15.10.08

i'll be seeing you

E essa é a razão por que
quando as pessoas se vão
(como em Alcântara)

apagam-se os sóis (os
potes, os fogões)
que delas recebiam o calor

ferreira gullar

- - -


Na última lua cheia eu estava em Lisboa. Agitada, fazendo usos, de noite queimei meu polegar com um isqueiro mal posicionado, criando uma bolha imensa que escondi com a mão no bolso na hora de passar pelo controle de imigração na manhã seguinte. Agora, se olho bem de perto ainda encontro essa ferida marcando o desenho das digitais.

Na lua cheia anterior, estava em Csopak, e fui com minha amiga Ana até a margem do Balaton tomar um copo de vinho branco tipicamente húngaro. Enquanto falávamos de como universidades e homens são iguais no mundo inteiro, eu reparei bem fundo e disse "como a lua é diferente aqui na Hungria, mais linda, mais escura" e ela assentiu com a cabeça, me olhando sempre com a cara de que ela carinhosamente dizia menina maluca. Na manhã seguinte, enquanto preparava uns ovos estrelados, ela me traduziu rindo o cigarro entre os dentes que o jornal falava de um eclipse que assistimos na noite.

Na cheia ainda de antes, estava em Lisboa também, mais exatamente na Praça da Figueira, e um amigo tentou me convencer a pegar um comboio para Sevilha na manhã seguinte. Não fomos, as promessas de uma língua castelhana se abrindo em touros para aquela lua me seduziram, mas não o bastante para partir. E eu havia combinado de estar em Lyon dias dali.

Ontem meu pai veio até a porta da minha casa e, apontando a lua cheia, disse que viu na televisão que em Marte eles têm um problema sério devido a falta de lua. Por não ter a força de atração que a Terra tem com o satélite, o tempo lá muda a cada instante, tempestades de areia quente seguidas de gelados, porque Marte não tem um eixo gravitacional e suas faces (uma circunferência tem faces?) se cambiam para o sol ou longe dele em instantes. Fiquei me vendo em Marte. Ele continuou dizendo que se não tívessemos lua os oceanos seriam sugados para fora da estratosfera. Eu disse que seria de todo modo um oceano no universo. Ele me deu o remédio que tinha vindo trazer, riu dizendo que iam traduzir hoje uma fala dele para o japonês que veio falar na Veterinária. E, meio assustado com a ironia de ser quem é, continuou: que a lua se afasta da Terra continuamente, e que parece que em 4 trilhões de anos a força de atração terá se desfeito e sabe-se-lá o que será. Acendeu um cigarro, bateu a porta do carro e foi embora. Meu pai tem muita cara de romano. Quando eu era pequena, como os gauleses, tinha medo das noites de lua cheia, achava que ela tombaria nas nossas cabeças. E acho que aprendi com ele a adorar dizer e afobar catástrofes que não poderemos ver.

5 comentários:

vina apsara disse...

lembrei do "todos los fuegos, el fuego" - o conto, não o livro.

júlia disse...

que gozado isso, quel, por quê?
vou reler o conto, não me lembro bem dele.
gozado porque comecei a escrever esse texto depois de ler um capítulo do rayuela.

marcos disse...

júlia júlia
lua cheia

vina apsara disse...

essa coisa da lua, sabe? uma coisa meio nada a ver, mas que vai evoluindo junto com o relato, dá a noção de passagem.. parece que vc ta contando duas histórias, e elas se juntam no final.

ai, não sei explicar. ainda mais porque to com olhos de ressaca. mas não é ressaca do mar.

sabina anzuategui disse...

ficou lindo, julia.
nas últimas semanas teus textos têm me emocionado. tem uma espécie de projeção, uma saudade do que eu era dez anos atrás, mas é também saudade de outra época, escritores que não conheci e são uma referência mítica p/ mim. especialmente a "geração morta", ana c., cacaso. uma vez pensei em escrever sobre isso. vou catar um texto no meu site antigo e colocar no blog.
bjs, se cuida.

 

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