29.5.08

"e eu, com a mó do moinho a pesar-me no ventre, Não há dúvida, emalucaram, entraram pela cerveja adentro e emalucaram como o meu pai emalucou depois de um jantar de lulas no aniversário da minha madrasta, terminava o arroz e nisto imobilizou-se, ergueu os membros acima da cabeça e afirmou Pronto, sou uma acácia, O quê?, estranhou o meu tio que trabalhava de capador, Sou uma acácia, insistiu meu pai a trepar para a toalha, em vindo maio deito bolinhas nos ramos, O meu marido tem uma cisma que é árvore, disse a minha madrasta ao farmacêutico, você não vende injeções contra as árvores?., e eu Abandonou a loja, não liga às fazendas, gasta os dias empoleirado numa mesa a suplicar Não me podem, não me podem que este galho está são, e o farmacêutico Contra as árvores não conheço, já experimentou no Porto?, e o meu pai, a criar raízes na toalha, a lançar ramos na direção da lâmpada do teto, a tombar pólen do cabelo, o meu pai a pedir que lhe abríssemos a janela por lhe fazer falta a brisazinha da tarde, mas passada uma semana tivemos de aferrolhar as portadas, Desculpe, pai, dado que durante a noite lhe soltvam morcegos das cavidades do tronco, e então serraram-no ao meio, quando a respiração dele era apenas um soprozinho de nortada, para que coubesse na ambulância, e a minha madrasta para a família, a assoar os olhos, Ser acácia é uma doença horrível, o médico chamou-nos de lado Pode ser que se o plantarmos no jardim e o adubarmos com cautela melhore, e o meu irmão para o do turbante, a bater a picareta na alcatifa, Esqueça os colibris, meu caro, esqueça essas tretas que voar com a ajuda da cerveja é canja, eu ia ao Minho logo ao segundo gole no tempo de Joanesburgo, difícil é a gente andar, como os mineiros e os mortos, enfiados na terra,"

António Lobo Antunes, em A ordem natural das coisas.

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