28.8.06

a cartilha da iniciação ou i'm fixing a hole

Você me diz: num romance sussurraria em meio a um café atribulado zonzeiras dos carros:
"Estou apaixonada pelo meu professor de esgrima e ele usa as mesmas calças brancas colantes na rua. " ou "Estou apaixonada pelo meu professor de esgrima porque ele usa as mesmas calças brancas colantes na rua, em casa, no supermercado". Faz diferença no seu uso. Quem cria o muro e dá de comer a ele com as duas mãos, acaba por comer concreto.
Quem esconde? Quem cria o muro não chegou ao gosto do zero absoluto, onde repousam as coisas sem agressão. E não vê nuvens nem a ingratidão fingida de um telefonema noturno. Nem sabe só comprar com os olhos uma roupa, um esboço, uma pessoa, o amor, uma bússola: é desaprender a ter.
Como soltar?
Bem,
é preciso, inicialmente, pontilhar um retângulo na massa em branco, delimitando-o além do gesto. Uma vez marcado, com um martelete vá quebrando todo o trechinho, retirando com precisão o que esfarelar, até romper todo o pedaço escolhido. Feito o vão, não olhe mais para ele. Chegue mais perto do muro até encostar nele seu corpo, o lado de fora do ombro, do braço, da bacia. No vazio do buraco que você criou você encosta seu ouvido e ali está. No som que você ouve, é ele, o zero absoluto, na mesma medida que o silêncio, o silêncio sem comoção estratégica.



Podem falar um pouco sobre suas influências históricas? Bem, nós escrevemos em três línguas diferentes – inglês, coreano e francês. (Colaboramos com outros quando se trata de outras línguas.) Cada uma tem toda uma bagagem de história e cultura. A língua é a essência da internet, o verdadeiro portal para a utilização da web. Escrever, ler e conversar em inglês na internet é justificar implicitamente uma certa história. Alguns governos não mais proíbem ou queimam livros, eles impedem o acesso à web, o que significa que justificam uma história diferente da nossa, que utilizamos o inglês. Por isso, a opção de língua é provavelmente a maior influência histórica em nosso trabalho. E as influências literárias ou artísticas específicas, como aparecem em suas obras? Bem, DAKOTA, por exemplo, é baseada numa leitura minuciosa dos “Cantos I”, e parte dos II, de Ezra Pound. É claro que não é preciso conhecer essa obra para apreciar a peça. Outras influências culturais em nosso trabalho são Marcel Duchamp, que um dia decidiu parar de pintar dizendo que estava cansado de sujar as mãos; Roy Lichtenstein, que encontrou um vocabulário artístico simples e o preservou; e Andy Warhol, que, mais que o governo chinês, conseguiu com seus retratos de Mao dar uma certa face à China. Vocês podem ajudar os leitores a “situar” seu trabalho em termos de tom? E o “visual” de seu trabalho? É bastante óbvio que o “tom” ou a “voz” da literatura na internet é mais distante e difícil de “situar” do que a escrita tradicional. A simples embalagem de um livro fala muito sobre o livro e o autor; a embalagem do browser é genérica. Os autores da internet podem ver isso como um problema, ou considerar um alívio da moda crítica de ver biografia em qualquer aspecto da literatura. Quanto ao visual de nosso trabalho, fazemos o que podemos. Nunca nos interessamos por design gráfico (muitos artistas da web – e mesmo escritores – começam como artistas gráficos). Existem centenas de fontes, milhões de cores, e não sabemos o que fazer com elas. Assim, para responder à sua pergunta, não, não podemos e não vamos ajudar os leitores a nos “situar”. Distância, desterro, anonimato e insignificância fazem parte da voz literária na internet, e nós apreciamos isso.

(Y0UNG-HAE CHANG HEAVY INDUSTRIES PRESENTS)

25.8.06

Nunca conheci um poeta em pessoa, os que na rua vi, reclamando para si o relento, só pensam no amor, na dor e nessa espécie de rito. Punhais nas orelhas, fígados cerrados aos trincos e camisolas ao luar, secando num varal, de linhas de nylon ou arame farpado, são os véus intermináveis dos homens, que encobrem aos olhos as bolhas.

As bolhas misturam líquido com ar, sopradas por cornetas de anjos altos, e magros anjos que olham por essa gente cem anos. E estão cegos.
A claridade, o espirro, o abismo
uma cidade áspera.

24.8.06

Se há muito o que inventar por estes lados
O que sei com certeza são meus fados
Exigindo verdades e punindo
Os líricos enganos da beleza.

À procura da rosa tenho andado
Causando às criaturas estranheza.
(Se me encontrares
Terei um jeito de flor
E um não sei quê de brisa
Nos meus ares.
Hei de buscar a rosa
-A dos altares-
E sinto graça nos pés
Leveza nos andares)

Não temes
As deidades atentas da memória
Os gnomos secretos, a loucura,
A morte?


Hilda Hilst

o estio

já preferi o que não tive, mas jamais amei o perdido.
as aulas da história do H maiúsculo me envolviam, causavam uma emoção, que era uma espécie de enebriamento com a impressão de sentir uma força do tempo, como se o transcorrer das coisas fosse uma lança-atirada sempre adiante, sem repouso nem destino. a essa força empenhada, alguns chamam acaso outros deus outros estão a olhar os coquinhos que rolam até a areia, não me importa. mas o caso é mais preciso, que o que empolga, são os núcleos desse narrar, os pontos envolventes: se a história se conta a partir desse banco, os 'fatos históricos', são aqueles que substituiram um estado de coisas por outro, causando no tempo, e nos bons ouvintes, a impressão que ele pode ser de mais coragem do que tédio. quero dizer,

é como pedir, olhando para uma pêra: é o início do século, beibe, você poderia se casar comigo pra gente criar uma mutação bem-louca?
capisco?

::
coração,
já que você pergunta, nesses últimos dias, li o deleuze falando que o escritor é alguém que teve o ouvido ferido por ouvir demais. li a ana c., escrevendo para uma amiga que ela chamava de 'coração', que aprendeu a não compartilhar as neuroses. entendo os dois, eles não se excluem, mas me dá vontade de colocá-los em oposição, num ringue, com três espectadores: sócrates, que dessa vez nasceu mudo; hipócrates esperimentando mescalina; e, por fim, o cartola. por fim, li o herberto helder dizer que 'eu sou um monstro, eu sou a noite, eu sou o que você chamou'. vamos até o fim, non?
sua,
j.

11.8.06

esta noche me emborracho

se não fosse tão cedo eu entraria em discussões mais do modo de existirmos a que será que se destina? mas não sei pensar também, nesses momentos de variação eu me transformo, eu me enlouqueço, eu aguardo, meu nome do meio é ansiedade. vou subir 1/2 serra. i wish that i knew what i know now when i was younger. a pompéia que nos aguarde. e, agora, entrando no modo de hibernação: 1, 2, ah, nossos planos são muito bons.

7.8.06

saber se inventar


não se afobe, não
que nada é pra já
o amor não tem pressa
ele pode esperar em silêncio
num fundo de armário
na posta-restante
milênios, milênios
no ar
e quem sabe, então
o rio será
alguma cidade submersa
os escafandristas virão
explorar sua casa
seu quarto, suas coisas
sua alma, desvãos

sábios em vão
tentarão decifrar
o eco de antigas palavras
fragmentos de cartas, poemas
mentiras, retratos
vestígios de estranha civilização
não se afobe, não
que nada é pra já
amores serão sempre amáveis
futuros amantes, quiçá
se amarão sem saber
com o amor que eu um dia
deixei pra você

(chico buarque, futuros amantes)

5.8.06

quiçá segunda, porventura não

all things are of the same value, because
we are millionaires and all of them things have died.
all landscapes are useless when you look only inward.
you crumple my face behind the library, on the white glass-tiled wall, I [so] enclose myself in your body till we became plastic, a patterned shower curtain that one looks and fails to retain focus, my fingers, my drawings, my friends, we are all little white sheep shorn in the middle of the night and we'll die in the cold.
I get out of bed, take the breakfast that my mother prepares in my mouth, from the outside to the inside, from the inside to the outside; hurricane in my stomach, baby. I go down, then round the corner, "are you my illegitimate friend?", I think, as I look at the crystal shop. The saleswoman comes out overtrowing the balcony, takes me by hand and says: 'how different you are', and I answer with the stars and lacan, and I ask ' did you know that the more dry the weather becomes, more the ipê flowers blossom?', she drags her neck in a negative that leads her head in the ground. I think it must be despair, hers or the ipe's, that the things are like this. the things, not I, despite something.
I ask the attendant of the butcher's shop for "a newspaper, please, that is not humid, yesterday's or yesterday yesterday's" he gives me the our things are our things from 2008 and I'll arrive at the beach, seat down in a crystalline sand floor oposed to the brute sea-flakes. the breeze roars, inflaming my face, and I cross the street again, forget about the desert, look the mountains ahead, and at the top of the pasture is seen more than a shrub, an ox mooing that the humidity crumbles mussels.

(tradução gratuitamente elaborada pela maison michê, pelo próprio o fórum da américa-assessoria de imprensa- num momento de generosidade pelo qual estaremos eternamente enlevados. como diria millôr fernandes.)

4.8.06

explicação

(para o márcio e para o eduardo)

O tempo fecha.
Sou fiel aos acontecimentos biográficos.
Mais do que fiel, oh, tão presa! Esses mosquitos que não
largam! Minhas saudades ensurdecidas por cigarras! O que faço
aqui no campo declamando aos metros versos longos e sentidos?
Ah que estou sentida e portuguesa, e agora não sou mais, veja
não sou mais severa e ríspida: agora sou profissional.

(ana c., reloaded.)
 

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