28.9.09

e na quinta feira fui até a praia, mergulhei e o atlântico gelado me trouxe raízes nos pés. de tanto que doíam os tornozelos! precisava me fincar contra/ com a fúria do mar. acho tão engraçado isso da metáfora, eu usei o mar tanto nos "cantos de estima" e de repente de dentro dele não há palavra, nem metáfora, o mar é uma espécie de monstro anônimo. às vezes leio a Sophia de Mello Breyner Andresen muito por aqui. ela me conta coisas inacessíveis do mar.

temos 35 ainda, entre Portugal e o Brasil, quem quer é que vai alguém querer?




26.9.09

chego da rua e encontro à lápis
se fosse simples, ah se fosse
mas antes de tudo havia o mar

agora
chegaram dois naufrágos numa ilha
e um sentia cócegas
(o outro se fingia de naufrágo pra ficar do lado desse)
na menor menção de uma mão ele segurava o ar
e ria

de fundo havia o mar
o mar uma espécie espantada de monstro anônimo
é feita uma declaração em silêncio
te mando uma carta em branco

então
depois mar ainda havia e era o mesmo e era novo

- -
e eu só consigo pensar como é indelicado ter razão.

24.9.09

sim, vou sair pra comprar um Proust.

sabes

vi os homens passando com os gelados
a água do atlântico (ao norte) tão fria
investi nos tornozelos ardiam
os pés se abrindo na areia
o mar branco e raio
mergulho saio
dormi sonhando que o pescoço era uma língua
e fechei os olhos de tudo dourado
as gaivotas no azul
os aviões de duas faixas

e eu estava do lado de cá
dormindo na areia do mundo, mira, outra vez
toda gente dizendo: veja, em outubro já não é,
quente ou tipo
eu querendo ter um amor livre e de família
aceito tanta coisa ou disse
já não aguento mais não trabalhar
nem escrever nem nada participar
não consigo prestar atenção
mas estou aqui, não estou aqui, estou
e o passado não me diz
procuro uma droga, uma toca, um começo
tudo pra acordar
ou seus dedos.

22.9.09

de barriga rosa

ele amou um cão antes de mim e um vaso e uma fonte e um spot de luz ele amou o que não tinha amor ele amou o e se aninhou consigo de caminho amou ele amou o abraço em mim até quando meu corpo não mais estava lá amou o figurino que usávamos nas tardes de um jardim com três sóis e uma ânfora de cor ele amou todas as criaturas que não recebiam amor como se tivesse uma lanterna na cabeça do cão que amou também o que amor já tinha ele um canto um topo seu círculo e um modo de dizer mais pequeno amou enquanto a luz atravessa uma frase em suspense ele amou a novidade de um regresso e esse jeito de não olhar diretamente e andar de costas numa notícia velha ele amou como se fosse uma novidade ele amou a árvore que há na rua da minha casa embora ele nunca tenha estado numa rua embora ele suba em árvores que existem ele amou o cão ele agora me olhou como se dissesse ninguém se perde na noite do amor e toda a cidade era um cavalo manso montado em nós.

21.9.09

13.9.09

o medo e o som

sonhei uma casa muito grande com muitas portas de saída e entrada que davam para um jardim de grama baixa e noturno sereno, dentro pelos corredores calma muito calma eu pisava sobre tapetes muito antigos de encarnados e de repente os cães, que eram cães do inferno, cães que de pedra no jardim viravam animais selvagens- peludos e brutais, o lobisomem do landis - que se punham a avançar sobre a casa e eram tantas as portas! e eu me atirava em fechar as portas, uma a uma, com medo muito, mas numa delicadeza sem fim, reparava as ranhuras das madeiras de cada uma e eles quase entravam, rugindo, luzentes de pêlo, pero comportados que eram não entravam por uma porta ainda aberta, mas sempre tentavam pela que eu estava a fechar. nenhum me atravessou, sentei em frente a lareira e abri um livro, enquanto eles latiam lá fora. fazia muito tempo que eu não tinha um pesadelo.

- -
pelo amor de deus, meu brasil, ouve isso aqui.

- -
e quando acordei sobressaltada pensei "gosta de trepar com lápides". isso sim foi assustador.

11.9.09

uma rotação completa

um movimento de insônia, vontade brusca de ouvir uma música
4 horas da manhã
segredo de música qual é
minha mãe me disse no g-talk: convive o silêncio, mora dentro dele
ah se ela soubesse os segredos que essas casas não contam

ou será que ela sabe?

eu moro muito perto do Jardim da Estrela
mesmo perto muito, tipo dá pra fazer de lá

e se algo nos metros parados dos jardins presos
se divide em áreas de ver e de estar
aprendo a viver somente o presente
foi essa crueldade que me deixou essa semana doente
então hoje de tarde fui ao jardim, ler e descansar


ontem me contei que está tudo em suspenso
hoje a Érica me disse por cima do Rossio
que dentro de mim tem um fio
eu sei o que é
uma coisa que eu conquistei
que eu não era assim
e eu te disse, garanto, um abraço de rodopio de brand new eixo

mudei tanto que nem me surpreendo ou glorifico as mudanças
nem pretendo falar das coisas que são

é engraçado, isso desde tanto, se te vejo
é para muito fora dos espelhos
é nos meninos sobretudo os de 12 anos
que ainda estão seguros de serem inseguros

na verdade hoje no jardim tinha um menino de uns 7 anos
ele era tão carnudinho que as rótulas davam vontade de morder
e o boné que ele usava eu queria morar nele
era tão forte o menino, um grande portuguesinho

e ele tinha um skatezinho
menor que a barriga dele
e ele deitava de barriga no skate
e descia a ladeira dando o impulso
é, de boca e queixo em direção a estátua do Antero de Quental
(como há bustos de poetas por toda a parte e é bom que eles não ficam no alto como o do Álvares de Cabral)
e o avô dele só olhava não dizia cuidado não dizia nada
e ele descia e dava impulso com as mãozinhas
e exclamava enquanto escorregava
'ah que giro ah que giro ah que giro'
e ao final dizia
'isso é muito MUITO giro'
e subia de novo

ah que giro ah que giro

eu quis correr cuidar do menino enchê-lo de beijos
e por isso mesmo fiquei só olhando a terra

7.9.09



mãe
caetano veloso


Palavras, calas, nada fiz
Estou tão infeliz
Falasses, desses, visses não
Imensa solidão
Eu sou um Rei que não tem fim
E brilhas dentro aqui
Guitarras, salas, vento, chão
Que dor no coração
Cidades, mares, povo, rio
Ninguém me tem amor
Cigarra, camas, colos, ninhos
Um pouco de calor
Eu sou um homem tão sozinho
Mas brilhas no que sou
E o meu caminho e o teu caminho
É um nem vais nem vou
Meninos, ondas, becos, mãe
E só porque não estais
És para mim que nada mais
Na boca das manhãs
Sou triste, quase um bicho triste
E brilhas mesmo assim
Eu canto, grito, corro, rio
e nunca chego a ti

5.9.09

revolution 9

em novembro do ano passado, em São Paulo, escrevi isso daqui: a respeito de um passarinho. isso realmente me aconteceu, o passarinho vôou para cima da minha janela e ficou preso. o que eu contei em um e-mail, mas não contei no post, nem no texto que virou poema do "cantos de estima" foi que na hora em que isso aconteceu, eu estava ouvindo um fado muito famoso chamado "gaivota", que começa é assim:

se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa

e de repente pá, um filhote de tico-tico acertou minha janela e se prendeu nas frestas. além da ironia, foi uma angústia sem fim de umas 15 horas, até o momento da libertação dele. e depois a sensação de que pra ele tudo tinha se resolvido, mas pra mim não.

ontem cheguei muito tarde do Bairro Alto, aqui na minha nova casa em Lisboa, onde estou faz 4 noites. e tive que acordar cedo porque vieram fazer uns orçamentos de consertos de coisinhas. da casa. com isso feito, almocei (o primeiro almoço que aqui preparei e que, como sempre, me faz muito bem), comi mesmo gostoso e voltei a dormir. acordei várias vezes, tendo uns sonhos altos (é muito bom que desde que não fumo voltei a sonhar) e sempre na dúvida de se queria levantar ou não pra viver o lindo azul e quente lá fora.

então acordei faz meia hora com um bater de asas, dessa vez entre a janela de vidro e a de madeira e quando desacreditando e sonolenta abri a de madeira, saiu voando um pássaro que ficou um pouco de tempo sem entender nada, atravessou o quarto voando, quase bateu na parede e saiu pela outra janela, que estava aberta. agora não estou mais só, sou livre, tenho o passarinho.

4.9.09

se dou o ritmo nas suas mãos
é porque eu atravessaria cavalos
rinocerontes, hipopótamos
toda a sorte de brutamontes
enquanto você sabe ser montanha
herberto, calado, suspiro e sigo reto.

3.9.09

eu tenho que comer as pedras pra entender, me lixar a pele da garganta com elas? na verdade ultrapasso meus dedos em tudo que é branco e rosa, essa cidade, viu, tanta delicadeza que às vezes meus pés escorregam. tanto passei o último ano andando por essas ruas de memória que agora tenho que atravessar o Atlântico nosso de cada dia, a pensar, ah que rapidez, por que tanto isso? com as texturas, pedindo que o material dessas casas (nós cantamos de verdade / e é sempre outra cidade velha) me dê a forma, esse futuro, tudo que eu já sei e nunca. ah, mais feliz, quem sabe? Lisboa está cheia de Leros, guindastes, ou é do corpo da cidade ser mais amiudado e com isso, ah vaga solidão, essa de sempre se estar acompanhando.

--
ah, como é melhor amar do que entender.
 

Free Blog Counter