. Já me interessava pelos desertos. Comecei a amar os guindastes e outras formas banais de destruição, alardeei o meu búfalo e se alguma porta está aberta, é que só fecho depois de sair e o lixo pra chave. Então por charme eu aprendi a discordar do Drummond, já que o amor, como quase sempre, resultou útil. E os olhos não choram mais e entendem alguma coisa a mais.
Sei bem que os últimos dias do ano não são os últimos dias do tempo, mas faço minha missa pelos mortos e não vou dormir quando 2006 chegar. E não quero mais a contra-mão, que meu tempo é esse, de leito de rio: calmaria no tempo claro ou esboço de fúria; com o desembocar de preferência no mar:
Não sei muito acerca de deuses; mas penso que o rio
É um robusto deus castanho- taciturno, selvagem e intratável
Paciente até certo ponto, reconhecido primeiro como fronteira; (Eliot)
Se 2005 foi aquático, aquele iupi-urra a toda água engarrafada, seja no Tibet ou em Lindóia. Um viva até mesmo para a grande água, favorável de atravessar ou propícia a afundar. Às vezes a alegria cessa, às vezes é maio, é hora mais melancólica-outonal, pelo bem das macieiras que ainda vão dar maçã. Ou na felicidade estridente do verão, já que os cajuzeiros ainda vão dar muito caju, se o país é tropical. E por todo o sempre até o último dia de tudo, somos contentes com todas as trocas de terra n'água, de saliva com o ar, do ar com o ar e, last but not least, de saliva com saliva. "A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia."
Espero que 2006 seja como será. E que o de vocês seja ótimo, queridos.
27.12.05
older
Than time counted by anxious worried women
Lying awake, calculating the future,
Trying to unweave, unwind, unravel
And piece together the past and the future,
Between midnight and dawn, when the past is all deception,
The future futureless, before the morning watch
When time stops and time is never ending;
(T.S. Eliot, The dry salvages).
Than time counted by anxious worried women
Lying awake, calculating the future,
Trying to unweave, unwind, unravel
And piece together the past and the future,
Between midnight and dawn, when the past is all deception,
The future futureless, before the morning watch
When time stops and time is never ending;
(T.S. Eliot, The dry salvages).
25.12.05
natal é avaliação de conduta, reflexão de atitude
por exemplo, o tédio da ceia: se eu cheirasse cocaína, sair do banheiro seria muito mais divertido.
24.12.05
19.12.05
18.12.05
17.12.05
14.12.05
fofffffffffffo
Eu e minha habitual cara de brava estávamos passeando de mau humor pela Vila Madalena, para a conquista de um remédio contra a terrível e famigerada rinite de muita coceira até no olho. Foi quando um senhor de muita idade, vestindo um terno azul-marinho e uma gravata de nó triangular se aproximou e, levantando a boina, gentilmente disse:
-A senhorita poderia me conceder uma informação?
Eu, retirando os fones de ouvido:
-Claro. O que o senhor quer saber?
-A senhorita sabe qual é o preço de um sorriso?
Acho que o céu abriu, o sol brilhou e eu sorri inteira:
-É de graça, né?
-Então por que tanta economia?
-A senhorita poderia me conceder uma informação?
Eu, retirando os fones de ouvido:
-Claro. O que o senhor quer saber?
-A senhorita sabe qual é o preço de um sorriso?
Acho que o céu abriu, o sol brilhou e eu sorri inteira:
-É de graça, né?
-Então por que tanta economia?
11.12.05
8.12.05
1.12.05
Ciò che di me sapeste
non fu che la scialbatura,
la tonaca che riveste
la nostra umana ventura.
Ed era forse oltre il telo
l'azzurro tranquillo;
vietava il limpido cielo
solo un sigillo.
0 vero c'era il falòtico
mutarsi della mia vita,
lo schiudersi d'un'ignita
zolla che mai vedrò.
Restò così questa scorza
la vera mia sostanza;
il fuoco che non si smorza
per me si chiamò: l'ignoranza.
Se un'ombra scorgete, non è
un'ombra - ma quella io sono.
Potessi spiccarla da me,
offrirvela in dono.
(Eugenio Montale)
non fu che la scialbatura,
la tonaca che riveste
la nostra umana ventura.
Ed era forse oltre il telo
l'azzurro tranquillo;
vietava il limpido cielo
solo un sigillo.
0 vero c'era il falòtico
mutarsi della mia vita,
lo schiudersi d'un'ignita
zolla che mai vedrò.
Restò così questa scorza
la vera mia sostanza;
il fuoco che non si smorza
per me si chiamò: l'ignoranza.
Se un'ombra scorgete, non è
un'ombra - ma quella io sono.
Potessi spiccarla da me,
offrirvela in dono.
(Eugenio Montale)
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