10.11.07

"No que procede o acontecimento - - é lá que eu vivo.
Espero viver sempre às vésperas. E não no dia."
C.L.. que fazia da dificuldade, procedimento

A realidade é que resolvi deixar de ser ingrata, meu bem. Sinto sua falta, mesmo que ligeiramente, sem sobreaviso. É que no decorrer mais amplo do tempo eu estou enrodilhada, ocupada demais em construir um templo, entre as minhas severidades e os meus afogamentos subterrâneos. E, se não te encaminho essas palavras escritas, é porque sei que quero fazê-las em você como se eu nunca mais te encostasse, um pouco por orgulho, síndrome do advogado de defesa, e porque hoje sei que ninguém garante que quando se chega na compreensão, se há chegado também no momento de compreender (fazer caber) e quanto mais expressar (palavra ambígua). Talvez seja por isso mesmo, ainda mais ao nível da experiência pessoal, que a literatura seja intransitiva.

E todas essas vontades de reiterar a unidade de si e a distância entre os seres. Aqui dentro, nessa casa, encontro até alienígenas para me sevirem. Escrever um texto é como a porra da mesa que ontem eu pintei de amarelo. Não se trata de mim, se trata de um objeto. Meu? Não sei, é um objeto em que se entra, como num vestido colocado na retina, uma teia de aranha na cara no meio da noite. Como se, a partir disso, você saísse por aí, se debatendo, simplesmente assim, vivendo.

Tear com palavras, para nós, que transformamos tudo o que é sensação em fala, é uma equação infinita, gravada na rocha do sangue (o sangue é um mineral?), cujo resultado resulta sempre: "é quase isso ou muito mais ainda". São entre lacunas como essas, é, eu vivo.

2 comentários:

marcio leandro disse...

Pois é, eu acho que as palavras, como arte, quer dizer, como transcrição de uma realidade que se quer aberta, sujeita a abordagens, olhares e leituras diversas, funcionam muito bem, mas como comunicação expressa, direta objetiva de uma realidade que se quer livre de contaminações é insatisfatória, quase impossível. O problema é que não há canal de comunicação que seja livre de contaminações - afinal, a pureza é um mito, né? Mas o que faz alguém que, em meio a essa impossibilidade, se perde na retórica que as palavras semeiam? Tudo que eu queria era encontrar uma telepatia funcional e efetiva vendida em farmácias e drogarias.

júlia disse...

respondo a você, amigo, distante sabendo de algum modo onde isso se encontra aí. suas questões não me inquietam em si. penso em algumas considerações, vá lá, confusas:

a palavra "arte" eu passo uma lima nela todas as manhãs pra ver se dá pra gastar e mesmo assim, não me serve. espero que um dia dê para fazer uso, que é uma coisa terrível, uma palavra afundando no lodo.

não acho que a escrita transcreva nada. acho que a escrita inscreve, mesmo. inscreve e desfaz. seja na pedra, sulfite ou no corpo. e mesmo assim, fisicamente impregnado, nada nunca estará garantido mesmo, nenhum canal. o fluxo contínuo de um texto é uma coisa impressionante.

agora, acho mesmo que se comunicar é uma coisa mais difícil. acho que entender é mais fácil. eu não sei se quero me comunicar, não sei se é por isso que escrevo. mas, vá lá sem porque: escrevo.

o bandeira naquele famoso falava pra deixar o corpo entender-se com outro corpo, "porque os corpos se entendem, mas as almas não". (alma, outra palavra antiga) mas será? será que os corpos se entendem?

acho que a palavra, no seu codinome linguagem, é um sentido como a visão ou a audição. e escrever? não sei, não sei se escrevo para me comunicar, mas acho que ainda não. acho que escrever é além da palavra também, não só porque a imaginação durante a escrita (da leitura também, claro) foge da palavra.

clarice lispector também diz da desgraça que é para ela criar com elas e estar sempre acompanhada delas. mas essa talvez seja a vingança de todo escritor contra a palavra: produzir imagens através delas e sem elas.

o sartre logo no começo daquele genial 'que é a literatura' escreve que tem gente que escreve buscando a fuga, outros o combate. pra mim, de qualquer maneira, que seja ávido, exposto, gratuito, quase arbitrário, como os gatinhos que hoje vi nascer.

por fim, acho que a incomunicabilidade intransitiva é tamanha que há distância tremenda entre o que eu penso e o que eu penso de novo.

e se a graça de tudo se mantiver sempre no desencontro?

recorrentemente.

 

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