27.9.05

tudo era irreparável

Escrevo meu livro à beira-mágoa.
Meu coração não tem que ter.

(Pessoa, II. Os avisos)
¨¨¨

Bem-aventurados os que fundem-se no que andam fazendo quando alguém pergunta 'como está? como vai?'.

¨¨¨
Uma ausência me acompanha dia-a-dia. Sonhei toda noite com sua presença. Acordei assim, tristíssima.

¨¨¨
Ninguém sabia que o mundo ia acabar
(apenas uma criança percebeu mas ficou calada),
que o mundo ia acabar às 7 e 45.
Últimos pensamentos! últimos telegramas!
José, que colocava os pronomes,
Helena, que amava os homens,
Sebastião, que se arruinava,
Artur, que não dizia nada,
embarcam para a eternidade.

(Drummond, em Brejo das Almas)

baby (eu sei que é assim) revisited

você precisa aprender o que eu sei
e o que eu não sei mais
não sei,
comigo vai tudo azul*
contigo vai tudo em paz?
você precisa

não sei
você,
eu estudo na pior universidade da américa do sul.


*licença poética

25.9.05

são coisas do momento, são chuvas de verão

despreendem-se as coisas, a vida é outra. e ainda vai ser outra outra outra. ligeiro. não sinto vertigens. a little better all the time? tsc, tensão aos tantos. meu segredo é que sou um rapaz esforçado. bonito que é um desperdício. não preciso de gente que me oriente, não fecho o botão do colarinho, não, deixo isso pra dele e seus tonzinhos tantos de azul. quando eu penso em virar e morar lá, lembro que o azul é cenário, é o mar, que é tanto mar. afogava-me. vamos que vamos, dormir.
Raramente penso em ti.
Teu destino pouco me interessa.
Mas de minha alma ainda não se apagou
o brevíssimo encontro que tivemos.

Evito, de propósito, tua casinha vermelha,
tua casinha vermelha junto ao rio lamacento;
mas bem sei com que amargura
perturbo a tua ensolarada quietude.

Embora não te tenhas inclinado sobre mim
suplicando-me que te amasse,
embora não tenhas imortalizado
o meu desejo em versos dourados,

secretamente lanço encantamentos para o futuro,
sempre que as noites são de um azul profundo,
e tenho a premonição de um segundo encontro,
um inevitável segundo encontro contigo.

Anna Akhmátova, 1913.

18.9.05

bate palma com vontade, faz de conta que é turista

Com 15 anos eu era bem pirada e meio deprimida, mas estava sábia num poema chamado "Domingo", que terminava assim:

todo domingo a família fica faminta
domingo que é domingo é só domingo a mais.

Hoje de manhã quando acordei, olhei a janela e me espantei com um domingo tão coerente nesta chuvinha renitente. Era a hora de acender um cigarro sem nenhuma humildade, pra não pensar mais nos homens que amei (vejo os gatos rosnarem pro presunto, mas não rosnam pra ração. Um deles me dizia que era isso que me faltava: instinto). Mas eu não fumo mais e acho tanta coisa que não sei nada, nem devia falar nessas coisas. Mas a vida é melhor. O que era simples ficou complicado e o que era complicado, bem, nunca se sabe... O que eu sei desde a hora que acordei é que estão todos enganados: hoje não é domingo, na verdade é

quarta-feira de cinzas no país
e as notas dissonantes se integraram
ao som dos imbecis
sim, você, nós dois
já temos um passado, meu amor
a bossa, a fossa, a nossa grande dor
como dois quadradões

Lobo lobo BOBO.

Movimento dos Barcos

Estou cansado e você também vou sair sem abrir a porta e não voltar nunca mais Desculpe a paz que eu lhe roubei e o futuro esperado que eu não dei É impossível levar um barco sem temporais e suportar a vida como um momento além do cais que passa ao largo do nosso corpo não quero ficar dando adeus as coisas passando, eu quero é passar com elas, eu quero e não deixar nada mais do que as cinzas de um cigarro e a marca de um abraço no seu corpo Não, não sou eu quem vai ficar no porto chorando, não lamentando o eterno movimento movimento dos barcos,

movimento

(Jards Macalé e Capinan)

14.9.05

(nice dream)

Penso que preciso escolher uma posição. Mas é a posição que me escolhe. Se metade das costas sobrepõe-se ao travesseiro começo a programar os 45min de divã. Não adianta nada. Viro pra esquerda, fico de lado. Na penumbra olho o outro travesseiro, com a chuva as fronhas molharam e coloquei uma camiseta branca no lugar. Lembro de um outro quarto em outra cidade, outro encostável de camiseta branca. Aperta o pulso, mordo o travesseiro, soco o ar. Tento me lembrar de quartos mais dormitáveis. A vida é irônica, até no paraíso tinham os morcegos! Repenso em três edições a mesma frase, a piada não vale, 'paraíso' teria que perder o desgaste. Me viro de bruços, o peito amassa, o ombro desloca, é difícil respirar. Era por isso, então? Quando eu era pequena, sofria de gigantismos imaginários na hora de dormir. Às vezes de olhos fechados, eles por vontade deles apertavam-se numa pressão diferente e era como um sopro que irradiava das duas órbitas pros ombros. Quando chegava nos ombros eu tinha certeza, iria inflar, todo o corpo em expansão, inflando. Cada noite que isso me aparecia, eu deixava ir um pouco mais além do que na vez anterior. Inflar e inflar, até que não suportava mais a aflição de estar deformada, quem sabe eu caia da cama? e abria os olhos. Ver é até hoje a minha única garantia.

13.9.05

se você disser que eu desafino, amor

Dizem que é preciso esquecer de si mesmo para escrever. Bom assunto para o começo de mais um blogue (é bom reencontrá-los anos depois no google). Isso se não apagarem a todos nós antes. Só que ninguém tem uma história pronta pra ser assim, descartada. E é moda pensar que todo eu é vulgar. Bem, depois do que fizeram com eles, eu bem que entendo a restrição. Mas caffona é você, ok? Veja só a pureza da imagem: penso em perder as minhas histórias como mulheres perdiam estolas. Traga o saquê que eu cansei do champagne. É preciso esquecer a invasão que é um blog para aquecê-lo. Como que dizendo: veja, meus buracos, na verdade, são seus agora: não é que eu fui embora, eu já não estava aqui.
 

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